Para
alfabetizar letrando 2
Embora na década de 70, ou até mesmo antes, fosse
comum o uso de palavras como “pessoa letrada”, “ser letrado”, “iletrado”,
foi a partir da década de 80 que o
verbete “letramento” passou a fazer parte dos estudos e agendas de pesquisas, o
que, sem dúvida, se deu no campo da investigação teórico-metodológica de forma
emergente e substantiva, gerando com isso novos campos de debate e novas linhas
de trabalho. Muitas dessas pesquisadas foram divulgadas e socializadas na
década de 90. Entre eles os estudos e registros de Magda Becker Soares e de
Angela Kleiman.
Nos dias de hoje, já familiarizados ao termo, é também
nas plataformas políticas, que encontraremos o largo uso do verbete – por vezes
desacompanhado da prática. Atualmente “letramento” tornou-se “palavra-chave” em
muitas propagandas governamentais e nos pacotes e kits destinados às práticas
escolares de leitura e escrita que são encaminhados para as escolas públicas,
inclusive com a parceria de grande empresas. E isso torna ainda mais claro que
por mais que saibamos que há muito a ser feito em termos de políticas públicas
que realmente enfatizem de forma indissociável os processos de alfabetização e
letramento num país de 9% de analfabetos (18 milhões), e de milhões de
analfabetos funcionais, os dois processos que andam juntos, creio que devido à
evidente importância e grandeza política, “figuram”, ou melhor, fazem figuração
no cenário político nacional. O que seria dizer que sendo os dois processos
veículos de transformação e mobilidade social, alfabetização e letramento são
temas do presente, do cotidiano, são processos essenciais para qualquer começo
de pensamento e ação que tenha como construto as mudanças e as reformas
educacionais no país. E esta reflexão nos remete à prática docente e ao
cotidiano escolar, tecido social composto por tantas vozes e tantas
singularidades.
Leitura: tecendo saberes no singular e plural.
Disse Monteiro Lobato, bem antes do pré-sal, “um país
se faz com homens e livros”. E para se fazer um país de homens e livros, como
desejou Lobato, nosso melhor investimento começa mesmo é na educação infantil,
no “pré-escolar”, onde, talvez pela primeira vez, a criança terá contato com os
livros e com as estórias infantis. E ter contato com os livros é ter contato
com a palavra escrita, com os sons da palavra escrita e se esse livro for um
livro de estórias e se uma professora, um professor ler, contar o que estiver
escrito, a escuta da palavra unida à leitura de mundo da criança pequena,
poderá criar um novo repertório de palavras-mundo, palavras que geram outras
palavras. E se esse livro for ilustrado, a criança também poderá compreender
que as imagens também criam narrativas.
Em contato com os diversos gêneros textuais as
crianças são incentivadas a pesquisar, a escrever e a desenvolver práticas
diferenciadas de leitura e escrita. É possível ainda, a partir da combinação
das leituras e escutas dos diversos gêneros textuais, construir ambiências
facilitadoras para a produção de textos individuais e coletivos. Daí a
importância dos professores leitores, dos professores pesquisadores e
reflexivos. A leitura pode até não chegar arrebatadora como uma paixão de ler
ou crença na mudança futura, o que pode, à primeira vista, gerar certa
incredibilidade, certa desconfiança, mas a leitura pode e deve chegar às salas
de aula como direito e lavor, lavore, trabalho constante de ação e reflexão.
Para a criança pequena - ou para a criança
que habita o adulto - as leituras, principalmente as dos livros
infantis, estão cheias de vidas, estão grávidas de descobertas, de
levantamentos de hipóteses, de possibilidades de sons, de intertextualidades, de novas lógicas
textuais. E a leitura da literatura
infantil é mais uma possibilidade entre
tantas outras possibilidades textuais. Lembro-me de participar de um congresso
que, terminada a minha apresentação, um jovem estudante universitário se
aproximou e pediu: _ você pode me mandar por e-mail uma lista de livros
literários para eu começar a gostar de ler?
E a fala dele, naquele momento, foi capaz de redimensionar a minha fala
anterior sobre “o prazer de ler na escola”.
Ser professor leitor não significa ser leitor apenas
de livros literários ou ter que começar o gosto pela leitura através deles. É
preciso estar aberto às leituras do mundo. Paulo Freire já havia dito, mas
há um despertar que só se vive pela
experiência à flor da própria pele. Por isso Paulo Freire nos diz que saber ler
ameaça, pelo seu potencial transformador,
capaz de provocar rupturas no estabelecido. Mas não se trata de uma
leitura esvaziada de sentidos ou uma leitura imposta. Para provocar reflexões,
questionamentos, inquietações, é preciso
que se faça da “leitura de mundo”, uma leitura de possibilidades com o texto
literário, o texto jornalístico, o texto cientifico, com as notícias das
revistas, com os gibis, os textos vinculados na internet. E principalmente com
os livros de literatura infantil, professores e alunos podem vir a descobrir
juntos, pelo “gosto”, uma multiplicidade de vozes externas e internas, uma
dimensão multifacetada da linguagem.
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