sexta-feira, 27 de agosto de 2021

De nuvem em nuvem... - CLÁUDIA CARVALHO MENEZES

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Estava admirando o céu de minha janela, quando uma nuvem em formato de escada me convidou para um passeio inevitavelmente belo! Abri a janela, subi a escada macia e aveludada, toque de seda nos pés. A cada degrau uma surpresa, quanto mais distante da terra, mais a terra era um algo só, amálgama de tudo: carros, prédio, casas, pessoas. Quanto mais subia ao céu, mais meu coração se alargava, minha mente arejava e não sentia os limites deste corpo, tão hermeticamente fechado em si mesmo. Olhava para baixo, e a terra ia ficando sem prédios, sem praças, sem diferenças, tudo um só, um todo único, sem bordas, um contínuo! Quanto mais acima, mais minha mente declinava numa abertura sem retorno! No topo da escada de nuvem, com o ser em plena acolhida para o universo, nada como se jogar sem medos, porque eu, a nuvem, a terra, tudo era um só existir... saltei!
Um avião me levou a outra nuvem, parecida com um dragão com sua boca escancarada! E fui logo adentrando ao convite formal de digestão de minha pessoa, mas nada de ácidos e sim uma sensação gostosa dos vapores de água a lavar o que restasse de passado e futuro. Apenas aquele momento tão ímpar, o presente, único momento que verdadeiramente existe e que muitas vezes desperdiçamos... Mas ali, o que pensar? Nada! O que sentir? Nada! Apenas existir! E existir no meio do esquecimento, sem o tempo...
A nuvem pesada perdeu altitude, transpassou uma árvore. Aproveitei seus galhos e volto a perceber meu corpo, mas um corpo que experimentou a liberdade de estar fora de si! Não dá para voltar atrás. Entre o galho e eu não há limites, tudo é um só. Sussurro ao galho, ele se curva e me lança ao céu...Caio em uma nuvem que lembra as areias da praia de minha infância. Meus pés, tão à vontade, percebem a firmeza de um algodão. E quanto mais caminho, mais próximo do sol, e suas luzes criam um espetáculo à parte, pintam a seu bel prazer as areias desta minha praia... de cinza claro a cinza escuro, de branco a dourado... Não me canso contemplar tão magnífica tela celestial. Deito e respiro a nuvem! Tudo sou eu! Quanto mais absorvo a realidade que vem de fora, mais se dilui meu eu na experiência do encontro...
Há palmeiras no meio de uma avenida, que deixam a paisagem de minha praia ainda mais real! Sento-me embaixo da palmeira, sinto o chão, caminho no meio fio, atravesso a rua, volto pra casa. Entro no prédio, pego o elevador, abro a porta, caminho até a janela e sorrio para o céu que sou eu...

 EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - COLECTÂNEA - IN-FINITA

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