segunda-feira, 20 de julho de 2020

A queda do beija-flor - MARIÂNGELA ROCHA TOLOI CARDOZO

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Em vôos planejados, procuro flores de desejo e espécies desconhecidas de afetos. Beija-flor sem asas, alço vôo, ignorando que estou voando, procuro corolas abertas, prontas para receber carícias. Sorver o mel acelera o movimento das asas, entorpece a cabeça e leva o vôo fugaz ao delírio. Andraceu e Gineceu participaram da orgia misturando-se à nuvem de pólen, no rito da reprodução.
Satisfeito, plano feliz entre coloridas mentiras.
Atraído por um vermelho-fogo de dois olhos perturbadores, trombei numa transparência-rígida! O impacto me fez escorregar até o chão e, cheio de susto e espanto, descobri que não tinha pernas.
Apaixonei-me por uma flor enferma que não tem “bem-me-quer”, apenas o “mau-me-quer” de amarguras e medos sentidos, pétalas arrancadas sem dó. A dor a fez fechar-se numa redoma para se proteger das pragas do amor. Muralha-solidão!
Que ilusão! O amor é volátil, entra!
Eu fui (a)traído por aqueles olhos confusos cheios de fogo, mas olhos não traem, se há fogo neles há fogo no corpo. Fui envenenado!
Pela fenda aberta na minha carne goteja amor com gosto de dor.
Dor que se ”va enredando como en el muro la hiedra y va brotando como el musguito em la piedra”.
Dor crônica é alerta de vida, nessa confusa humanidade. E eu, passarinho que beija-flores, aprisionei a minha liberdade de voar e de beijar, à conquista desses olhos.
Ilusão de ótica!
Eu sou do vento, não pertenço à terra, e agora estou condenado a ser um verme alado que não pode voar, apenas rastejo do lado de cá do vidro que nos separa. 
Ainda sonho que decolo de montes distantes como uma asa delta em voo livre, mas todo lugar se transformou em qualquer lugar, aterrisso nas mesmas dores aonde quer que eu vá.
Na tentativa do renascer da Fênix, arranco minhas penas, mas, apenas consigo escrever com elas, poemas, molhando no sangue da cor de todas as flores que beijei e que corre nas minhas veias em direção ao mar.

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - COLECTÂNEA - IN-FINITA

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