Para alfabetizar letrando
Ser alfabetizado não é ser livre; é
estar presente e ativo na luta pela reivindicação da própria voz, da própria
história e do próprio futuro.
Henry A. Giroux
O livro é passaporte, é bilhete de
partida.
Bartolomeu Campos Queirós
Durante muitas décadas, e já na República do Brasil, a
alfabetização, principalmente para as crianças e para os adultos das classes
populares foi vista, pensada e
desenvolvida através de métodos tradicionais e de práticas escolares que
estavam centradas numa concepção que limitava a alfabetização à idéia de uma
determinada aquisição do código linguístico que passava unicamente pelo uso da
cartilha e da palavração sem sentido: “o dente do elefante” , “Eva viu a uva”,
“o coelho come repolho”... Quem foi alfabetizado com a cartilha “Caminho Suave”
talvez não lembre, mas num dos exercícios - para escrever sobre o “n”
pontilhado, podia ser lida a seguinte frase ao lado da letra: “A fumaça da
chaminé do navio que o vento juntou.”
Quando lançada em 1948, a cartilha, que adotava o método silábico (das
“famílias”), foi uma grande novidade, pois trazia imagens associadas à
sistematização das famílias silábicas.
Não se pensava ainda na aprendizagem de frases e textos que se aproximassem
das realidades culturais das crianças ou dos adultos. Só tempos depois, nos
anos sessenta, com Paulo Freire e a “educação libertadora”, é que em termos didáticos, irá surgir no panorama
nacional, um novo paradigma
metodológico, progressista e
transformador, do qual vão emergir perguntas
que não vão mais querer calar: Alfabetizar quem¿ Alfabetizar para quê?
Alfabetizar por quê?
E nessa nossa história da alfabetização, que é passado
e ainda presente, foram muitos os governos que negaram o importante papel
político e cultural da alfabetização no contexto da educação popular. Jogando
para debaixo dos tapetes e mesas dos gabinetes de determinados grupos poderosos
a necessária e urgente responsabilidade social de alfabetizar a população
brasileira, adotou-se como prática perversa e ideológica, o mascaramento que usurpava de um expressivo
contingente de analfabetos brasileiros, o legítimo e democrático acesso às
práticas sociais de leitura e escrita. E isso se deu através de programas como
o Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização), criado pela Lei 5.379 em
1967, durante a ditadura militar. E quem foi criança nas décadas de 60 e 70
deve ter ouvido piadas como: “ - Vou te mandar pro Mobral.”, “chiste” que bem
representava a ineficiência do programa que tinha como principal objetivo a
alfabetização funcional de jovens e adultos.
Já na década de 80 não poderíamos deixar de ressaltar
o pioneirismo e a importante contribuição das pesquisas de Emilia Ferreiro e
Ana Teberoski sobre os processos de aquisição da linguagem escrita em crianças
pré-escolares, um divisor de águas no campo da teoria e da prática na
Alfabetização. A partir das teorias psicolinguísticas e através da perspectiva
da epistemologia genética piagetiana, Ferreiro e Teberoski, trouxeram relevante
estudo sobre o processo assimilativo das crianças, tanto nos aspectos
funcionais quanto nos aspectos estruturais da linguagem escrita. E esses estudos também trouxeram aos
educadores o entendimento de que a alfabetização, para além de ser a
apropriação de um código linguístico, envolvia um complexo processo de
elaboração de hipóteses sobre a representação linguística.
Com a fundamental contribuição de Paulo Freire para
alfabetização de adultos e com as novas pesquisas desenvolvidas por Ferreiro e
Teberoski, longe dos reducionismos do método da silabação e palavração sem
sentido, a alfabetização passa a ser compreendida como campo de complexidades,
que não mais exclui do processo de ensino-aprendizagem da linguagem escrita a
leitura e, sobretudo, a fala. Pois para
o aprendizado da escrita, é necessário propiciar uma descoberta básica muito
bem descrita por Vygotsky (1989), a de que “se pode desenhar, além de coisas,
também a fala. Foi essa descoberta, e somente ela, que levou a humanidade ao
brilhante método da escrita por letras e frases”. Daí a grande necessidade do
processo alfabetizador ser trabalhado com base na leitura e na fala, seja da
criança ou do adulto. Daí também a necessidade de se alfabetizar letrando.
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