sábado, 30 de março de 2024

Diário do absurdo e aleatório 263 - Emanuel Lomelino

Diário do absurdo e aleatório 

263

O discernimento vem com a idade e é nesse momento que as epifanias brotam como água em fonte inesgotável.

O trigo já aparece separado do joio; os coxos são mais esguios do que os trapaceiros; as duas faces das moedas são indisfarçavelmente distintas; todos os bois, além de nome próprio, também têm apelido, proveniência e intenções patenteadas; as utopias e os dogmas perdem importância; as sombras esbatem-se; os brilhos deixam de ofuscar; a lucidez é rainha; o medo é bobo; a vida é um fiapo de tempo; a morte é uma inevitabilidade e continua a ser um mistério.

Mas toda esta perspicácia às vezes fere. É uma quase automutilação. Vil, sanguessuga, vampiresca, medonha, assustadora. E dá vontade de saber menos do que na adolescência, ser inconsequente, inanimado, como uma página ingenuamente branca.

EMANUEL LOMELINO

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