Ando
pelas ruas do Recife com olhar de distanciamento, recolhendo na memória
relíquias. Com uma certa saudade das ruas em que crianças corriam e brincavam e
hoje passam carros barulhentos com as suas buzinas apressadas. As casas com
seus pés de jambo e azeitonas que hoje transformaram-se em prédio colados um
ao outro e pouca sombra. Os apitos dos vendedores ambulantes que perderam-se
nas lembranças infantis. Ainda ouço passos, vozes, da família reunida na
varanda, na casa do meu avô, misturando-se com a melodia das folhas dos
coqueiros a dançarem no vento, o cheiro do queijo coalho derretido com mel de
engenho, aquele sabor do café com bolo de rolo, o suco de graviola, o sorvete
de mangaba e tantos sabores que só encontrava nesse pedaço de mim.
Deixo esse Recife de Manuel Bandeira, Ariano
Suassuna, João Cabral de Melo Neto. Alberto da Cunha Melo, Clarice Lispector, e
tantos outros imensos escritores e poetas, referências da minha trajetória de
vida e caminhos, retidos em um lugar especial, do lado de dentro.
Hoje
a palavra saudade chega com leveza e sensação de um tempo muito bem vivido e
desfrutado em cada instante. E no encontro com amigos e família, constatei as alegrias
que deixamos no coração e nas
memórias daqueles que partilhamos
vivências. E nas marcas do tempo, ficam ali, guardadas a serem resgatadas
quando um olhar, um sorriso, uma palavra se reencontram. Voltei a Recife, como
o fiz, inúmeras vezes, após abraçar o Rio de Janeiro como parte de mim. Mas
nesses cinco meses, regressei como quem se despede a cada dia. E essa percepção
de “talvez não passe mais por aqui”, faz com o que o olhar, o sentimento, sejam
mais atentos aos detalhes e até mais carinhosos com aqueles que cruzam o nosso
caminho.
E
fui tão acarinhada nesses dias que a palavra saudade transformou-se em
gratidão envolvida por um sorriso de alegria e aconchego. Foram tempos de
incertezas, trabalho árduo e muitas conquistas. Foi como se o ninho estivesse
preparando o pássaro para um voo maior pelo céu sem limites. E em uma manhã de
sol intenso, ouço no vento... “Vai... voa!”
Recife,
local onde nasci e criei laços, e pouco permaneci. Mas é aquele lugar de
abrigo, de sol, de sabores e docilidades. E é o local onde retornei, várias
vezes para respirar e me inspirar. O ar abafado dos dias ardentes e a brisa
refrescante das noites enluaradas.
O cheiro de maresia e a sede saciada com
água de coco. E palavras, encontros, leituras, poesias, luminosidade.
O
ponto inicial, o ponto de partida.
Recife
que me abriga e me liberta.
Para
um novo olhar, um novo tempo, um novo voo.
DRIKKA INQUIT
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