terça-feira, 12 de julho de 2022

A noite longa (excerto) - GISELA BIACCHI

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Essa é a história de um dilúvio que lavou o mundo como contaram os antigos. Virou uma lenda, passada de boca em boca como se passa o chimarrão no sul do Brasil. E para não ficar esquecida dentro dos galpões e perdida no tempo, reconto aqui essa história.
Houve uma chuva em uma tarde do calendário. Tudo começou como uma garoa, lustrando as folhas da relva e alegrando o pasto.
Os dias seguiram-se nublados como se fosse para sempre. A garoa foi-se adensando até formar uma cortina d’água. O aguaceiro que caía criou córregos, riachos, rios e corredeiras caudalosas. Encheu o que pôde até encontrar os volumes das coxilhas do campo para onde animais e homens correram a se abrigar. Os que conseguiram salvar-se.
A vida ficava ali isolada e parada, observando a enxurrada jamais vista na esperança de que uma hora viesse a sequia. E todos juntos aguardaram a estiagem, que chegou vaziando a terra e descerrando um rastro de destruição. À medida que a água descia, revelavam-se os monturos de carniças pelo terreno. Coisa mais feia de se ver.
Certo dia, a noite chegou devagarito.1 Não era uma noite conhecida, era uma noite longa. Tão longa, que já não se sabia o que era luz. Parecia que nunca mais haveria um dia. A escuridão era tal, que quase se podia tocá-la de tão densa. Nada se via, nem o clarão da lua, nem a luminescência dos insetos.

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL - COLECTÂNEA - IN-FINITA

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