O EXERCÍCIO DA ESCRITA: À PROCURA DA PALAVRA CERTA
Falar sobre a escrita é sempre um desafio. Embora, o
meu ofício quotidiano passe por escrever os meus sonhos, angústias, desejos,
reflexões do meu itinerário enquanto ser deste universo.
Quero desde já agradecer ao Kupaluxa que por meio do
Quive endereçou este convite. Não é todos os dias que conversamos sobre a
escrita e seus dilemas. Quando há algumas semanas abordoaram-me sobre esta mesa
“redonda” não hesitei, mas cogitei com os meus botões em relação a esta
hercúlea tarefa de pensar a literatura.
O adiamento em virtude do Adelino Timóteo estar na
capital e ser um meio de conhecer este poeta das terras do Chiveve, serviu de
escape para revigorar a minha ideia da palavra lida e escrita, embora, não tivesse
recebido o tema para o nosso debate aberto. Mas, passado dias, vi o cartaz com
muitos “likes” a ser partilhado por confrades da mesma trincheira e amigos.
Devo sempre vincar que Moçambique é um país de grandes
referências na literatura seja em prosa ou poesia.
Para iniciar estas minhas breves palavras vou citar um
autor que tenho muito gosto em ter conhecido a sua escrita. Não teve a sorte de
ganhar o Nobel, mas continua a ser esse farol que alguns críticos literários
acham que houve injustiça.
Jorge Luís Borges, escritor argentino com muitos
cruzamentos na sua essência de ser. Como diz o autor: “Sempre imaginei que o
paraíso seria algum tipo de biblioteca”. Esta frase remete-nos a leitura,
alimentar o nosso desejo de conhecer o mundo em que vivemos. Não há escrita sem
leitura. O autor do livro “Fricções” é um exemplo dessa forma de pensar. A
partir de uma enciclopédia o autor transporta-nos a um mundo imaginário com a
qual constrói o seu texto.
O autor invoca a biblioteca como paraíso. Logo, a leitura
aparece como um elemento fundamental para a palavra certa. Mas, não é sobre
fricções que estou aqui. “Para escrever é preciso ler e saber onde se encontra
a essência dessa forma de expressão”.
A minha palavra certa passa por muitas influências (nacionais
e estrangeiras). Daí que existem autores que não posso deixar de mencionar na
minha viagem ao mundo a escrita: Rimbaud, Baudelaire, Pessoa, Knopfli, Alba,
Kavafis, entre outros para falar de poesia, meu campo de eleição.
Em função de cada projecto em manga, sigo a dinâmica
de certos autores. O último projecto acabado teve como marcos: Francis Ponge e
António Gamoneda. Voltarei a Ponge nos próximos parágrafos.
Para responder
ao tema “O exercício de escrita: à procura da palavra certa!” Tenho de regressar
a Rainer Maria Rilke e a sua resposta a
um jovem poeta.
Diz Rilke na resposta ao jovem: “Volte-se para si
mesmo. Investigue o motivo que o impele a escrever; comprove se ele estende as
raízes até o ponto mais profundo do seu coração, confesse a si mesmo se o
senhor morreria caso fosse proibido de escrever. Sobretudo isto: pergunte a si
mesmo na hora mais silenciosa de sua madrugada: preciso escrever? Desenterre de
si mesmo uma resposta profunda. E, se ela for afirmativa, se o senhor for capaz
de enfrentar essa pergunta grave com um forte e simples "Preciso",
então construa sua vida de acordo com tal necessidade; sua vida tem de se
tornar, até na hora mais indiferente e irrelevante, um sinal e um testemunho
desse impulso” (Rilke, 2009:9) .
Ou seja, o que nós trazemos a este universo literário?
Será que deixar de escrever o mundo deixará de ser esta Odisseia? Para Moacyr
Scliar, o acto de escrever é uma continuação do acto de ler. É preciso captar
com os olhos as imagens das letras, guardá-las no reservatório que temos em
nossa mente e utilizá-las para compor depois as nossas próprias palavras.
Assim, percebo que não podemos ter uma escrita sem uma
leitura continuada, sem aprimorar o nosso desejo ardente da palavra, a métrica,
a metáfora e outros elementos que nos podem conduzir ao óptimo de um texto em
prosa ou poesia. Afirmei antes que
voltaria a Ponge porque a estória do seu
livro Savon é interessante. Eu fiquei cerca de 4 anos para tirar os ensaios
poéticos e não posso deixar de ficar de alguma forma satisfeito porque
permitiu-me ter alguma maturidade estética.
Ponge em carta a Jean Paulhan – amigo e editor Ponge,
quando começou a escrever Le Savon (Sabão), partilhou sua angústia e
dificuldade em terminá-lo. Chegou a pensar em abandoná-lo, mais de uma vez, e
persistiu escrevendo e revendo o texto durante vinte e cinco anos (de 1942 a
1967, data de sua publicação). É facto, que alguns poetas insistem em alguns
escritos sem saber bem o porquê. O que é da ordem da pulsão faz seu espaço no
“que não cessa de não se inscrever”. Ou seja, no que pode ser nomeado como algo
da ordem do impossível, que insiste.
Jacques Derrida
disse que Ponge assumia, neste escrito, uma perda não declarada até então.
Pois, o que ele falava havia sido “esquecido” por muitos de seus
contemporâneos. Hoje podemos remexer nestas letras, e pensá-las como um desejo
de testemunho. E, ainda podemos perceber que o poeta escreveu um texto para
além do poético. Algo que, em meio ao impossível de se dizer, fizesse ruídos em
orelhas torturantes .
A palavra em
acto na intenção de produzir uma luz, que possa fazer buraco na memória. Assim
estamos na trilha do real, e do faltoso; o que não pode ser dito todo.
Como podemos perceber, para o autor o texto não estava
ao nível do que pretendia tendo levado cerca de 25 anos para atingir o seu
desejo.
“(…), quando pensamos, quando escrevemos, somos
habitados pela presença. Não só a presença física dos que nos acompanham, mas a
imponderável presença do invisível: das vozes que ouvimos, dos poetas e
escritores que lemos, de tudo aquilo que nos habita e se demora em nós, mesmo
que não nos apercebamos. Estar a sós diante da página em branco nunca é uma
verdadeira solidão, para combater um certo lugar-comum que persiste. É
sobretudo um acto de escuta e de abandono, em que procuramos esse rio interior
ou a voz que nos persegue, aquela que procura a sua fenda, a fissura, por onde
entrar e fazer-se corpo, linguagem, um modo de se dizer e de chegar à fala,
atravessando os tempos”, Maria João Cantinho (2017) .
É necessário ter prazer ao escrever, deixar o
sentimento, o gosto pela palavra, pelos sons, ritmo. Roland Barthes (1996:9)
fala do prazer do texto. “Um texto lido com prazer significa que foi escrito
com prazer. Mas, o prazer de escrever não assegura o prazer do leitor no acto
de ler, pois a recepção do texto dependerá de cada um. É preciso haver, haver
então um jogo de entre escritor e leitor, um espaço de abertura fornecido pelo
narrador que permita a entrada do leitor no texto”.
No acto da escrita exige inspiração e transpiração. Ao
escrever, busca-se eventualmente um “algo a mais”, aquilo que possa transcender
o próprio escritor, aquela busca ancestral de deixar para a futura humanidade
outra lembrança que não sejam filhos ou árvores.
Para concluir, a minha experiência tem demonstrado que
o texto fala quando já está acabado. Há uma certeza em nós, um frio no
estômago, umas lágrimas que passeiam de satisfação pela íris.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Toca a falar disso