Lançamento do livro do escritor JOÃO AYRES, no Centro Cultural Paschoal Carlos Magno. O livro foi publicado pela editora Armazéns de Quiquilharias e Utopias, de Paulo de Carvalho.
Da inExistência Desesperada d’um
Sujeito Gramatical
verdade é aquilo que é.
(Santo Agostinho)
Prefaciar
uma obra intitulada “Gramática do Crucial Desespero” se apresenta como desafio
não só pela densidade da obra, como também pelo que o próprio título/tema enuncia.
Além da exigência de não se deixar influenciar pela vontade latente de falar sobre
a obra de modo que acabe se tornando uma espécie de ‘orientação’, uma ‘bula’
para facilitar o leitor a discernir as palavras do autor se valendo de um ponto
de vista subjetivo do prefaciador.
Bem,
mas o desafio foi proposto a mim pelo autor João Ayres e foi aceito, portanto,
tentarei não ceder às tentações, mas discorrer sobre o tema em suas possibilidades
e, não sobre a obra em si. Para este desafio, faço convite a vocês – leitores,
para seguirem comigo.
Comecemos pelo segundo desafio: o próprio título/tema: Gramática do Crucial Desespero, onde uma leitura superficial, desatenta ou mecânica como nos é tão comum nestes tempos esculpidos no aço, poderíamos tomar a gramática como sendo ‘ferramenta’ para ‘diagnosticar’ o desespero. ‘Diagnosticar’ um Crucial Desespero. Ora, tal entendimento incorreria em um erro, pois que gramática é, de forma resumida, a ciência que estuda os elementos de uma língua e suas combinações. Tomando, por hora, essa definição como base, veremos que ela não poderia ser utilizada como ‘cânon’ para ‘diagnosticar’ desespero. Outras áreas de conhecimento, tais como: psicologia, psicanálise, filosofia etc. seriam mais apropriadas tanto para a análise quanto para o ‘diagnóstico’.
Após o que foi demonstrado no parágrafo anterior, devemos, pois, nos perguntar: se o breve conceito de gramática, acima, poderia ter sido um equívoco do autor, pois que gramática não está entre as ‘ferramentas’ para o estudo do desespero, qual teria sido a intenção de João Ayres, tanto no título quanto na obra?
Vamos
buscar a resposta para esta pergunta no capítulo XI, da obra Solilóquios, de
Agostinho de Hipona, (Santo Agostinho), onde ele discorre sobre Verdade das
Ciências. Fábula. Gramática:
R. Que dizer da
própria gramática: se é verdadeira, não o é pelo fato de ser uma disciplina?
Pois a palavra disciplina procede de "discere" = aprender, adquirir
conhecimento de. Mas ninguém pode dizer-se que não sabe aquilo que aprendeu e
conserva na memória; por outro lado, ninguém sabe coisa falsa. Portanto, toda
ciência é verdadeira.
E
o que se pretende ao trazer Agostinho para este prefácio? Nada mais que um entendimento
da gramática de uma forma outra para chegarmos ao porquê do autor ter se utilizado
dela no título/tema associada à Crucial Desespero. Vejamos, ainda, este
questionamento da Razão e a resposta de Agostinho:
A. Não vejo o
que possa ser mais verdadeiro que a verdade.
R. Sem dúvida
aquilo que nada tem de falso. Há pouco, considerando isso, não gostaste
daquelas coisas que, não sei como, não poderiam ser verdadeiras se não fossem
falsas. Porventura ignoras que todas aquelas coisas mencionadas nas lendas e
abertamente falsas pertencem à gramática?
A. É claro que
não ignoro. Mas, na minha opinião, não são falsas por causa da gramática, mas
pela gramática elas são explicadas como o são.
[...]
E,
para finalizar esta explanação sobre o segundo desafio onde poderia ter sido um
equívoco do autor, voltemos aos Solilóquios:
A fábula é uma
criação literária composta para proveito e divertimento, ao passo que a
gramática é uma disciplina que conserva e regula a voz articulada, a fim de
coletar todas as coisas produzidas da linguagem humana, mesmo as ficções,
conservadas pela memória ou consignadas por escrito, sem falsificá-las, mas
ensinando e deduzindo delas alguma instrução verdadeira.
Pronto!
Chegamos ao ponto onde, sem negar que a gramática seja uma ciência, pois que o
próprio texto do qual lancei mão, não a nega, antes confirma. Assim, creio
estar demonstrado que o autor não recorreu a ela como ‘ferramenta’ para
análise/’diagnóstico’ do Crucial Desespero. Mas, vale-se da gramática para dar
vida e trazer à existência um personagem e não a veracidade do texto e, por
conseguinte, a ‘análise’ do Desespero se dará através do entendimento da obra
em sua criação — a estética do autor.
Segundo
Paulo César Nodari em seu texto: A Busca de Deus Nos Solilóquios de Agostinho:
Para Agostinho,
o ser humano não seria capaz apenas de linguagem com os outros. Ele é capaz de
linguagem interior. É capaz de falar consigo próprio. De modo metafórico
pode-se dizer ser a capacidade dele penetrar dentro de si mesmo e,
consequentemente, sentir a necessidade do outro. Significa voltar-se para si
mesmo numa atitude reflexiva. Significa, em outras palavras, voltar-se para a
interioridade.
João
Ayres realiza, para este romance, um voltar-se paras si e, deste profundo instante
nos trazer, através de seus labirintos gramaticais, um personagem que, este
sim, tem em si todo o Crucial Desespero. Este desespero que está e é do e no personagem e só pode ser conhecido se dado a saber. Só pode ser
aprendido/apreendido através da sua personificação pela meticulosa utilização
desta ciência, que é a gramática, na criação deste romance.
Da inExistência Desesperada d’um
Sujeito Gramatical
Três
desafios foram postos no convite para prefaciar esta obra. O segundo já foi
vencido – a questão suscitada pelo título/tema. O primeiro, embora não
concluído, está em andamento, qual seja: aceitar escrever o prefácio em razão
da densidade da obra. O terceiro:
não
se deixar levar pela vontade latente de falar sobre a obra de modo a conduzir o
leitor a interpretações sob um ponto de vista particular. Este é o que virá a
seguir e para tal, reforço o convite para caminharmos juntos.
Iniciaremos
pela epígrafe: verdade é aquilo que é.
Fim
da primeira parte.
Segundo
Paulo César Nodari:
[...] Solilóquios
como se configura o próprio título apresenta um diálogo de Agostinho com sua
própria razão. As figuras do diálogo de Agostinho são a sensibilidade e a
capacidade intelectual do ser humano.
(Paulo César
Nodari. A BUSCA DE DEUS NOS SOLILÓQUIOS DE AGOSTINHO
O
desespero é o sentimento que o personagem experimenta por não conseguir ser
concreto
Sujeito
da obsolescência. E o que seria um Sujeito da obsolescência? Seria um Sujeito
real, concreto e relegado à insignificância, tornado obsoleto pelo próximo,
existindo tão somente ao ser referenciado. Creio que aceitando esta hipótese
podemos observar este Sujeito inexistente, existindo no estádio da mais
profunda e completa coisificação sem ter sequer um Nome que o identifique. Um
Nome que possa eternizá-lo por suas realizações neste intervalo (vir a ser e
deixar de ser) e de sua singularidade/personalidade, ou seja: o ser e estar
como sujeito entre os seus.
Ele
não gosta da palavra sílaba — Ele não pode ser dividido em sílabas, pois ele é
apenas um pronome. O pronome "ele". Portanto não ocupa espaço
tridimensional. Não é composto por nada além do pronome "ele". (Nem
dicotômico – nem tricotômico).
Aos
dezessete dias, quando o Sujeito passa a um existir concreto, ele é, apenas, no estágio estético e diante
da possibilidade do salto para o estágio ético, refugia-se em sua inexistência onde nem real ou irreal,
mas apenas um produto da mente de seu criador. Uma estética inversa onde
renega-se como real (no sentido de não se aceitar como “objeto”), retroagindo
ao plano da ideia.
“Ele
quer ser qualquer coisa próxima ao substantivo peixe.
Sabe
muito bem que está falando de um substantivo que tem
vida
ou que é um ser vivo ou que pelo menos tem uma existência
muito
mais vibrante do que a sua.”
Texto de Paulo de Carvalho
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