quinta-feira, 5 de outubro de 2017

FALA AÍ BRASIL... JOÃO AYRES

Pegue agora o substantivo melancia que é concebido como fruta e que pertence à mesma família do substantivo abóbora que é concebido como legume,do substantivo pepino que é também é concebido como legume e do substantivo melão que é concebido como fruta.

Imagine agora um safari turístico ao lado ou frente a frente com todos aqueles animais e aquela paisagem maravilhosa e inóspita e a certeza de que aquela visão extraordinária não mais estará em sua mente tendo-se o bom sendo ou considerando-se o fato de que a transição final se aproxima, e que serás transformando em pó em breve.

Sinta-se pisado por um elefante, sinta o seu estômago se comprimindo e seu pulmão parando de funcionar, sinta a precisão do aparelho de oxigênio mantendo você ainda vivo, ainda com alguma consciência neste mundo que agora não mais é o que é e nem o que poderia ser.

Coloque o substantivo melancia com casca, semente e tudo mais dentro do substantivo liquidificador.

No modo imperativo bata a tal fruta com um pouco de água sem piedade no tal liquidificador e não use coador para eliminar as sementes neste caso que deverão, antes de se afogar, ser desintegradas pela constante rotação.

Lembre-se ainda de que você já esteve em pretérito perfeito na Europa e no Oriente próximo pisando em uvas, na América Tropical encontrando com os índios e os europeus, na África Central num safari turístico e lá foi pisoteado por um elefante estando no hospital bem próximo da morte.

Agora retrocedamos vinte mil anos, ao final da era glacial onde a maçã já era encontrada.

Imaginem agora os poucos animais peludos que conseguiram sobreviver naquele tempo infinitamente gelado. Imaginem como deve ser colocar o corpo que acaba de perder contato com este mundo na geladeira ou no freezer dos necrotérios ou mesmo no porão dos hospitais, imaginem a curiosidade das pessoas olhando e tocando o corpo para ver se este já endureceu. Imaginem os comentários medíocres ou despropositados que podem surgir nesta situação. Tal como os fósseis de mamutes e antílopes, os corpos jazem na eterna escuridão de um tempo qualquer.


IN HISTÓRIAS PARA NENHUM BOI DORMIR - João Ayres

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