sexta-feira, 24 de junho de 2022

Uma jangada chamada esperança (excerto) - VÍTOR COSTEIRA

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Aos poucos, com gestos suaves, como que não querendo magoar, foi desatando os nós e as voltas com que os limos, as algas e a vontade estavam agarrados à jangada que vogava sem rumo, no compasso que as ondas dançavam melancolicamente. A pele curtida, marcada fundo, cicatrizada pelas quedas e pelo tempo, era uma chaga aberta, exposta impiedosamente ao sol e ao sal, que a água cobria e descobria numa brincadeira cruel.

“É agora!”. Teria que ser naquele momento! Naquele agora em que as grandes tormentas se tinham afastado, talvez por instantes, e o mar estava calmo, sossegado e pensativo com o que fazer à jangada que tenazmente agarrava aquele esquecido da vida.

Estava cansado da jornada, desiludido com as suas forças, desistente da luta antecipadamente perdida com ondas que nem sempre foram assim tão meigas e, não fora aquele pedaço de esperança a que se agarrava, já há muito que por ali, ao cimo da água de oceanos que desconhecia existir, ele não estaria.

Estava, de facto, exausto! Não tinha mais forças e não queria testar mais limites. Teria que ser, sem mais demoras! E, assim, continuou a desamarrar-se da jangada, que deixaria de fazer sentido existir, também ela, pois uma jangada só o é enquanto há um náufrago para dar esperança.

EM - CONTOS E CRÓNICAS (IN)TEMPORAIS - VÍTOR COSTEIRA - IN-FINITA

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