sexta-feira, 29 de junho de 2018

DEZ PERGUNTAS A... LINDEVANIA MARTINS

Agradecemos à autora LINDEVANIA MARTINS a disponibilidade em responder ao nosso questionário

1 - Como se define enquanto autora e pessoa?

Interessante a pergunta porque ela já promove uma diferenciação, uma dissociação. Acho mesmo que quando escrevo me distancio de meus outros modos de existência e acho que essa distância é fundamental porque me permite experimentar outras posições de sujeito, menos presa às limitações que os papéis tradicionais que ocupamos nos impõem. Então, enquanto autora, quero exercitar esses prazeres que Wislawa Szymborska diz que fazem “a alegria da escrita”: o prazer de preservar, construindo memória, e prazer de ser essa mão mortal, essa mão onipotente que brinca de ser Deus, determinando caminhos e distribuindo amor e morte. Afinal, na ficção tudo podemos!. Enquanto pessoa, estou sempre incompleta, em busca de sentido e lutando por um modo de existência em que minha humanidade não seja engolida por uma vida maquinal e inconsciente.
2 - O que a inspira?
São muitas coisas que me levam a escrever. Resistência, transgressão, beleza e sensualidade. Mas também o oposto de tudo isso: conservadorismo, ausência de liberdade, maldade e desumanização. Esses conjuntos dão origem a escritas muito diferentes entre si. Porque uma surge como celebração de vida e outra como reação a tudo isso que nos encolhe, que nos mata. Me inspiram também as coisas que não compreendo e a escrita que nasce daí, principalmente a poesia, é pura tentativa de compreensão.
3 - Existem tabus na sua escrita? Porquê?
Vivemos em sociedade e nossas vidas são permeadas por interdições. Levamos essas interdições para nossas vivências e práticas cotidianas, mesmo a nível inconsciente, até porque esses tabus e interdições não nos dizem apenas que não devemos experienciar e escrever sobre certos temas. Eles dizem que não podemos sequer pensar sobre eles. Por isso desconfio de quem diz que não obedece a tabus. Também não acredito em liberdades absolutas, porque nós também criamos nossas próprias regras. Ainda que fujam dos padrões, são regras baseadas naquilo que julgamos importante, baseadas numa ética própria. Toda escrita possui tabus, que são os seus limites, são as suas regras internas. Então, não quero escrever nada que promova ignorância e fascismo. Nem quero escrever nada que seja fácil e bonitinho apenas por não querer incomodar. São os meus limites, os meus tabus.
4 - Que importância dá às antologias e colectâneas?
Muito importantes. Elas não só promovem a divulgação de nossos trabalhos, mas permitem novos encontros, descobertas e novas potencialidades. Permitem, sobretudo, contaminação, na medida em que trabalhos muitos diferentes podem ser ali encontrados e nos contaminamos, positivamente, uns aos outros com as diferenças, nos tornando melhores. Além disso, muitas delas marcam momentos muito especiais do campo literário, momento de rupturas mais profundas e de quebra de paradigmas.
5 - Que impacto têm as redes sociais no seu percurso?
As redes sociais têm feito toda diferença. Venho de um processo de escrita que, por questões pessoais, sofreu uma parada brusca por mais de uma dezena anos. Então, ao retomar esse  envolvimento com as letras, percebo claramente o que era escrever em uma era pré-redes sociais e o que é escrever num momento pós-redes sociais. As redes significam, por exemplo, a redução de um isolamento que sempre experimentei. Permitiram que eu descobrisse pertencimento e comunidades vibrantes de autores e leitores, além de editores, agentes, revisores, ilustradores e muita gente lidando com a palavra de forma criativa e inovadora. Tudo isso impulsiona e aumenta o desejo de escrever.
6 - Quais os pontos positivos e negativos do universo da escrita?
Como pontos positivos, tudo o que ela permite ao ampliar nossos horizontes, quando possibilita que experimentemos estar na pele e na mente de outra pessoa, ao inventar lugares de pertencimento no mundo, ao se permitir ser utilizada para criar espaços de resistência. Resistência ao embrutecimento, à objetificação, ao ódio e à destruição. E aponto que os principais rivais da escrita não são a pretensa “preguiça” ou “indisposição do brasileiro para a leitura”, mas modos de vida que julgam como inútil tudo que não privilegia a praticidade e a produção material de riqueza. Modos de vida que não nos permitem outros modos de expressão e querem nos amarrar à linguagem funcional que usamos no dia a dia. Modos de vida que não nos permitem espaços vazios que possam ser preenchidos com arte e literatura. Como pontos negativos, esses que são bem mostrados pela pesquisadora Regina Delcastagné: que o campo literário brasileiro é marcado por homogeneidade e concentração de escritores homens, brancos, heterossexuais e do sudeste pais, que produzem narrativas e textos autorreferentes, sendo pouco receptivo às identidades opostas. Contudo, são várias as iniciativas de ruptura com esse modelo e estou otimista!
7 - O que acredita ser essencial na divulgação de um autor?
Nunca é só uma coisa, não é? Um conjunto de elementos: boa distribuição das obras; ser referenciado positivamente por veículos formadores de opinião; fazer uso de mídias diversificadas, como rádio, TV, impresso e internet; existir resenhas sobre as obras; ter contato direto com o público leitor através de feiras de livros, palestras, etc.
8 - Quais os projectos para o futuro?
Tenho vários projetos em andamentos, em diferentes etapas. Para eu não me perder em meio à tanta coisa, estabeleço as prioridades. O material que tenho publicado é basicamente de contos, com algumas poesias bem pontuais. Então, a prioridade agora é finalizar meu primeiro romance, narrado por três protagonistas diferentes. Ele ainda não possui um nome definitivo, mas já está num estágio bem avançado. Um outro projeto que me entusiasma muito, que está guardado para depois do romance, é a publicação de uma graphic novel para a qual já iniciei pesquisa e busca de parcerias para ilustração.
9 - Sugira um autor e um livro!
Estou muito interessada nas autoras contemporâneas. Então, a obra que recomendo é “Nu Frontal com Tarja”, de Lúcia Santos, publicada pela Editora Reformatório. “Nu Frontal com Tarja” é um livro de poesias que permite vários níveis de leitura. Tanto uma leitura mais descompromissada e ingênua, quanto uma leitura mais aprofundada que permite encontrar sempre coisas novas, bem como permite à leitora e ao leitor se reconhecer através da voz de Lúcia Santos. E aí você vê como é engenhoso o trabalho da poeta, que consegue manejar muito bem recursos estilísticos para permitir leituras tão diferentes e saborosas.
10 - Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?
A pergunta: “E como termina essa história?”
A resposta: “Pra saber, você vai ter que ler até o final!”
Acompanhem, curtam e divulguem esta e outros autores através deste link

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