sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Lomelinices 85 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

85

Os dias cozinham-se iguais, numa mesmice tão sórdida quanto submissa, sem ensejos nem revoltas.

Lábios gretados, frieiras nas mãos, escaras soltas, narinas empoeiradas, vontade que se esvai, conformismo que se instala.

O cansaço apodera-se, sem tréguas nem piedade. Reavivam-se vis emoções, já sentidas na plenitude da miserabilidade. Também aquela inércia tão lancinante como grilhetas carcerárias.

Mas nem tudo é ácido porque, no final de cada dia, chega sempre o silêncio crepuscular, com livros debaixo dos braços e a habilidade de teletransportar a mente para mundos que anestesiam até que a realidade regresse no buzinar do despertador.

EMANUEL LOMELINO

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Lomelinices 84 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

84

Não foi sem assombro que descobri a existência de niilismo na minha personalidade.

Apesar do termo não me ser estranho, por razão do meu interesse artístico-literário, e até conhecer um pouco desta corrente filosófica, nunca deduzi que uma parte de mim pudesse ser influenciada, mesmo que ligeiramente, por esta doutrina.

A verdade é que, em relação à percepção que tenho da vida, com todas as minhas dúvidas e questionamentos, nunca me considerei mais do que céptico, pela simples razão de não conseguir vislumbrar, com carácter decisivo, uma razão válida que justifique a existência de um propósito, ou sentido, pré-definido.

Eis senão quando, nesta fase adiantada da minha existência física, descubro que a descrença num sentido para a vida, tal como ela se revela para mim, é considerado niilismo existencial. Só não sou completamente niilista porque não vejo a humanidade, como um todo, insignificante.

EMANUEL LOMELINO

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Epístolas sem retorno 25 - Emanuel Lomelino

Walt Whitman
Imagem biography

Caro Walt,

Na ânsia de fazer, da vida, algo extraordinário, e perante as contrariedades que ela nos oferece, há sempre questões que se levantam, como o sol na alvorada: Quem determina os parâmetros dessa notabilidade? Sob que olhares deve ser avaliada a realização do admirável? O que significa “algo extraordinário?

Na busca por respostas a estas, e outras, dúvidas, sou confrontado com inúmeros paradoxos que, já se sabe, geram ainda mais interrogações. Desse emaranhado de incoerências e antagonismos, resultantes do esforço mental por entendimento, confirmo que existem sempre dois pesos e duas medidas, tanto na génese como na solução, dependentes das abordagens, dos conceitos, das definições e ideais de cada um.

Só desse modo é possível admitir que os desejos mais simples sejam tão extraordinários quanto as proezas mais heroicas; que a vida mais comum seja tão satisfatória quanto a existência mais singular; e o banal seja tão cativante e jubiloso como é o excelso e surpreendente.

Tudo isto, espremido, conduz-nos a uma constatação tão elementar quanto magistral: Extraordinária, por si só, é a própria vida.

Simplesmente

Emanuel Lomelino

O princípio do mundo (excerto 24) - Jorge Chichorro Rodrigues

 
LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Espantados com o movimento a que assistiam, os dois recém-chegados ficaram a observá-lo demoradamente, como se tivessem aterrado ali vindos de outra dimensão da vida. Sobre uma espécie de varanda que deitava sobre o Atlântico, ouviram vozes em tupi misturado com português, e viram a azáfama dos naturais da terra na tarefa de transportar mercadorias para a beira-mar. Na baía as embarcações dormiam, à espera da hora de lhes levarem os produtos da terra do pau-brasil e dos papagaios.

EM - O PRINCÍPIO DO MUNDO - JORGE CHICHORRO RODRIGUES - IN-FINITA

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Lomelinices 83 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

83

Por mais que pense, não consigo encontrar uma razão inequívoca e definitiva que justifique o medo que a generalidade das pessoas tem de estar sozinha, como se ficar ou estar só fosse o tormento mais nefasto que alguém pode experimentar.

Mais incompreensível é o descrédito dado ao isolamento, enquanto fonte de ignição para o raciocínio pacífico, que é o único caminho estável para que exista clareza de ideias e o pensamento não se revelar contaminado pelo entorno.

Creio que a génese desta aversão global é fruto de uma conotação, errada, entre quietude e solidão. Uma não origina nem é, obrigatoriamente, consequência da outra.

O silêncio é a casa da reflexão mais séria e íntegra, logo é benéfica para quem dele usufrui.

EMANUEL LOMELINO

Prisioneira em liberdade (excerto 18) - Maria Antonieta Oliveira

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Da despensa saia uma escada de madeira feita pelo pai da menina que dava acesso ao sótão daquele 3º andar na Estrada de Benfica. A casa estava alugada pelo tio, tinha três quartos, sendo um o dele e da tia, irmã da mãe, outro, era a casa de jantar com um divã de casal onde dormiam a outra tia, a viúva, a prima Liete e a irmã mais nova seis anos, a Rosinha; o terceiro quarto estava alugado a um casal. Havia a cozinha e a casa de banho comum a todos. A vida era difícil e tinha que se arranjar forma de arranjar dinheiro para todas as despesas inerentes à casa e à família.

EM - PRISIONEIRA EM LIBERDADE - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA - IN-FINITA

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Lomelinices 82 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

82

A vida dedilha-se ao ritmo das horas e, mesmo nas pausas inoportunas, tudo soa a orquestração eterna.

Há um género de maestro invisível – tempo – que cadencia cada passo, como estivéssemos, desde o berço, sujeitos a rigor e disciplina harmónica.

Quando sou assaltado por este pensamento absurdo emerge em mim uma tremenda e imperativa vontade de fazer um improviso jazzístico e deixar-me levar numa pauta em contramão.

Talvez seja o meu lado irreverente a querer demonstrar-me que não se esgotou e ainda tem muitos acordes para tocar e, assim, preencher com novas melodias o grande concerto que tem sido a minha vida.

EMANUEL LOMELINO

A dúvida (excerto 12) - Zélia Alves

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Para a semana assino o contrato de arrendamento e depois mudo-me em dezembro. Falei agora mesmo com o meu pai. Dei-lhe a notícia e disse-me que eu posso contar com ele para o que for necessário. Aliás, ele faz intenção de vir morar para o pé de mim. A mudança implica apenas o transporte da minha mobília de quarto e pouco mais e sei que poderei contar com ele, a fim de me ajudar a mobilar a casa com o indispensável e a pouco e pouco.

EM - A DÚVIDA - ZÉLIA ALVES - IN-FINITA

domingo, 26 de janeiro de 2025

Crónicas de escárnio e Manu-dizer 22 - Emanuel Lomelino

Imagem retirada da internet

26-11-2023

Recuando alguns anos, o processo mais simples de quantificar o grau de inteligência de alguém era o teste de QI, com vinte e dois desafios às aptidões cognitivas.

Criando um segmento de recta, entre a estupidez e a inteligência, algures encontrava-se um ponto intermédio equidistante.

Através desse método científico conseguia-se aferir o valor médio de inteligência de uma sociedade, um país, uma cidade, um bairro, uma escola. E com os resultados obtidos delineavam-se estratégias para colmatar os pontos fracos do conhecimento humano. Isto é, lutava-se contra a burrice, com inteligência e bom senso.

Escrevi os dois primeiros parágrafos no pretérito porque, por tudo aquilo que podemos observar nas sociedades modernas, os testes devem ter sido descontinuados.

Não há outra forma de compreender como é que, de um momento para o outro, a estupidez passou a ser a doutrina dominante. Tanto que, hoje, o bom senso morreu e a voz dos inteligentes é censurada para não ofender a sensibilidade dermatológica dos estúpidos.

EMANUEL LOMELINO

sábado, 25 de janeiro de 2025

Pensamentos literários 14 - Emanuel Lomelino

Imagem retirada da internet

Pensamentos literários

14

Ler, por si só, já é um vício. Mas a coisa ganha contornos de dependência quando, por exemplo, nos embrenhamos na leitura sobre metafísica.

Para compreendermos esta “filosofia primeira” começamos por ler Aristóteles. Absorvemos conceitos, definições e logo queremos mais. Então passamos para Kant e a coisa adensa-se de tal forma que não temos outro remédio que não passe por lermos Heidegger e Leibniz.

Quando nos apercebemos da tremenda ressaca mental em que nos enfiámos, já não conseguimos passar sem aprofundar o conhecimento e passamos a ler, também, os críticos da metafísica, como Comte e Nietzsche, e os que, não sendo críticos desta ciência filosófica, foram severos opositores da sua vertente racionalista, como Schopenhauer.

O pior é quando começamos a ler referências a outros filósofos, cujas obras são mais difíceis de encontrar, e damos por nós a vasculhar as prateleiras das livrarias na ilusão de encontrar alguma dessas relíquias. Quando isso acontece é sinal que entrámos na fase mais complicada da adição literária: a obsessão.

EMANUEL LOMELINO

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Epístolas sem retorno 24 - Emanuel Lomelino

Eduardo Lourenço
Imagem gradiva

Ilustre Eduardo,

De forma simples, observando o quão supérfluo é o pensamento deste tempo, ninguém mais fica incomodado com as homenagens sensaboronas feitas ao nosso vate maior. São enxurradas de desrespeito linguístico, estilístico, poético e lírico que, apesar de serem feitas na melhor das intenções, nada possuem de louvor, tributo ou consagração, porque aos, chamemos-lhes, “celebradores” falta estro e conhecimento camoniano mínimo. Contam-se, pelos dedos de uma mão amputada, aqueles que, com honestidade intelectual imaculada, conseguem ver no espólio camoniano a riqueza que a totalidade da sua obra outorgou às letras lusas. Os demais (maioria esmagadora) dividem-se em três grupos: os que apenas lhe conhecem o nome e Os Lusíadas, mesmo nunca o tendo lido; os que leram a poesia épica por obrigação e, talvez por isso, nunca se inteiraram da dimensão universal de tal espólio; e aqueles que também leram a lírica, mas decidiram politizar (destros e canhotos) as meadas que mais lhes convém, como se a realidade do pensamento seiscentista tivesse aplicação legítima neste século XXI.

Não ficaria mal, a qualquer integrante dos três grupos que enunciei, limitar-se a celebrar Camões com a mera difusão da sua obra. Acredito que as letras lusófonas agradeceriam e o Luís Vaz descansaria mais tranquilo.

Nesciamente,

Emanuel Lomelino

O princípio do mundo (excerto 23) - Jorge Chichorro Rodrigues

 
LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Naqueles momentos sagrados que passava diante da grande cruz, com os olhos fechados e o espírito a ser transportado por dimensões superiores, Antão era visitado pelos mais importantes episódios da História de Portugal, como se tivesse estado lá presente. Os odores, as cores, as formas, as personagens mais marcantes da pátria invadiam-lhe a alma como vagas de um oceano alteroso que o erguessem violentamente na direção dos céus. Chamava saudades aos sentimentos violentos, mas simultaneamente doces, provocados pela ausência dos entes queridos e das formas concretas da sua terra natal, cada vez mais mitificada no seu espírito. «Como podes ser doce, ó mar salgado?», interrogava-se fascinado com o paradoxo.

EM - O PRINCÍPIO DO MUNDO - JORGE CHICHORRO RODRIGUES - IN-FINITA

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Contos que nada contam 36 (Peliça) - Emanuel Lomelino

Peliça

- Ó padre Frederico! Perdoe-me a franqueza, mas às vezes fico a pensar que o doutoramento em teologia ajuda-o a salvar almas, mas nunca o preparou para identificá-las.

- Porque dizes isso, meu filho?

- Então, ao fim de vinte cinco anos é que você deu conta que o Peliça era um falso sem-abrigo afogado em dinheiro? Acaso pensou que a alcunha que lhe demos tinha outra conotação?

- Ele sempre me pareceu tão maltrapilho como os restantes. Nunca vi nada que o diferenciasse, à parte de estar sempre disponível para ajudar nos eventos sociais da paróquia. Quanto à alcunha… pensei que fosse por ele estar sempre de luvas e vocês apenas estivessem no chiste.

- Haja ingenuidade, padre Frederico! Desde quando é que um sem-abrigo anda de luvas cirúrgicas, com a barba aparada e sem sarro no rosto?

- Pois…

- Bem, ingenuidades à parte, o importante é preservar a memória do Peliça, como todos o conheceram, pelo tanto que ele fez aqui, e nos termos que ele deixou em testamento. Como beneficiários, temos a obrigação moral de retribuir o altruísmo e a generosidade destes vinte cinco anos. Ninguém fez tanto por esta comunidade quanto ele. Tampouco de forma anónima e despretensiosa.

- Paz à sua alma!

EMANUEL LOMELINO

Prisioneira em liberdade (excerto 17) - Maria Antonieta Oliveira

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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A avó ficou viúva com 5 filhos todos menores e, cuidava também da sua mãe, já idosa e doente. Não havia ajudas de espécie alguma, ainda faltavam muitos anos para que surgissem os subsídios, e ela, viu-se só e sem saber o que fazer à vida, mas não baixou os braços, vendeu a casa onde viviam, que era situada no centro da Vila, numa das ruas principais e comprou outra, bem mais pequena e numa rua também ela, mais pequena, mais escondida. Continuou o seu trabalho de costura, modista de alfaiate, e as filhas conforme iam crescendo iam também aprendendo e ajudando a mãe.

EM - PRISIONEIRA EM LIBERDADE - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA - IN-FINITA

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Lomelinices 81 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

81

Volta e meia desincorporo-me e, afastando-me um pouco, fico a olhar-me na tentativa de perceber o que continua a mover-me.

Faço isto porque, há muito, deixei de encontrar respostas no meu interior, agora vazio e abandonado de estímulos.

Longe vão os tempos de grandes reflexões, maiores projectos, gigantescas demandas. Todo eu era um contentor de ambições, ideais e proactividade.

Hoje, pairando sobre mim, deixei de identificar aquele olhar decidido e resoluto – quase intrépido – que me fazia encarar todos os desafios da vida com a cabeça bem erguida, numa postura natural de confiança absoluta.

Os valores continuam presentes, as certezas permanecem seguras, as intenções estão imutáveis, as convicções bem enraizadas, contudo, o vigor vem-se esfumando, a energia esgota-se a cada expiração, a vontade esbate-se a cada passo, a importância das coisas tem diminuído a olhos vistos.

Vejo-me à distância e só reconheço a voragem de querer saber mais, de pensar com mais critério e melhorar valências. Mas já não vislumbro a sede de partilhar nem a urgência de me explicar – nem mesmo a mim próprio.

EMANUEL LOMELINO

A dúvida (excerto 11) - Zélia Alves

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Vou pedir o dia de sexta feira ou trocarei com uma colega e amanhã à noite vou para baixo. Irei ver a mãe e tentar proceder à sua transferência. A Célia está num período de testes, não convém faltar às aulas. Telefonei à Isilda que tem estado a cuidar dela, a tentar que ela não desanime e que nem falte às aulas. De qualquer forma, tenho falado com ela e a minha irmã é “certinha”. Só não sabe é que mãe está muito doente. Pretendo ser eu a falar com ela e a dar-lhe a notícia.

EM - A DÚVIDA - ZÉLIA ALVES - IN-FINITA

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Lomelinices 80 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

80

Apesar de já ter idade para ser considerado “velho do Restelo”, não tenho, por vocação, o hábito de fazer apologias do passado para contrapor ao presente. As coisas são como são, o mundo evolui e só temos de nos adaptar, o melhor que conseguirmos.

No entanto, por vezes, dou por mim a pensar na diferença que existe entre a vida quotidiana e o meu tempo de adolescente. Ainda não fui capaz de encontrar uma resposta definitiva que explique a razão de, hoje, com todos os avanços tecnológicos e a informação disponível num piscar de olhos, estarmos sempre sem tempo, enquanto, lá atrás, tínhamos uma vida agitada e ainda sobrava tempo.

Dizem-me que hoje tudo depende e acontece no expoente máximo da celeridade e isso é o motivo principal para o tempo ser gerido de forma diferente. Não sei como contestar esta visão porque, bem vistas as coisas, é possível nomear inúmeras situações que atestam essa realidade.

Antigamente remendavam-se as peças de roupa rombas. Fazia-se mais um furo no cinto. Compravam-se botões para substituir os que se perdiam. As calças velhas viravam calções. As toalhas e lençóis eram transformados em panos de limpeza.  Punha-se um calço na perna bamba da mesa. Hoje deita-se tudo fora e compra-se novo porque é mais fácil e rápido.

E esta nova forma de agir abrange também as interacções humanas. Ninguém tem tempo para encontrar soluções e resolver os problemas do dia-a-dia. Simplesmente vira-se a página porque tudo ficou sujeito a prazo de validade e nada, nem ninguém, consegue escapar à condição de descartável.

EMANUEL LOMELINO

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Pensamentos literários 13 - Emanuel Lomelino

Pensamentos literários 

13

A força irreverente, do passado longínquo que quase se apagou da memória, foi gasta em ímpetos esperançosos que se revelaram infrutíferos, tamanha foi a resistência das mentes obtusas alimentadas de falsas crenças.

As tentativas de manter vivos alguns conceitos-base para alargar horizontes e elevar o nível criativo, caíram em saco tão roto que nem mil costureiras, e seus pontos-cruz, conseguiriam remendá-lo.

O desgaste foi apocalíptico a ponto de já não restar o mínimo de vontade em recordar, de viva-voz e com toda a paciência necessária, os ensinamentos que, sendo conhecimento geral, deixaram de ter importância junto daqueles – muitos – que apregoam sabedoria e erudição, mas não sabem, sequer, explicar o que escrevem.

A literatura entrou num vácuo conceptual, por imposição colectiva de uma corja que se apresenta como sendo o expoente máximo de intelectualidade e conseguiu, nos últimos quinze/vinte anos, insuflar o vazio de ideias nos cérebros preguiçosos dos aspirantes a prémios, comendas e certificados.

A idade esvaziou-me o ímpeto necessário para continuar a lutar contra os falsos cânones da modernidade. O desgaste faz-se sentir nas pregas da voz e o vigor da garganta esgotou-se.

Contudo, a razão não me permite desistir. Chegou a hora de diminuir os esforços, proteger as cordas vocais e enveredar por outras vias que não me suguem mais sangue e suor. Porque as palavras não precisam ser gritadas para se fazerem ouvir.

EMANUEL LOMELINO

domingo, 19 de janeiro de 2025

Lomelinices 79 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

79

Há dias, como hoje, em que os dedos não se cansam de transpor, para as páginas digitais, a efervescência incontrolável desta minha mente hiperativa (tivesse eu nascido em tempos mais recentes e estaria agora encharcado de Ritalina).

A verdade é que este transtorno que me domina é um ingrediente essencial nos desafios que me proponho e, sem os quais, teria muito mais dificuldade em aceitar viver num tempo (este) que não deveria ser o meu.

Mas é aqui e agora que existo – consciente do meu desenquadramento temporal – e, por isso, permito-me à extravagância de coexistir em dois tempos, sem benefício de um em detrimento de outro.

Neste plano de existência, deambulo entre a esquizofrenia pontual e o paradoxismo permanente, com a maior das naturalidades e sem complexos doentios ou desviantes porque me compreendo, aceito e cumpro.

E assim será até ao fim.

EMANUEL LOMELINO

O princípio do mundo (excerto 22) - Jorge Chichorro Rodrigues

 
LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Era a primeira vez que Antão tinha um contato mais íntimo com os homens daquela terra do princípio do mundo e logo para ser salvo por eles da iminência da morte. Se Deus o salvara por intermédio deles isso significava que esperava que eles fossem evangelizados, tudo começando pelo pecado original! Profundamente comovido e um pouco confuso, viu no idoso nativo que o consolava uma profunda humanidade, ainda virgem como as matas e toda a terra que havia ali à volta.

EM - O PRINCÍPIO DO MUNDO - JORGE CHICHORRO RODRIGUES - IN-FINITA

sábado, 18 de janeiro de 2025

Lomelinices 78 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

78

No conforto almofadado da minha trincheira de estudo e criação, deixo-me bombardear pelas ogivas de palavras dos pensadores de outrora.

Agasalho-me nas frases mais eloquentes e solto a esquizofrenia que me assiste, em diálogos mudos com todos eles – um por vez – até que a comichão me nasça nos dedos para que a coce numa folha de papel ou no ecrã do computador, como quem expõe um trauma de guerra.

Na maioria das vezes tudo ganha forma através de um conceito elaborado ou de uma ideia esparsa, mas com a força vulcânica de uma conversa interessante. Contudo, em alguns momentos, basta uma simples palavra para que surja um texto, sem outro propósito além da utilização dessa mesma palavra.

Depois entra em acção este meu lado de cientista experimentalista – a esquizofrenia sempre presente – para explorar diferentes abordagens e observar a aplicabilidade do termo em contextos distintos, nos quais, por norma, não caberia. Como neste texto que, sendo apenas um dos muitos exercícios de escrita que me proponho, é uma cócega nascida de uma conversa com Freud sobre os traumas que as trincheiras deixaram em muitos dos que por lá passaram.

EMANUEL LOMELINO

Prisioneira em liberdade (excerto 16) - Maria Antonieta Oliveira

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Um alívio par a mana mais velha! Eram uma família considerada da classe média, a avó Rosa, era costureira de alfaiate e ensinava as meninas da Vila e dos arredores a cozer, talhar um fato, chulear, alinhavar, casear e tudo o que fazia delas, também, umas boas costureiras de alfaiate; o avô trabalhava com uma carrinha de caixa aberta, sendo ele o condutor, naquele tempo era algo muito bom. Mas tudo se desmoronou quando a mãe tinha apenas 9 meses de idade e o avô, portanto, o seu pai, teve um acidente e faleceu.

EM - PRISIONEIRA EM LIBERDADE - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA - IN-FINITA

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Pensamentos literários 12 - Emanuel Lomelino

Pensamentos literários 

12

O universo literário sempre me fascinou, ao ponto de levar-me a querer obter o máximo de conhecimento possível.

Sabendo, de antemão, que dificilmente teria acesso a tudo aquilo que vale a pena ler, fui construindo a minha biblioteca de acordo com as possibilidades, tentando abastecê-la com a maior diversidade de géneros e conteúdos.

Com este propósito, para além de muitos clássicos da literatura, de diferentes épocas, origens e correntes literárias, também procurei adquirir ensaios relevantes, de pensadores portugueses.

O problema que tenho enfrentado, nos últimos tempos, é a escassez, cada vez mais evidente, de pensadores lusos contemporâneos.

Depois de Agostinho da Silva e Eduardo Lourenço, parece que se abriu um fosso na intelectualidade porque já quase ninguém quer dissertar sobre o pensamento português.

Tendo refletido no assunto, e conhecendo os diferentes ambientes literários nacionais, cheguei à conclusão que este vazio deve-se, em grande medida, ao facto de estarmos a viver num tempo em que a maioria das criações literárias carece de consciência autoral e, por essa razão, não resultar de um pensamento crítico e coerente, mas sim de imediatismo sensaborão sem qualquer dose de filosofia associada.

Até pode ser que me engane, mas não creio que nos tempos mais próximos possamos assistir ao aparecimento de algum nome importante nesta área, tal a preguiça de pensamento que grassa nas letras lusitanas.

EMANUEL LOMELINO