Agradecemos ao autor ALVARO GIESTA a disponibilidade em responder ao nosso questionário
1 - Como se define enquanto autor e pessoa?
Como autor sou aquele que vive, com um quase olhar de lince, uma
salutar inquietude na análise e criação do poema, porque preocupado por sentir
que vamos perdendo, a pouco e pouco, o valor que o poema tinha na literatura.
Isto porque, hoje, não se cria com verdadeira intenção literária. Ou seja:
faltando quem, nas editoras, exerça a verdadeira, isenta e imparcial análise
crítica das obras propostas à edição, escolhendo, assim, os autores, separando
o trigo do joio, leva a que, quem tem alguns euros no bolso possa satisfazer o
ego, simplesmente com a intenção do amiguismo, do facilitismo e do
mercantilismo (neste último caso para as editoras).
Como pessoa apenas digo que nem tudo na vida é poesia.
2 - O que o inspira?
Como Ramos Rosa, Herberto Helder, Sebastião Alba e outros poetas
maiores, embora este último quase um desconhecido, não acredito em inspiração;
ou melhor, e contrariando o mito de que há "musos" e
"musas" a soprar os versos ao ouvido, ainda que possa molestar
sensibilidades, a inspiração não existe. Quando muito, existe
"influência" e para a invenção do humano e do conhecimento, é nesta
angústia da influência, que o autor se aninha para criar.
Escrever, para mim, depois de vencido o tenebroso pânico da página em
branco, esse grande obstáculo que tantos tortura antes de por eles ser vencido,
torna-se quase como um fluxo imparável de palavras; depois algo me faz parar e
voltar atrás num processo de leitura crítica sobre o que até aí escrevi, para ver
se o que deixei escrito possui a qualidade necessária à minha exigente
satisfação, como escrevente, e à minha ainda mais exigente satisfação, como o
leitor que me leio antes de me dar a ler aos demais leitores. Eu gosto de
raciocinar a palavra durante e depois de a ter debitado no papel. É como se não
soubesse escrever, e sempre com caneta sobre o papel: escrevo, reescrevo,
risco, rabisco e volto a escrever até àquilo que eu julgo ser a perfeição, e
quero que tal assim seja. É assim, em síntese, o meu processo criativo.
3 - Existem tabus na sua escrita? Porquê?
Sou um poeta sem tabus. Não tenho pálas ao lado de cada olho a
limitar-me a visão à semelhança da objectiva fotográfica de 50 mm. A minha
visão, no mínimo, é de 180 º. Mas, quando é preciso, também alcanço os 360 º;
também vejo o que está nas minhas costas. O filósofo francês Jean-Luc Nancy
dizia no seu ensaio "Resistência à Poesia" que "Poesia, é fazer
tudo falar". Absolutamente de acordo - a poesia, que é a força da minha
escrita, nas minhas obras editadas e nos meus ensaios difundidos, é transversal
a todas as artes, a todos os comportamentos e, quando assim não for, a minha
escrita deixa de ter razao de existir: morre, porque deixo de escrever.
Metaforizando, a minha escrita (refira-se, poesia) é a força irradiante e clara
da palavra, mas também a turbulência das águas causada pelas irregularidades do
leito, é a lâmina da navalha que rasga as sombras, mas também a força da raíz
que penetra no solo e se enraíza entre as pedras.
Que outra coisa podia ser a minha poética neste tempo de interrogação,
neste tempo desabitado, senão o lugar da ausência e do desassossego, da
inquietação e da procura, da descrença e da tentativa de resposta, do medo e da
revolta, do gesto humano e do amor?
4 - Que importância dá às antologias e colectâneas?
Numas, naquelas que são temáticas e de teor literário e/ou naquelas com
um número restrito de autores, com editoras sérias e idóneas que nada oferecem
como prémio mas determinam, em regulamento, o que se paga e o que se recebe:
dou-lhes toda a importância e entro como co-autor nelas. As outras (em que
antes entrei algumas vezes enganado), aquelas sem regulamento, em que entra às
cegas quem quer, "tudo ao molho e fé em Deus" para encher o bolso às
editoras sem escrúpulo, são autênticas aberrações poéticas - não lhes dou
importância nenhuma.
5 - Que impacto têm as redes sociais no seu percurso?
Quase nenhuma; apenas eu me divulgo no meu blog, na minha página
pessoal do facebook onde os leitores que gostam da minha escrita me apreciam,
me comentam, me divulgam e me procuram para me comprarem as obras ou lhes
indicar como e onde as podem adquirir. Quem poderia contribuir, de algum modo e
em grande medida, seriam os media, nesses fracos programas de rádio que por aí
há (excluindo-se um de qualidade e isento de amiguismos que existe lá para os
lados de Guimarães), se os mentores desses programas de poesia fossem mais
amplos na divulgação de autores e não apenas dos "seus autores
entrevistados" que repetem continuamente como se fossem tribos, como se
fossem elites. Nem às editoras devo esse favor de me divulgarem nos seus sites,
porque a elas, o que lhes interessa, é recuperarem os seiscentos e tal euros
que gastam nos 200 ou 300 livros que mandam imprimir (eu sei que é assim,
porque também edito como autor) e, a partir daí, procederem às vendas através
das plataformas digitais - e o que vem é lucro - sem me prestarem contas dos
direitos de autor ou, fazendo-o, apenas, se a tal forem forçados.
6 - Quais os pontos positivos e negativos do universo da escrita?
Circunscrevendo a resposta àquilo que eu considero mais importante no
universo da escrita, seja prosa ou poética, que tenha por objecto o nível
literário: sem dúvida a crítica literária Honesta, Imparcial e Séria. Se esta
atitude se perder, a morte ronda a nossa literatura.
Diz-nos Leyla Perron-Moisés que «Os críticos literários calaram-se,
perderam espaço e prestígio. A literatura tornou-se coisa do passado.» Também
se diz que, devido ao curto espaço que é dado ao crítico jornalístico nos
jornais, a crítica se remete, no seu "papel residual", a pouco mais
do que ser um "guia de compras", muitas vezes um mau guia porque
atribui o máximo de "estrelas" a quem não as devia ter. Talvez sim,
talvez não... talvez falte, no crítico, a capacidade de julgar; talvez tenha
perdido, o crítico, o poder da crítica que lhe dava a capacidade para fazer ou
destruir a carreira de um autor literário.
À porta de muitos destes pseudo-poetas-vale-tudo estão, de atalaia,
muitos críticos jornalísticos, daqueles que fazem ténues e mal fundadas
investidas por certas obras literárias, aqueles a quem a crise do jornalismo em
papel paga mal, ou nem paga, para fazer crítica literária... aqueles que,
guiados por um certo grau de cegueira-interessada, se relacionam com a
literatura contemporânea de tal modo que os levam unicamente a verem aquilo que
querem ver ou, melhor dizendo, que a sua miopia literária deixa ver. Uma miopia
literária que não é, de todo, inocente ao seu olhar e ao seu interesse: é a
crítica parcial, é a crítica afeita e afecta às feiras de vaidades, é a crítica
guiada pelo estímulo interesseiro e interessado, é a crítica que veste o fato
domingueiro do "padrinho alugado" para a cerimónia do baptismo
literário do afilhado - é a crítica parcial, mentirosa, incompetente e
corrupta, tantas vezes. Uma falta de coerência total, uma ausência de
escrúpulos sem medida.
7 - O que acredita ser essencial na divulgação de um autor?
A crítica literária isenta, mas de críticos sérios, honestos e sabedores
da matéria - com conhecimento e com objectividade. Crítica e críticos de facto
e de direito, com material digno de lhes ser submetido e não aqueles "formadores
de opinião" que criam best-sellers, muitas vezes de obras medíocres,
obedecendo a elites, a lobbies, a grupos instituídos de onde o desconhecido é
banido. Grosso modo, à semelhança dos tais "programas de poesia" por
rádio que proliferam na noite, desabitados de bons autores, de bons
divulgadores da palavra poética sem se limitarem apenas e só a mandar ler
poemas do autor entrevistado por preguiça mental e ignorância em ler e
compreender a sua poética, porque a mediocridade de tais
"radialistas" não se adapta a um raciocínio mais elaborado e um
lexico variado e limpo de autores que não se acomodam a estes lobbies.
8 - Quais os projectos para o futuro?
A juntar aos onze títulos já publicados, tenho alguns projectos para um
futuro próximo, não excluindo um projecto editorial, tudo dependente de três ou
quatro manuscritos originais que tenho a concurso, um dos quais a nível
internacional. Mas, num futuro ainda mais próximo (lá para setembro ou
outubro), tenho uma obra poética a publicar do género erótico-sensual a convite
de um coordenador editorial amigo.
9 - Sugira um autor e um livro!
Vou sugerir dois, importantíssimos na formação dos autores que se
dedicam à escrita, mormente à poética, que deveriam ler. "A Angústia da
Influência" de Harold Bloom, é um ensaio, numa tradução para português de
Miguel Tamen, de um dos mais influentes e controversos críticos literários do
nosso tempo. O outro, tão ou mais importante que este, embora em castelhano,
mas facilmente entendível, um livro que já teve vinte e duas reimpressões desde
a 1.ª edição em 1956, do prémio Nobel da Literatura em 1990 exactamente com
este ensaio "El arco y la lira" (o arco e a lira), o mexicano Octávio
Paz.
10 - Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?
Vou responder invertendo a proposta: "o que não gosto que me
perguntem e o que responderia"
Não gosto que me perguntem "quando deixo de escrever" e
responderia com outra pergunta "porque têm medo da minha escrita?"
Acompanhem, curtam e divulguem este e outros autores através deste link
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