Para alfabetizar letrando 3
Das salas de aula trago um exemplo muito peculiar de
como a criança é capaz de criar novas lógicas de linguagem a partir da
construção da escrita ou da criação com a escrita. Transcrevemos parte da
composição escrita de Pedro, aluno da turma de alfabetização da professora
Karla.
Produção escrita
1 – GALO
2 – PEXE
3 – CAVALO
4 – O PATO PATETA
5 - O SAPO NÃO
LAVA O PÉ
6 - GORUGA
(Coruja – correção da professora)
Na produção escrita de Pedro, podemos perceber que o
conhecimento prévio que ele tem faz com que ele consiga criar relações
intertextuais e intratextuais com outros gêneros e para além da memorização das
palavras, ele recria na escrita, através da memória que traz do seu cotidiano,
uma experiência com as palavras e seus significados. Pedro não chegou “por acaso” ao “pato pateta”
ou ao “sapo que não lava o pé”. Ele precisou antes ser apresentado a uma
diversidade textual que, significada dentro de um contexto lúdico, gerou não
apenas um novo repertório de palavras, mas um repertório de palavras com
sentidos. E no momento em que ele se vê diante daquelas palavras “pato” e
“sapo” num outro universo linguístico ele consegue relacioná-las ao seu vocabulário de mundo.
Bakhtin no diz que a consciência dos sujeitos forma-se
no universo dos discursos, em função das interlocuções de que vai participando,
num amplo universo de referência. No que diz respeito à construção da
linguagem, a criança é capaz de organizar
uma aprendizagem própria, que muitas vezes não segue a lógica do registro do
adulto. Por isso a importância do “texto livre”, associando a leitura da
escrita à leitura de mundo. O que nos faz insistir na necessidade, da criança
ou mesmo do adulto, de ler entendendo o que está escrito, de escrever seus
pensamentos e organizá-los com curiosidade, criatividade e liberdade. É através
da relação dialógica entre a leitura de mundo e a escrita livre que a pedagogia
“humana” pode vir a intensificar o processo proximal entre a linguagem e o
sujeito, agente formador da sua história social. A linguagem é fator essencial
de transformação. A linguagem nos tira
do isolamento, nos mobiliza, nos une e nos conforta, nos faz dizer quem somos,
nos faz ser quem somos. E é de fundamental importância, durante a Alfabetização da criança ou do adulto,
trabalhar o texto oral (memória do sentido) a favor do texto escrito (memória
do texto) ou ainda trabalhar o texto escrito a favor do texto oral, sem
menosprezar a ambivalência do processo. É importante para o desenvolvimento cognitivo-afetivo do educando
considerá-lo como um ser pensante e falante, capaz de criar e de colocar-se de
forma criativa e autônoma diante dos textos orais e escritos.
Ao refletir sobre a sua própria linguagem, a criança
deixa de ser um mero copista para tornar-se o autor do seu texto escrito,
usufruindo as possibilidades do exercício da memória, da realidade - não mais
apartada da imaginação. A criança é capaz de interagir, de compreender, de
saborear e recriar palavras. Para Bachelard (1994) a imaginação deve ser
criadora e dinâmica e não meramente copiadora e passiva. Sendo assim é preciso
deixar ouvir o chamado dos sons da fantasia, das palavras que povoam o imaginário da criança
através da oralidade, da contação de estórias, das cantigas infantis, dos
livros de literatura infantil, de todo um amplo universo de referências e
experiências com as palavras.
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