segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Ser Mulher, Amante, Mãe, Amiga, Madrasta (excerto) - ANA MENDES

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Do alto daquele prédio, olhando o mar azul, imóvel e calmo,
esperei que não fosse verdade e tive medo. Medo do que seria da
minha vida de espírito aventureiro, de dormir tarde e levantar
cedo, de sair para trabalhar e só entrar em casa para me refrescar
no chuveiro, me arrumar e voltar a pôr o pé de salto alto, mini
saia e top na rua da alegria. A época dos grupinhos de amigos e do
maridinho, apaixonados... Eu ainda não estava pronta.
Ao nos casarmos, apenas queria viver um pouco mais para ele,
para mim, para nós. Não queria ser a esposa chata, que só contasse
fraldas e mamadeiras, ou que já estivesse tão cansada, que
só tivesse a oferecer um beijo distraído, cansado e sem ardor ao
marido que retorna a casa. Que não adormecesse só porque o sofá
a estivesse piscado o olho do cantinho da sala, que o choro do
bebê não a acordasse, depois de ter adormecido pela madrugada.
Pensei nisso tudo, me senti aprisionada, apavorada e sozinha,
com os meus medos de menina. Afinal, de mãe pouco sabia. A
minha, eu mal a entendia. Queria fazer bem melhor do que ela,
que fora mãe, numerosas vezes, e sendo eu a primogênita, nada
tive da sua companhia e ternura.
E a pílula? Onde tinha ido parar?! Não, ela é 99% segura! Decidi
tirar a dúvida e esperei na cozinha que os tracinhos não aparecessem,
naquele retangulozinho, dedicado às más e boas notícias.
Rezei, chorei, esperei minutos intermináveis, quando olhei:
dois! Dois traços! Não era só um que se avistava, mas sim dois!
Duplamente horrorizada, pestanejei, abri o frigorífico, peguei
a garrafa d’água gelada e me sentei no chão. Bebi pelo gargalo
mesmo, queria me afogar na tristeza de dizer adeus à minha vida
de menina, devido a um ser desconhecido e apressado.
O maridão ficou feliz, então me deixei viver os seus planos e a
felicidade me invadiu como que sem querer.

EM - MÃES - COLECTÂNEA - IN-FINITA

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