domingo, 12 de agosto de 2018

ADRIANA APRESENTA... GRAMÁTICA DO CRUCIAL DESESPERO

Lançamento do livro do escritor JOÃO AYRES, no Centro Cultural Paschoal Carlos Magno. O livro foi publicado pela editora Armazéns de Quiquilharias e Utopias, de Paulo de Carvalho.

Da inExistência Desesperada d’um Sujeito Gramatical

verdade é aquilo que é.
(Santo Agostinho)

Prefaciar uma obra intitulada “Gramática do Crucial Desespero” se apresenta como desafio não só pela densidade da obra, como também pelo que o próprio título/tema enuncia. Além da exigência de não se deixar influenciar pela vontade latente de falar sobre a obra de modo que acabe se tornando uma espécie de ‘orientação’, uma ‘bula’ para facilitar o leitor a discernir as palavras do autor se valendo de um ponto de vista subjetivo do prefaciador.

Bem, mas o desafio foi proposto a mim pelo autor João Ayres e foi aceito, portanto, tentarei não ceder às tentações, mas discorrer sobre o tema em suas possibilidades e, não sobre a obra em si. Para este desafio, faço convite a vocês – leitores, para seguirem comigo.

Comecemos pelo segundo desafio: o próprio título/tema: Gramática do Crucial Desespero, onde uma leitura superficial, desatenta ou mecânica como nos é tão comum nestes tempos esculpidos no aço, poderíamos tomar a gramática como sendo ‘ferramenta’ para ‘diagnosticar’ o desespero. ‘Diagnosticar’ um Crucial Desespero. Ora, tal entendimento incorreria em um erro, pois que gramática é, de forma resumida, a ciência que estuda os elementos de uma língua e suas combinações. Tomando, por hora, essa definição como base, veremos que ela não poderia ser utilizada como ‘cânon’ para ‘diagnosticar’ desespero. Outras áreas de conhecimento, tais como: psicologia, psicanálise, filosofia etc. seriam mais apropriadas tanto para a análise quanto para o ‘diagnóstico’.
        
Após o que foi demonstrado no parágrafo anterior, devemos, pois, nos perguntar: se o breve conceito de gramática, acima, poderia ter sido um equívoco do autor, pois que gramática não está entre as ‘ferramentas’ para o estudo do desespero, qual teria sido a intenção de João Ayres, tanto no título quanto na obra?

Vamos buscar a resposta para esta pergunta no capítulo XI, da obra Solilóquios, de Agostinho de Hipona, (Santo Agostinho), onde ele discorre sobre Verdade das Ciências. Fábula. Gramática:

R. Que dizer da própria gramática: se é verdadeira, não o é pelo fato de ser uma disciplina? Pois a palavra disciplina procede de "discere" = aprender, adquirir conhecimento de. Mas ninguém pode dizer-se que não sabe aquilo que aprendeu e conserva na memória; por outro lado, ninguém sabe coisa falsa. Portanto, toda ciência é verdadeira.

E o que se pretende ao trazer Agostinho para este prefácio? Nada mais que um entendimento da gramática de uma forma outra para chegarmos ao porquê do autor ter se utilizado dela no título/tema associada à Crucial Desespero. Vejamos, ainda, este questionamento da Razão e a resposta de Agostinho:

A. Não vejo o que possa ser mais verdadeiro que a verdade.
R. Sem dúvida aquilo que nada tem de falso. Há pouco, considerando isso, não gostaste daquelas coisas que, não sei como, não poderiam ser verdadeiras se não fossem falsas. Porventura ignoras que todas aquelas coisas mencionadas nas lendas e abertamente falsas pertencem à gramática?
A. É claro que não ignoro. Mas, na minha opinião, não são falsas por causa da gramática, mas pela gramática elas são explicadas como o são.
[...]

E, para finalizar esta explanação sobre o segundo desafio onde poderia ter sido um equívoco do autor, voltemos aos Solilóquios:

A fábula é uma criação literária composta para proveito e divertimento, ao passo que a gramática é uma disciplina que conserva e regula a voz articulada, a fim de coletar todas as coisas produzidas da linguagem humana, mesmo as ficções, conservadas pela memória ou consignadas por escrito, sem falsificá-las, mas ensinando e deduzindo delas alguma instrução verdadeira.

Pronto! Chegamos ao ponto onde, sem negar que a gramática seja uma ciência, pois que o próprio texto do qual lancei mão, não a nega, antes confirma. Assim, creio estar demonstrado que o autor não recorreu a ela como ‘ferramenta’ para análise/’diagnóstico’ do Crucial Desespero. Mas, vale-se da gramática para dar vida e trazer à existência um personagem e não a veracidade do texto e, por conseguinte, a ‘análise’ do Desespero se dará através do entendimento da obra em sua criação — a estética do autor.

Segundo Paulo César Nodari em seu texto: A Busca de Deus Nos Solilóquios de Agostinho:

Para Agostinho, o ser humano não seria capaz apenas de linguagem com os outros. Ele é capaz de linguagem interior. É capaz de falar consigo próprio. De modo metafórico pode-se dizer ser a capacidade dele penetrar dentro de si mesmo e, consequentemente, sentir a necessidade do outro. Significa voltar-se para si mesmo numa atitude reflexiva. Significa, em outras palavras, voltar-se para a interioridade.

João Ayres realiza, para este romance, um voltar-se paras si e, deste profundo instante nos trazer, através de seus labirintos gramaticais, um personagem que, este sim, tem em si todo o Crucial Desespero. Este desespero que está e é do e no personagem e só pode ser conhecido se dado a saber. Só pode ser aprendido/apreendido através da sua personificação pela meticulosa utilização desta ciência, que é a gramática, na criação deste romance.

Da inExistência Desesperada d’um Sujeito Gramatical

Três desafios foram postos no convite para prefaciar esta obra. O segundo já foi vencido – a questão suscitada pelo título/tema. O primeiro, embora não concluído, está em andamento, qual seja: aceitar escrever o prefácio em razão da densidade da obra. O terceiro:
não se deixar levar pela vontade latente de falar sobre a obra de modo a conduzir o leitor a interpretações sob um ponto de vista particular. Este é o que virá a seguir e para tal, reforço o convite para caminharmos juntos.

Iniciaremos pela epígrafe: verdade é aquilo que é.  

Fim da primeira parte.


Segundo Paulo César Nodari:
  
[...] Solilóquios como se configura o próprio título apresenta um diálogo de Agostinho com sua própria razão. As figuras do diálogo de Agostinho são a sensibilidade e a capacidade intelectual do ser humano.
(Paulo César Nodari. A BUSCA DE DEUS NOS SOLILÓQUIOS DE AGOSTINHO

O desespero é o sentimento que o personagem experimenta por não conseguir ser concreto

Sujeito da obsolescência. E o que seria um Sujeito da obsolescência? Seria um Sujeito real, concreto e relegado à insignificância, tornado obsoleto pelo próximo, existindo tão somente ao ser referenciado. Creio que aceitando esta hipótese podemos observar este Sujeito inexistente, existindo no estádio da mais profunda e completa coisificação sem ter sequer um Nome que o identifique. Um Nome que possa eternizá-lo por suas realizações neste intervalo (vir a ser e deixar de ser) e de sua singularidade/personalidade, ou seja: o ser e estar como sujeito entre os seus.

Ele não gosta da palavra sílaba — Ele não pode ser dividido em sílabas, pois ele é apenas um pronome. O pronome "ele". Portanto não ocupa espaço tridimensional. Não é composto por nada além do pronome "ele". (Nem dicotômico – nem tricotômico).

Aos dezessete dias, quando o Sujeito passa a um existir concreto, ele é, apenas, no estágio estético e diante da possibilidade do salto para o estágio ético, refugia-se em sua inexistência onde nem real ou irreal, mas apenas um produto da mente de seu criador. Uma estética inversa onde renega-se como real (no sentido de não se aceitar como “objeto”), retroagindo ao plano da ideia.

“Ele quer ser qualquer coisa próxima ao substantivo peixe.
Sabe muito bem que está falando de um substantivo que tem
vida ou que é um ser vivo ou que pelo menos tem uma existência
muito mais vibrante do que a sua.”

Texto de Paulo de Carvalho

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