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Ressurgiu das cinzas. Reinventou-se. Buscava um lugar que pudesse se sentir orgulhosa, realizada. Reenergizada.
Reerguida. Renovada. Era tudo muito recente, não sabia ao certo o que pensar, como fazer, que caminho seguir. Renata.
Esse era seu nome.
Renata. “Nascida outra vez, renascida”. Parece que foi batizada por seus pais já tendo seu destino traçado. Nada foi fácil na sua vida. Por mais que nunca tivesse passado por nenhum tipo de privação, desde muito nova precisou batalhar por tudo o que almejava, o que sonhava acordada.
Renata. Mais uma vez colocava à prova suas forças, suas habilidades para se superar, seu positivismo, sua capacidade de se reerguer, de se reinventar.
Após o término de seu relacionamento de 15 anos com Samuel, nunca mais se interessou por alguém. Tinha medo e ao mesmo tempo repulsa em se aproximar de um homem outra vez. Não era dessas meninas que faziam “a fila andar” com a maior naturalidade. Não mesmo. Tinha um coração de ouro, mas que foi ferido e quase derretido por ele, 5 anos mais jovem, que a traiu com a sua melhor amiga de escola.
Sempre teve paixão pela dança. Se não tivesse escolhido a carreira de professora de espanhol, certamente seguiria a carreira artística. Amava ir ao balé com sua mãe aos domingos, e desde a primeira série participava de recitais e apresentações na escola. A dança contemporânea também a atraía, mas eram as sapatilhas e o collant com saia de tule seus acessórios inseparáveis.
Quando conheceu Samuel, viu seu sonho de pertencer ao corpo de balé da sua cidade natal, Curitiba, se desfalecer. Ele era extremamente ciumento, possessivo, dizia que não concordaria jamais que um outro homem dançasse com ela, a levantasse no ar, a rodopiasse no palco, tinha total aversão a essa ideia. E Renata, apaixonada, foi cedendo aos desejos dele, e aos poucos a vontade de se tornar uma bailarina foi perdendo espaço em sua vida.
Vivia frustrada por não ter seguido adiante com seus planos, seu maior sonho da vida. Voltou, pela primeira vez depois que se separou dele, ao Teatro Municipal, a convite de um grande amigo, para assistir Copélia, que estava estreando na cidade. E era impossível disfarçar a euforia, misturada com ansiedade e uma ponta de arrependimento, por imaginar que tudo em sua vida poderia ter sido diferente. Mas não se pode voltar o tempo, apenas aprender com os erros e tentativas de acerto do passado.
O teatro estava lotado. Era verão e a cidade estava repleta de turistas de todos os cantos do mundo. Sentada ao seu lado, na segunda fileira, um rapaz que tinha traços orientais.
Como havia chegado cedo, e o teatro ainda estava vazio, resolveu puxar conversa, tentando ser simpática. “Olá, é a primeira vez aqui no Rio?”, perguntou, meio tímida e sem saber ao certo como não se mostrar atirada demais. “ Sim, eu sou peruano, de Cusco. Estou fazendo uma turnê pelo Brasil com uma peça de teatro, uma comédia musical”, respondeu Juan, um moreno alto, de mais ou menos 36 anos, cabelos curtos e barba por fazer.
Pronto. Já foi o bastante para fazer Renata imaginar e viajar nos seus pensamentos! Conversa vai, conversa vem, e as luzes se apagam para dar início a apresentação. Durante as 2 horas de balé, Renata e Juan trocaram algumas palavras, riram algumas vezes e fizeram comentários sobre o grupo de bailarinos que estavam no palco. Se sentiu tão alegre, como que viva novamente, por dividir com alguém sua maior paixão: a dança.
Saíram juntos do teatro, e, logo na saída, perceberam que caía uma chuva torrencial lá fora. E agora? Nenhum dos dois tinha um guarda-chuva, muito menos carro, e o jeito foi esperar. Resolveram, então, sentar na cafeteria e pedir um café. Dois, um pra cada um. E continuaram a conversa que haviam começado lá dentro. Já passava das 8 da noite, mas o tempo era o que menos importava para Renata agora.
Eis que, de repente, Juan se levanta da cadeira e ergue Renata no alto, segurando-a pela cintura, como se quisesse demonstrar um dos passos mais clássicos do balé. Ela, claro, ficou surpresa e, ao mesmo, se sentiu realizada. Naqueles 10 segundos, passou um filme completo pela sua cabeça.
Imaginou como sua vida teria sido se não tivesse dado aquele passo em direção ao altar. No entanto, percebeu que o destino estava lhe trazendo novas esperanças, e que Juan veio para comprovar isso.
Riram um pouco de toda aquela cena inesperada, e decidiram sair do teatro, mas a chuva insistia em continuar.
“Você, por acaso, é feito de açúcar ou papel?”, brincou Renata, sem saber se Juan havia entendido a piada ou não. “Eu, não. E você”?, retrucou o dançarino. Foi aí que, sem pensar duas vezes, Renata o agarra pela mão e o arrasta porta afora, pegando Juan de surpresa. E, como num conto de fadas, daqueles vistos somente nos filmes ou em cima dos palcos, eles dançam, rodopiam, fazem os passos que Renata sempre sonhou fazer com alguém. Debaixo da chuva, molhados, e realizados.
Ficaram ali por alguns minutos, sendo observados por curiosos que passavam por ali e os aplaudiam. Foi um momento mágico que ficará marcado pra sempre na memória de ambos. Renata renasceu. Pra vida. Pro amor.
Pra dança. Pros sonhos não realizados. Pros caminhos não percorridos. Pros desejos escondidos. Nascida de novo.
EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - COLECTÂNEA - IN-FINITA
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