sexta-feira, 3 de novembro de 2017

FALA AÍ BRASIL... PATRÍCIA PORTO - XVII

Para alfabetizar letrando 3

Das salas de aula trago um exemplo muito peculiar de como a criança é capaz de criar novas lógicas de linguagem a partir da construção da escrita ou da criação com a escrita. Transcrevemos parte da composição escrita de Pedro, aluno da turma de alfabetização da professora Karla.

Produção escrita
1 – GALO
2 – PEXE
3 – CAVALO
4 – O PATO PATETA
5 -  O SAPO NÃO LAVA O PÉ
6 - GORUGA             (Coruja – correção da professora)

Na produção escrita de Pedro, podemos perceber que o conhecimento prévio que ele tem faz com que ele consiga criar relações intertextuais e intratextuais com outros gêneros e para além da memorização das palavras, ele recria na escrita, através da memória que traz do seu cotidiano, uma experiência com as palavras e seus significados.  Pedro não chegou “por acaso” ao “pato pateta” ou ao “sapo que não lava o pé”. Ele precisou antes ser apresentado a uma diversidade textual que, significada dentro de um contexto lúdico, gerou não apenas um novo repertório de palavras, mas um repertório de palavras com sentidos. E no momento em que ele se vê diante daquelas palavras “pato” e “sapo” num outro universo linguístico ele consegue relacioná-las  ao seu vocabulário de mundo.

Bakhtin no diz que a consciência dos sujeitos forma-se no universo dos discursos, em função das interlocuções de que vai participando, num amplo universo de referência. No que diz respeito à construção da linguagem, a criança é capaz de  organizar uma aprendizagem própria, que muitas vezes não segue a lógica do registro do adulto. Por isso a importância do “texto livre”, associando a leitura da escrita à leitura de mundo. O que nos faz insistir na necessidade, da criança ou mesmo do adulto, de ler entendendo o que está escrito, de escrever seus pensamentos e organizá-los com curiosidade, criatividade e liberdade. É através da relação dialógica entre a leitura de mundo e a escrita livre que a pedagogia “humana” pode vir a intensificar o processo proximal entre a linguagem e o sujeito, agente formador da sua história social. A linguagem é fator essencial de transformação. A linguagem nos tira do isolamento, nos mobiliza, nos une e nos conforta, nos faz dizer quem somos, nos faz ser quem somos. E é de fundamental importância, durante a Alfabetização da criança ou do adulto, trabalhar o texto oral (memória do sentido) a favor do texto escrito (memória do texto) ou ainda trabalhar o texto escrito a favor do texto oral, sem menosprezar a ambivalência do processo. É importante para o desenvolvimento cognitivo-afetivo do educando considerá-lo como um ser pensante e falante, capaz de criar e de colocar-se de forma criativa e autônoma diante dos textos orais e escritos.


Ao refletir sobre a sua própria linguagem, a criança deixa de ser um mero copista para tornar-se o autor do seu texto escrito, usufruindo as possibilidades do exercício da memória, da realidade - não mais apartada da imaginação. A criança é capaz de interagir, de compreender, de saborear e recriar palavras. Para Bachelard (1994) a imaginação deve ser criadora e dinâmica e não meramente copiadora e passiva. Sendo assim é preciso deixar ouvir o chamado dos sons da fantasia, das  palavras que povoam o imaginário da criança através da oralidade, da contação de estórias, das cantigas infantis, dos livros de literatura infantil, de todo um amplo universo de referências e experiências com as palavras. 

Sem comentários:

Enviar um comentário

Toca a falar disso