sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Diário do absurdo e aleatório 73 - Emanuel Lomelino

Diário do absurdo e aleatório 

73

A vida transformou Orlando num homem de caráter tão firme e sólido quanto betão. Os seus comportamentos eram pautados pela coerência, correcção e sentido de justiça. Todas as suas opiniões eram fortes e sustentadas por argumentos mais válidos que um cartão de cidadão recém renovado. Não tinha pejo em identificar publicamente aquilo que lhe desagradava, da mesma forma que não se coibia de apontar o que lhe era caro. Naturalmente, esta forma de ser e estar, tanto cativava gente como afastava outros. O mais difícil era encontrar quem ficasse indiferente à sua presença.

Uma das características mais relevantes de Orlando era a capacidade de resiliência que mantinha, principalmente, nos momentos mais complicados, que até foram em número considerável, e permitiram que alcançasse pequenos, mas satisfatórios triunfos pessoais, dos quais nem fazia muito alarde, bem pelo contrário, tinha prazer em que outros o acompanhassem e tivessem os mesmos sucessos.

No entanto, pouco a pouco, sem que alguém percebesse, Orlando decidiu mudar o rumo da sua vida e começou a prescindir das coisas que, até então, lhe eram importantes.

Abandonou algumas convicções. Desistiu de objectivos. Colocou os sonhos de lado. Abdicou de vontades e quereres. Enfim, alterou os seus hábitos e transfigurou-se, completamente, em alguém que apenas existe.

Os que lhe eram mais próximos nunca entenderam as razões para aquela mudança radical e acabaram por perder-lhe o rasto.

Embora não se consiga provar, porque ele nunca explicou, surgiu a teoria de que Orlando, simplesmente, optou por apagar, deste mundo, todos os vestígios da sua existência. Por isso, ninguém sabe se já morreu ou se é alguma das sombras que deambulam nos becos do anonimato.

EMANUEL LOMELINO

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