sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Ânsia de vingança - FÁTIMA SÁ SARMENTO

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO POR IN-FINITA
Saibam mais do projecto Mulherio das Letras Portugal neste link
Conheçam a IN-FINITA neste link

Quando a mulher estacionou o carro na Avenida Brasil, percebeu que esquecera de vestir-se de forma mais adequada. Olhando para os lados, cogitou voltar ao carro para vestir o sobretudo. Mas, depois de alguns necessários minutos, resolveu continuar e caminhou para o hotel, decidiu fingir que nada acontecia. É bem verdade que atraiu olhares curiosos pelo caminho, afinal, não era de se jogar fora. Caminhando, passo a passo, a empoderada Ângela não andava, desfilava, atraindo mais e mais olhares para si. Preocupou-se agora não é hora de ser reconhecida, precisava concluir o que veio fazer. O melhor seria ficar invisível. O passado sombrio estava ali, naquele lugar, na empresa. Entre o poço e o pêndulo, vivera naquele meio.
Porque sentira-se como Eva expulsa do paraíso sozinha, sem Adão. A criatura pela qual era apaixonada, nem se quer veio em sua defesa, quando ela precisou dele. Mas estava ali. Voltara ao ponto de partida.
Esperara cinco longos anos, estava certa de que superara tudo, cada um consegue, chegou a vez dela. Que os autores esperassem no palco, o show seria de Ângela, sem dúvida. Trabalhara para isso. Chegou ao saguão do hotel, ali sofrera, agora triunfaria. O leilão estava para começar. Olhou em direção às costas de alguém se registrando, sentiu que se arrepiaram os pelos. O homem girou a cabeça, os olhos captaram os de Ângela, os dele hipnotizados, os dela eclipsados. A mulher seguiu para o auditório, passando pelo homem, sem encará-lo outra vez. Entrou, sentou-se, sem se fazer conhecer. Queria fazer uma surpresa, mas era cedo.
O leiloeiro começou os primeiros lances, que não a interessariam, por enquanto. O objeto de desejo seria a última peça do tabuleiro. O corpo dava sinais, rangia os dentes, só não roía as unhas, pois isso ficara no passado.
Lembrou do julgamento, das acusações, depois, resolveu deixar que, aquilo ficasse, no passado, já que agora era uma outra pessoa, vencedora, um CEO.
Logo, a justiça se cumpriria e não considerava vingança. Esticou a vista até onde pôde, viu novamente aquele, que foi o pivô de tudo que lhe ocorrera, sim, foi. Por uns minutos a cena se repetiu. Naquele momento, o leiloeiro anunciou o primeiro lance, dado por uma mulher que parecia conhecida de Ângela, a Empresa de Cosmético S"; A o S sabia de cor: Solano de Abreu, o hipócrita e o A, descobriria.
Quando tudo aconteceu, Solano nem se quer a defendera. De repente, o lance foi feito, esperou, percebeu que ninguém mais se manifestaria, levantou-se e fez a proposta, sentando-se, em seguida. Como não houve mais lance, o Leiloeiro começou: “Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três. Vendido para a senhorita Ângela Santoro.” Todos se voltaram. Ela balançou a cabeça para os lados, como se negasse e disse: “Sou Ângela Silva, aquela a quem todos acusaram de espionagem.” Olhou em volta, viu desespero, incredulidade em certo par de olhos, no entanto, os dela pareciam estrelas. Ao receber em mãos a documentação da Empresa, renasceu. Ali estava personificado o passado de dor e vergonha, naquele amontoado de papeis. A empresa e todos aqueles que a traíram, faziam parte, agora, do pacote de aquisição, inclusive, aquele que esmagara a inocência de menina sonhadora. Ali e naquele instante, recomeçaria.

 EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - COLECTÂNEA - IN-FINITA

Sem comentários:

Enviar um comentário

Toca a falar disso