Agradecemos à autora LINDEVANIA MARTINS a disponibilidade em responder ao nosso questionário
1 - Como se define
enquanto autora e pessoa?
Interessante a pergunta
porque ela já promove uma diferenciação, uma dissociação. Acho mesmo que quando
escrevo me distancio de meus outros modos de existência e acho que essa distância
é fundamental porque me permite experimentar outras posições de sujeito, menos
presa às limitações que os papéis tradicionais que ocupamos nos impõem. Então,
enquanto autora, quero exercitar esses prazeres que Wislawa Szymborska diz que
fazem “a alegria da escrita”: o prazer de preservar, construindo memória, e
prazer de ser essa mão mortal, essa mão onipotente que brinca de ser Deus, determinando
caminhos e distribuindo amor e morte. Afinal, na ficção tudo podemos!. Enquanto
pessoa, estou sempre incompleta, em busca de sentido e lutando por um modo de
existência em que minha humanidade não seja engolida por uma vida maquinal e
inconsciente.
2 - O que a inspira?
São muitas coisas que
me levam a escrever. Resistência, transgressão, beleza e sensualidade. Mas também
o oposto de tudo isso: conservadorismo, ausência de liberdade, maldade e
desumanização. Esses conjuntos dão origem a escritas muito diferentes entre si.
Porque uma surge como celebração de vida e outra como reação a tudo isso que
nos encolhe, que nos mata. Me inspiram também as coisas que não compreendo e a
escrita que nasce daí, principalmente a poesia, é pura tentativa de compreensão.
3 - Existem tabus na
sua escrita? Porquê?
Vivemos em sociedade e
nossas vidas são permeadas por interdições. Levamos essas interdições para
nossas vivências e práticas cotidianas, mesmo a nível inconsciente, até porque
esses tabus e interdições não nos dizem apenas que não devemos experienciar e
escrever sobre certos temas. Eles dizem que não podemos sequer pensar sobre
eles. Por isso desconfio de quem diz que não obedece a tabus. Também não
acredito em liberdades absolutas, porque nós também criamos nossas próprias
regras. Ainda que fujam dos padrões, são regras baseadas naquilo que julgamos
importante, baseadas numa ética própria. Toda escrita possui tabus, que são os
seus limites, são as suas regras internas. Então, não quero escrever nada que promova
ignorância e fascismo. Nem quero escrever nada que seja fácil e bonitinho
apenas por não querer incomodar. São os meus limites, os meus tabus.
4 - Que importância dá às
antologias e colectâneas?
Muito importantes. Elas
não só promovem a divulgação de nossos trabalhos, mas permitem novos encontros,
descobertas e novas potencialidades. Permitem, sobretudo, contaminação, na
medida em que trabalhos muitos diferentes podem ser ali encontrados e nos
contaminamos, positivamente, uns aos outros com as diferenças, nos tornando
melhores. Além disso, muitas delas marcam momentos muito especiais do campo
literário, momento de rupturas mais profundas e de quebra de paradigmas.
5 - Que impacto têm as
redes sociais no seu percurso?
As redes sociais têm
feito toda diferença. Venho de um processo de escrita que, por questões
pessoais, sofreu uma parada brusca por mais de uma dezena anos. Então, ao
retomar esse envolvimento com as letras,
percebo claramente o que era escrever em uma era pré-redes sociais e o que é
escrever num momento pós-redes sociais. As redes significam, por exemplo, a
redução de um isolamento que sempre experimentei. Permitiram que eu descobrisse
pertencimento e comunidades vibrantes de autores e leitores, além de editores,
agentes, revisores, ilustradores e muita gente lidando com a palavra de forma
criativa e inovadora. Tudo isso impulsiona e aumenta o desejo de escrever.
6 - Quais os pontos
positivos e negativos do universo da escrita?
Como pontos positivos,
tudo o que ela permite ao ampliar nossos horizontes, quando possibilita que
experimentemos estar na pele e na mente de outra pessoa, ao inventar lugares de
pertencimento no mundo, ao se permitir ser utilizada para criar espaços de
resistência. Resistência ao embrutecimento, à objetificação, ao ódio e à
destruição. E aponto que os principais rivais da escrita não são a pretensa “preguiça”
ou “indisposição do brasileiro para a leitura”, mas modos de vida que julgam
como inútil tudo que não privilegia a praticidade e a produção material de
riqueza. Modos de vida que não nos permitem outros modos de expressão e querem
nos amarrar à linguagem funcional que usamos no dia a dia. Modos de vida que não
nos permitem espaços vazios que possam ser preenchidos com arte e literatura.
Como pontos negativos, esses que são bem mostrados pela pesquisadora Regina
Delcastagné: que o campo literário brasileiro é marcado por homogeneidade e
concentração de escritores homens, brancos, heterossexuais e do sudeste pais,
que produzem narrativas e textos autorreferentes, sendo pouco receptivo às
identidades opostas. Contudo, são várias as iniciativas de ruptura com esse
modelo e estou otimista!
7 - O que acredita ser
essencial na divulgação de um autor?
Nunca é só uma coisa, não
é? Um conjunto de elementos: boa distribuição das obras; ser referenciado
positivamente por veículos formadores de opinião; fazer uso de mídias
diversificadas, como rádio, TV, impresso e internet; existir resenhas sobre as
obras; ter contato direto com o público leitor através de feiras de livros, palestras,
etc.
8 - Quais os projectos
para o futuro?
Tenho vários projetos
em andamentos, em diferentes etapas. Para eu não me perder em meio à tanta
coisa, estabeleço as prioridades. O material que tenho publicado é basicamente
de contos, com algumas poesias bem pontuais. Então, a prioridade agora é
finalizar meu primeiro romance, narrado por três protagonistas diferentes. Ele
ainda não possui um nome definitivo, mas já está num estágio bem avançado. Um
outro projeto que me entusiasma muito, que está guardado para depois do
romance, é a publicação de uma graphic novel para a qual já iniciei pesquisa e
busca de parcerias para ilustração.
9 - Sugira um autor e
um livro!
Estou muito interessada
nas autoras contemporâneas. Então, a obra que recomendo é “Nu Frontal com Tarja”,
de Lúcia Santos, publicada pela Editora Reformatório. “Nu Frontal com Tarja” é um livro de poesias
que permite vários níveis de leitura. Tanto uma leitura mais descompromissada e
ingênua, quanto uma leitura mais aprofundada que permite encontrar sempre
coisas novas, bem como permite à leitora e ao leitor se reconhecer através da
voz de Lúcia Santos. E aí você vê como é engenhoso o trabalho da poeta, que
consegue manejar muito bem recursos estilísticos para permitir leituras tão
diferentes e saborosas.
10 - Qual a pergunta
que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?
A pergunta: “E como
termina essa história?”
A resposta: “Pra saber,
você vai ter que ler até o final!”
Acompanhem, curtam e divulguem esta e outros autores através deste link
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