FICÇÃO POLICIAL, UMA AVENTURA INICIÁTICA
Ao Óscar Fanheiro
Maputo, vinte e sete de Julho de 2017
Meu caro, espero que estejas a gozar bem as férias
e que a saúde lhe empreste parte do seu encanto. A cidade continua sorridente,
acomodada o inverno que chora na janela das acácias.
Não te fies em mim. Podes perder o rumo do
silêncio. Eu ando distante dentro de mim, colho rosas num campo de espinhos
rendilhados de oiro. Às vezes, a noite afasta-se das minhas costas, pelo calor
da chama ausente. Solitário na varanda do mundo, espalho nas paredes cansadas
pelo tempo, bocados de risos que se libertam de mim. As cores amordaçadas pelo
tempo ignoram a minha presença, cogitam com os voadores que acasalam com a
lamparina, no quarto escuro, outras formas de amar.
Não sigas o meu caminho. Procure na escuridão da
alvorada os pingos azuis do mar, navegue na orla do desejo que cai dos teus
olhos. Finge correr ao sol, dance nas cordas invisíveis da língua. Eu escuto a
voz da fome; sinto o calor do toque dos pés que abraçam a maresia no
inverno.
Quando encontrares o silêncio, siga o rastro dos
seus tentáculos, escute o ardor da sua voz, embaciada, fatigada pela tristeza
nos cantos da boca. Ali terás a porta aberta; o vácuo onde a poesia e a prosa
deixaram o embalo do verso.
Quanto, às crónicas que ando a escrever em delírio
resultam de um processo experimental. Poderei abandoná-las do mesmo modo que
tingi as primeiras palavras no banco de um jardim improvável.
Continue nessa tua procura da ficção policial. Uma
aposta assertiva se puderes beber devagarinho a técnica dos mestres. Mas, meu
caro, advirto desde já que a estrada é larga e o Sol ardente. Não haverá sombra
que albergue os teus dias maus e as tuas lágrimas poderão cair desamparadas num
vale onde os crocodilos famintos aguardam pela carne fresca.
Espero que anoiteça de repente para que o sol não
lhe deixe torrado.
M.P.Bonde
Sem comentários:
Enviar um comentário
Toca a falar disso