Diário do absurdo e aleatório
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Este sentimento de desadaptação está costurado no meu âmago desde sempre. Lembro-me de, em criança, muito pequeno ainda, sentir-me deslocado no tempo, como se a cegonha tivesse ficado retida num engarrafamento de décadas provocado por uma paralisação dos serviços administrativos aéreos da Natalidade.
Esse atraso na entrega fez com que eu só visse a luz do dia bem mais tarde do que seria suposto. Pelo menos, valha-nos isso, o tempo de traslado é independente do de gestação, caso contrário eu teria nascido mais velho do que a Sé de Braga.
Tirando esse detalhe do desacerto temporal, não tenho mais nada a colocar no livro de reclamações. Os movimentos de rotação e translação dão-me os dias, as noites e as estações. A gravidade não me deixa flutuar – isso é óptimo para quem tem vertigens -, o céu varia entre o azul e os tons cinzentos, o mar anda entretido com os seus humores e marés, tanto a fauna como a flora são incríveis. Enfim, é tudo tão perfeito que a única coisa que posso reclamar da vida é estar aqui no tempo errado.
EMANUEL LOMELINO
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