quarta-feira, 18 de julho de 2018

DEZ PERGUNTAS A... ALVARO GIESTA


Agradecemos ao autor ALVARO GIESTA a disponibilidade em responder ao nosso questionário

1 - Como se define enquanto autor e pessoa?

Como autor sou aquele que vive, com um quase olhar de lince, uma salutar inquietude na análise e criação do poema, porque preocupado por sentir que vamos perdendo, a pouco e pouco, o valor que o poema tinha na literatura. Isto porque, hoje, não se cria com verdadeira intenção literária. Ou seja: faltando quem, nas editoras, exerça a verdadeira, isenta e imparcial análise crítica das obras propostas à edição, escolhendo, assim, os autores, separando o trigo do joio, leva a que, quem tem alguns euros no bolso possa satisfazer o ego, simplesmente com a intenção do amiguismo, do facilitismo e do mercantilismo (neste último caso para as editoras).
Como pessoa apenas digo que nem tudo na vida é poesia.

2 - O que o inspira?

Como Ramos Rosa, Herberto Helder, Sebastião Alba e outros poetas maiores, embora este último quase um desconhecido, não acredito em inspiração; ou melhor, e contrariando o mito de que há "musos" e "musas" a soprar os versos ao ouvido, ainda que possa molestar sensibilidades, a inspiração não existe. Quando muito, existe "influência" e para a invenção do humano e do conhecimento, é nesta angústia da influência, que o autor se aninha para criar.
Escrever, para mim, depois de vencido o tenebroso pânico da página em branco, esse grande obstáculo que tantos tortura antes de por eles ser vencido, torna-se quase como um fluxo imparável de palavras; depois algo me faz parar e voltar atrás num processo de leitura crítica sobre o que até aí escrevi, para ver se o que deixei escrito possui a qualidade necessária à minha exigente satisfação, como escrevente, e à minha ainda mais exigente satisfação, como o leitor que me leio antes de me dar a ler aos demais leitores. Eu gosto de raciocinar a palavra durante e depois de a ter debitado no papel. É como se não soubesse escrever, e sempre com caneta sobre o papel: escrevo, reescrevo, risco, rabisco e volto a escrever até àquilo que eu julgo ser a perfeição, e quero que tal assim seja. É assim, em síntese, o meu processo criativo.

3 - Existem tabus na sua escrita? Porquê?

Sou um poeta sem tabus. Não tenho pálas ao lado de cada olho a limitar-me a visão à semelhança da objectiva fotográfica de 50 mm. A minha visão, no mínimo, é de 180 º. Mas, quando é preciso, também alcanço os 360 º; também vejo o que está nas minhas costas. O filósofo francês Jean-Luc Nancy dizia no seu ensaio "Resistência à Poesia" que "Poesia, é fazer tudo falar". Absolutamente de acordo - a poesia, que é a força da minha escrita, nas minhas obras editadas e nos meus ensaios difundidos, é transversal a todas as artes, a todos os comportamentos e, quando assim não for, a minha escrita deixa de ter razao de existir: morre, porque deixo de escrever. Metaforizando, a minha escrita (refira-se, poesia) é a força irradiante e clara da palavra, mas também a turbulência das águas causada pelas irregularidades do leito, é a lâmina da navalha que rasga as sombras, mas também a força da raíz que penetra no solo e se enraíza entre as pedras.
Que outra coisa podia ser a minha poética neste tempo de interrogação, neste tempo desabitado, senão o lugar da ausência e do desassossego, da inquietação e da procura, da descrença e da tentativa de resposta, do medo e da revolta, do gesto humano e do amor?

4 - Que importância dá às antologias e colectâneas?

Numas, naquelas que são temáticas e de teor literário e/ou naquelas com um número restrito de autores, com editoras sérias e idóneas que nada oferecem como prémio mas determinam, em regulamento, o que se paga e o que se recebe: dou-lhes toda a importância e entro como co-autor nelas. As outras (em que antes entrei algumas vezes enganado), aquelas sem regulamento, em que entra às cegas quem quer, "tudo ao molho e fé em Deus" para encher o bolso às editoras sem escrúpulo, são autênticas aberrações poéticas - não lhes dou importância nenhuma.

5 - Que impacto têm as redes sociais no seu percurso?

Quase nenhuma; apenas eu me divulgo no meu blog, na minha página pessoal do facebook onde os leitores que gostam da minha escrita me apreciam, me comentam, me divulgam e me procuram para me comprarem as obras ou lhes indicar como e onde as podem adquirir. Quem poderia contribuir, de algum modo e em grande medida, seriam os media, nesses fracos programas de rádio que por aí há (excluindo-se um de qualidade e isento de amiguismos que existe lá para os lados de Guimarães), se os mentores desses programas de poesia fossem mais amplos na divulgação de autores e não apenas dos "seus autores entrevistados" que repetem continuamente como se fossem tribos, como se fossem elites. Nem às editoras devo esse favor de me divulgarem nos seus sites, porque a elas, o que lhes interessa, é recuperarem os seiscentos e tal euros que gastam nos 200 ou 300 livros que mandam imprimir (eu sei que é assim, porque também edito como autor) e, a partir daí, procederem às vendas através das plataformas digitais - e o que vem é lucro - sem me prestarem contas dos direitos de autor ou, fazendo-o, apenas, se a tal forem forçados.

6 - Quais os pontos positivos e negativos do universo da escrita?

Circunscrevendo a resposta àquilo que eu considero mais importante no universo da escrita, seja prosa ou poética, que tenha por objecto o nível literário: sem dúvida a crítica literária Honesta, Imparcial e Séria. Se esta atitude se perder, a morte ronda a nossa literatura.
Diz-nos Leyla Perron-Moisés que «Os críticos literários calaram-se, perderam espaço e prestígio. A literatura tornou-se coisa do passado.» Também se diz que, devido ao curto espaço que é dado ao crítico jornalístico nos jornais, a crítica se remete, no seu "papel residual", a pouco mais do que ser um "guia de compras", muitas vezes um mau guia porque atribui o máximo de "estrelas" a quem não as devia ter. Talvez sim, talvez não... talvez falte, no crítico, a capacidade de julgar; talvez tenha perdido, o crítico, o poder da crítica que lhe dava a capacidade para fazer ou destruir a carreira de um autor literário.
À porta de muitos destes pseudo-poetas-vale-tudo estão, de atalaia, muitos críticos jornalísticos, daqueles que fazem ténues e mal fundadas investidas por certas obras literárias, aqueles a quem a crise do jornalismo em papel paga mal, ou nem paga, para fazer crítica literária... aqueles que, guiados por um certo grau de cegueira-interessada, se relacionam com a literatura contemporânea de tal modo que os levam unicamente a verem aquilo que querem ver ou, melhor dizendo, que a sua miopia literária deixa ver. Uma miopia literária que não é, de todo, inocente ao seu olhar e ao seu interesse: é a crítica parcial, é a crítica afeita e afecta às feiras de vaidades, é a crítica guiada pelo estímulo interesseiro e interessado, é a crítica que veste o fato domingueiro do "padrinho alugado" para a cerimónia do baptismo literário do afilhado - é a crítica parcial, mentirosa, incompetente e corrupta, tantas vezes. Uma falta de coerência total, uma ausência de escrúpulos sem medida.

7 - O que acredita ser essencial na divulgação de um autor?

A crítica literária isenta, mas de críticos sérios, honestos e sabedores da matéria - com conhecimento e com objectividade. Crítica e críticos de facto e de direito, com material digno de lhes ser submetido e não aqueles "formadores de opinião" que criam best-sellers, muitas vezes de obras medíocres, obedecendo a elites, a lobbies, a grupos instituídos de onde o desconhecido é banido. Grosso modo, à semelhança dos tais "programas de poesia" por rádio que proliferam na noite, desabitados de bons autores, de bons divulgadores da palavra poética sem se limitarem apenas e só a mandar ler poemas do autor entrevistado por preguiça mental e ignorância em ler e compreender a sua poética, porque a mediocridade de tais "radialistas" não se adapta a um raciocínio mais elaborado e um lexico variado e limpo de autores que não se acomodam a estes lobbies.

8 - Quais os projectos para o futuro?

A juntar aos onze títulos já publicados, tenho alguns projectos para um futuro próximo, não excluindo um projecto editorial, tudo dependente de três ou quatro manuscritos originais que tenho a concurso, um dos quais a nível internacional. Mas, num futuro ainda mais próximo (lá para setembro ou outubro), tenho uma obra poética a publicar do género erótico-sensual a convite de um coordenador editorial amigo. 

9 - Sugira um autor e um livro!

Vou sugerir dois, importantíssimos na formação dos autores que se dedicam à escrita, mormente à poética, que deveriam ler. "A Angústia da Influência" de Harold Bloom, é um ensaio, numa tradução para português de Miguel Tamen, de um dos mais influentes e controversos críticos literários do nosso tempo. O outro, tão ou mais importante que este, embora em castelhano, mas facilmente entendível, um livro que já teve vinte e duas reimpressões desde a 1.ª edição em 1956, do prémio Nobel da Literatura em 1990 exactamente com este ensaio "El arco y la lira" (o arco e a lira), o mexicano Octávio Paz.

10 - Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?

Vou responder invertendo a proposta: "o que não gosto que me perguntem e o que responderia"
Não gosto que me perguntem "quando deixo de escrever" e responderia com outra pergunta "porque têm medo da minha escrita?"

Acompanhem, curtam e divulguem este e outros autores através deste link

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