FILHOS DO VENTO
À cavalo do Mar
Maputo, trinta e um de Julho de 2017
“ (…) Não sei se trouxe a chave”, finalizou o poeta. Seguiu-se a
sessão de autógrafos entre beijos, iguarias e fotografias, como é o costume
entre os confrades. Diante dos meus olhos estava o banner sorrindo para a
multidão que se acotovelava na fila com os títulos dos livros lançados.
Eu ali encostado ao pilar onde inicia a escadaria para o andar
de cima do Centro Cultural, apreciava os sorrisos, enquanto segurava a taça e o
telemóvel nas mãos. Não sei bem o que dava mais gozo: o vinho que adocicava a
língua ou as mensagens que faziam vibrar o telemóvel atado à mão.
Uma certeza: roubou-se a jóia da coroa! Entre os apertos de mãos e acenos, na galeria que albergava os habitantes da palavra, o mestre baila a sua pena.
Uma certeza: roubou-se a jóia da coroa! Entre os apertos de mãos e acenos, na galeria que albergava os habitantes da palavra, o mestre baila a sua pena.
A verdade é que quis o destino que paríssemos entre os perfis
das acácias outras margens, outros sonhos amordaçados pelo tempo. Cavalgamos na
colecção dos astros, desposando a quietude da sombra à bola amarrada na cintura
da baía dos incautos.
Agora, sinto distante a timidez no sopro. O cavalo navega como
um quebra-ondas, desbrava a avalanche pendurada na margem, suga nos labirintos
da cidade os olhares sem sal, para que as páginas que teimam em brotar nas
colinas do desespero sejam assombradas no hálito do mar.
Há um fardo esquecido nos ombros onde as mangas verdes com sal
sentenceiam toda a pretensão de grandeza? Chegou-nos vespertino o Deus
restante. De repente as ruas que viviam acomodadas à opacidades acordaram
engasgadas pelo carnaval matinal, viram-se obrigadas a bailar no despropósito
do verbo. Somos iguais debaixo dos olhos no monte Sião?
Cogito, percorro, por instantes, os vácuos: a pena sem o arrasto
de uma língua aberta aos cânticos nas ruas. Folheio os “rostos bafientos e
medrosos dos poetas novatos”. Não me fico na memória do click inesperado. Somos
formigueiros? Bebo nos gomos da laranja, na distância dos andares onde se ergue
o prédio Lopes, para que a infância deixe sorrir apenas seus sonos nos botões
na boca.
Então? Certo de que da paisagem agreste pintam-se desdenhos na
inocência da idade, bebo dos riscos e uma estrela caída no asfalto já que “da
consciência descalça/sem as botas” abre-se uma vaga onde as geografias do rio
amotinam os olhares. Entre Maputo e Lisboa a paisagem do poeta. Desperto.
A palavra ajusta-se ao sol que dorme na abóbada do silêncio. Sou um vaga-lume! O poema vertical finge chegar ensaiado na tristeza do olhar e a cor de sangue prende, em si, a imensidão do mar.
A palavra ajusta-se ao sol que dorme na abóbada do silêncio. Sou um vaga-lume! O poema vertical finge chegar ensaiado na tristeza do olhar e a cor de sangue prende, em si, a imensidão do mar.
Os filhos do vento teimam em viver na extremidade da saudade?
Voamos na cadência nocturna para a casa onde todos os sonhos serão
materializados. A cerveja e o vinho despertam a magia que flui nos
compartimentos da casa. Entre telas e telas, a amizade.
Sei que mais tarde chegará triunfante o saltimbanco, porque dos
mesmos barcos ficou-nos a ilha na destreza nos lábios. Mas, não se pode deixar
morrer o outro, que aguarda os ventos de Lisboa trazendo da orla do Tejo a sua
lavra. No entanto, no seu cordel azul-marinho endeusa o pastor de que deixou
escapar o gado nas traquinices da infância.
Hum! Acaloro a minha mão gelada pela garrafa e autografo mais um
ensaio. O estudante das terras de Vera Cruz ata às costas uma porção dos filhos
do vento. Cansado de mim, abandono a casa com um sorriso nos lábios.
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