domingo, 29 de outubro de 2017

FALA AÍ BRASIL... PATRÍCIA PORTO - XVI

Para alfabetizar letrando 2

Embora na década de 70, ou até mesmo antes, fosse comum o uso de palavras como “pessoa letrada”, “ser letrado”, “iletrado”, foi  a partir da década de 80 que o verbete “letramento” passou a fazer parte dos estudos e agendas de pesquisas, o que, sem dúvida, se deu no campo da investigação teórico-metodológica de forma emergente e substantiva, gerando com isso novos campos de debate e novas linhas de trabalho. Muitas dessas pesquisadas foram divulgadas e socializadas na década de 90. Entre eles os estudos e registros de Magda Becker Soares e de Angela Kleiman.

Nos dias de hoje, já familiarizados ao termo, é também nas plataformas políticas, que encontraremos o largo uso do verbete – por vezes desacompanhado da prática. Atualmente “letramento” tornou-se “palavra-chave” em muitas propagandas governamentais e nos pacotes e kits destinados às práticas escolares de leitura e escrita que são encaminhados para as escolas públicas, inclusive com a parceria de grande empresas. E isso torna ainda mais claro que por mais que saibamos que há muito a ser feito em termos de políticas públicas que realmente enfatizem de forma indissociável os processos de alfabetização e letramento num país de 9% de analfabetos (18 milhões), e de milhões de analfabetos funcionais, os dois processos que andam juntos, creio que devido à evidente importância e grandeza política, “figuram”, ou melhor, fazem figuração no cenário político nacional. O que seria dizer que sendo os dois processos veículos de transformação e mobilidade social, alfabetização e letramento são temas do presente, do cotidiano, são processos essenciais para qualquer começo de pensamento e ação que tenha como construto as mudanças e as reformas educacionais no país. E esta reflexão nos remete à prática docente e ao cotidiano escolar, tecido social composto por tantas vozes e tantas singularidades.

Leitura: tecendo saberes no singular e plural.

Disse Monteiro Lobato, bem antes do pré-sal, “um país se faz com homens e livros”. E para se fazer um país de homens e livros, como desejou Lobato, nosso melhor investimento começa mesmo é na educação infantil, no “pré-escolar”, onde, talvez pela primeira vez, a criança terá contato com os livros e com as estórias infantis. E ter contato com os livros é ter contato com a palavra escrita, com os sons da palavra escrita e se esse livro for um livro de estórias e se uma professora, um professor ler, contar o que estiver escrito, a escuta da palavra unida à leitura de mundo da criança pequena, poderá criar um novo repertório de palavras-mundo, palavras que geram outras palavras. E se esse livro for ilustrado, a criança também poderá compreender que as imagens também criam narrativas. 

Em contato com os diversos gêneros textuais as crianças são incentivadas a pesquisar, a escrever e a desenvolver práticas diferenciadas de leitura e escrita. É possível ainda, a partir da combinação das leituras e escutas dos diversos gêneros textuais, construir ambiências facilitadoras para a produção de textos individuais e coletivos. Daí a importância dos professores leitores, dos professores pesquisadores e reflexivos. A leitura pode até não chegar arrebatadora como uma paixão de ler ou crença na mudança futura, o que pode, à primeira vista, gerar certa incredibilidade, certa desconfiança, mas a leitura pode e deve chegar às salas de aula como direito e lavor, lavore, trabalho constante de ação e reflexão. Para a criança pequena - ou para a criança  que habita o adulto - as leituras, principalmente as dos livros infantis, estão cheias de vidas, estão grávidas de descobertas, de levantamentos de hipóteses, de possibilidades de sons,  de intertextualidades, de novas lógicas textuais. E a leitura da  literatura infantil  é mais uma possibilidade entre tantas outras possibilidades textuais. Lembro-me de participar de um congresso que, terminada a minha apresentação, um jovem estudante universitário se aproximou e pediu: _ você pode me mandar por e-mail uma lista de livros literários para eu começar a gostar de ler?  E a fala dele, naquele momento, foi capaz de redimensionar a minha fala anterior sobre “o prazer de ler na escola”.

Ser professor leitor não significa ser leitor apenas de livros literários ou ter que começar o gosto pela leitura através deles. É preciso estar aberto às leituras do mundo. Paulo Freire já havia dito, mas há  um despertar que só se vive pela experiência à flor da própria pele. Por isso Paulo Freire nos diz que saber ler ameaça, pelo seu potencial transformador,  capaz de provocar rupturas no estabelecido. Mas não se trata de uma leitura esvaziada de sentidos ou uma leitura imposta. Para provocar reflexões, questionamentos, inquietações,  é preciso que se faça da “leitura de mundo”, uma leitura de possibilidades com o texto literário, o texto jornalístico, o texto cientifico, com as notícias das revistas, com os gibis, os textos vinculados na internet. E principalmente com os livros de literatura infantil, professores e alunos podem vir a descobrir juntos, pelo “gosto”, uma multiplicidade de vozes externas e internas, uma dimensão multifacetada da linguagem.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Toca a falar disso