quinta-feira, 2 de julho de 2020

As sacolas - CLÁUDIA LUNDGREN

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Já perdi as contas de quantas sacolas de compras carreguei na vida.
As mais levinhas, não ficam para história. A gente leva para casa alguns pães todo dia, coisas do cotidiano, ou rolos de papel higiênico, e nem sente.
Mas as mais pesadas, marcam. Ficam nos braços as riscas. A vermelhidão e o ardor nas mãos. O peso daquele amontoado de produtos acarreta-nos uma sensação de impossibilidade, mas a gente vai... A gente continua subindo a ladeira com tudo aquilo.
Paramos um pouco, descansamos, respiramos, e continuamos. Devagar e sempre, até chegarmos ao nosso destino.
E quando são muitas? Fazemos dos nossos braços verdadeiras balanças, tentando equilibrar o peso em partes iguais. Algumas no braço esquerdo, outras no direito, e lá vamos nós! Às vezes aparece alguém se oferecendo para dividir com a gente um pouco do nosso peso, e como é bom quando isso acontece! Mas na maioria das vezes, temos que nos responsabilizar pelas nossas próprias sacolas, afinal, são nossas.
Tem dias que não levamos para casa somente pães, mas muitas outras coisas que pensamos imprescindíveis. E pesadas.

Não sei se com você já aconteceu, mas comigo já.
Voltando do sacolão com bolsas cheias, uma delas arrebenta... As batatas descem pela ladeira. Não sei se as socorro e largo as outras por um minuto no chão, ou se deixo-as ir. E quando venho com as compras no ônibus? Ponho algumas sacolas no colo, outras entre os meus pés, e percebo que uma delas deitou-se e o conteúdo baila no vai-e-vem das curvas. Em um gesto solidário, os passageiros vão juntando seus pedaços espalhados pelo chão, te devolvem e são novamente postos na sacola.
Imagine, os anos passando, quantas sacolas carregadas. Quanto peso, quanta marca nos braços.
Quantas batatas já rolaram, quantos bens subtraídos. Algumas vezes te ajudaram a levar, mas em sua maioria, era você, exclusivamente você, que subia a ladeira, as escadas, que passava na roleta, que colocava no colo ou apoiava em seus pés.
Afinal, eram suas.
E surgiram as protusões discais, as artroses nos joelhos, as tendinites, e outras consequências. O cansaço, a rotina. Eu enchia o meu carrinho.
Imaginava não sobreviver sem certas coisas que hoje nem carrego mais. Deixo de levar tudo aquilo que preciso, de uma só vez, porque já não consigo.
Cada dia compro um pouquinho. Às vezes me percebo pensando que muitos males eu poderia ter evitado se eu tivesse sempre agido assim. O tempo passa, as forças diminuem, mas a experiência aumenta. O tempo passa, e você deixa as batatas rolarem.

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - COLECTÂNEA - IN-FINITA

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