sexta-feira, 29 de setembro de 2017

FALA AÍ BRASIL... ADRIANA MAYRINCK


Sou neta de livreiro e editor, bisneta de dono de sebo, e meu pai por um bom tempo trabalhou em uma gráfica. Percorro o mundo dos livros desde cedo, quintal da minha infância. Sempre me encantou aquelas livrarias enormes, que para mim, eram o meu parque de diversões, o meu sonho de consumo.

E ganhar livros ou esperar por eles, tem sabor de boas lembranças de infância.

Passear pelo sebo do meu bisavô, chegar a casa com a sacola cheia de preciosidades e ainda ganhar um pudim de leite de sobremesa, era o programa que eu não substituía por nada, e lembro de como o meu coração batia feliz ao caminhar pelas ruas barulhentas do centro do Rio de Janeiro, naquele quase estado de deslumbramento.

O tempo fechou o sebo, e os queridos se foram. Mudei de cidade e cresci, levando comigo essas doces lembranças.

E acompanhei livreiros, editoras, gráficas, autores. E todos, em unanimidade, nunca estavam totalmente satisfeitos, sempre havia um se... talvez ... porque...

Acreditava ser exigência de uns, falta de visão de outros, incompetência de alguns e falta de preparo de outros tantos...

E guardei, algumas observações, ideias e projetos para outros tempos, na certeza de que saberia encontrar o ponto de convergência.

E hoje, lembrando de tudo isso, chego a uma observação que me fez parar para escrever: A quase impossível tarefa de conciliar o desejo do autor com o editor.

Qual a dificuldade de ouvir, perceber e fazer exatamente o que o autor deseja?

Ouço, acompanho e vivencio muitas estórias e senti na pele e na alma, por maior empatia que se tenha, a difícil tarefa de ter suas vontades totalmente compreendidas e aceitas por parte da editora. De observadora e questionadora de trabalhos alheios, virei não sei se vítima, mas com um certo incômodo, a autora insatisfeita que luta até o último segundo do tempo para deixar a obra o mais próxima possível do que se imaginou.

Agora o prazo acabou, a editora levou para a gráfica e sinceramente não sei, por mais que se tenha pedido, solicitado, revisado, se está condizente em cada detalhe ao que desejei.

E depois justifico para quem?

Ah, o erro foi meu, que não revisei, da designer que não enquadrou corretamente ou da editora que mudou a seu bel prazer, porque achou que assim estaria melhor?

A quem recorro? A um colo amigo, ao grito silencioso, ou deixo para lá, que no próximo sai como eu quero... E assim se caminha a humanidade. Editoras e gráficas ganhando dinheiro, com os direitos da criação e o criador, vira mero coadjuvante à mercê de outros desejos, que não são o dele.

E tento sentir de novo aquele sabor do pudim de leite, e a sensação de que aquele mundo encantado, foi criado apenas para nos enriquecer culturalmente, perpetuar a riqueza de uma língua, preencher o insaciável, fazer viajar por experiências jamais imaginadas e, principalmente, nos incentivar a sonhar.

Mas na minha ingenuidade juvenil, nem ousava imaginar que, por trás das histórias e das belas capas, travava-se uma guerra de incoerências, desacertos e vaidades que, só agora, consegui perceber e sentir, esse sabor, não tão doce.

DRIKKA INQUIT


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