terça-feira, 12 de setembro de 2017

FALA AÍ BRASIL... ADRIANA MAYRINCK


Ando pelas ruas do Recife com olhar de distanciamento, recolhendo na memória relíquias. Com uma certa saudade das ruas em que crianças corriam e brincavam e hoje passam carros barulhentos com as suas buzinas apressadas. As casas com seus pés de jambo e azeitonas que hoje transformaram-se em prédio colados um ao outro e pouca sombra. Os apitos dos vendedores ambulantes que perderam-se nas lembranças infantis. Ainda ouço passos, vozes, da família reunida na varanda, na casa do meu avô, misturando-se com a melodia das folhas dos coqueiros a dançarem no vento, o cheiro do queijo coalho derretido com mel de engenho, aquele sabor do café com bolo de rolo, o suco de graviola, o sorvete de mangaba e tantos sabores que só encontrava nesse pedaço de mim.

Deixo esse Recife de Manuel Bandeira, Ariano Suassuna, João Cabral de Melo Neto. Alberto da Cunha Melo, Clarice Lispector, e tantos outros imensos escritores e poetas, referências da minha trajetória de vida e caminhos, retidos em um lugar especial, do lado de dentro.

Hoje a palavra saudade chega com leveza e sensação de um tempo muito bem vivido e desfrutado em cada instante. E no encontro com amigos e família, constatei as alegrias que deixamos no coração e nas memórias daqueles que partilhamos vivências. E nas marcas do tempo, ficam ali, guardadas a serem resgatadas quando um olhar, um sorriso, uma palavra se reencontram. Voltei a Recife, como o fiz, inúmeras vezes, após abraçar o Rio de Janeiro como parte de mim. Mas nesses cinco meses, regressei como quem se despede a cada dia. E essa percepção de “talvez não passe mais por aqui”, faz com o que o olhar, o sentimento, sejam mais atentos aos detalhes e até mais carinhosos com aqueles que cruzam o nosso caminho.

E fui tão acarinhada nesses dias que a palavra saudade transformou-se em gratidão envolvida por um sorriso de alegria e aconchego. Foram tempos de incertezas, trabalho árduo e muitas conquistas. Foi como se o ninho estivesse preparando o pássaro para um voo maior pelo céu sem limites. E em uma manhã de sol intenso, ouço no vento... “Vai... voa!”

Recife, local onde nasci e criei laços, e pouco permaneci. Mas é aquele lugar de abrigo, de sol, de sabores e docilidades. E é o local onde retornei, várias vezes para respirar e me inspirar. O ar abafado dos dias ardentes e a brisa refrescante das noites enluaradas. 

O cheiro de maresia e a sede saciada com água de coco. E palavras, encontros, leituras, poesias, luminosidade.

O ponto inicial, o ponto de partida.

Recife que me abriga e me liberta.

Para um novo olhar, um novo tempo, um novo voo.


DRIKKA INQUIT

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