sábado, 27 de junho de 2020

“Laroyê, Vô” -ANAMARIA ALVES

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A melhor máquina de fotografar são os olhos. Os meus, marejados de lágrimas embaçam a visão da pena e do papel. Mas escrevo. Vovô. Patriarca Quilombola. Meu infinito. Aquele que deixou a roça em busca de vida melhor, e de tanto teimar com a fome e com a morte, conseguiu. E me deixou grande herança. Durante o dia meu avô trabalhava na ferrovia Central do Brasil, as noites virava trabalhando como sapateiro.
Um dia, presenciou a morte de um colega de trabalho. Naquela noite dormiu de tristeza e cansaço. E em sonho viu seu irmão, que fôra esmagado por uma pedra no Quilombo Chacrinha dos Pretos. O menino meu avô não se sabia herói. Não até entender que, ao invés de chorar, precisava retirar os restos do irmão dali, carregar e aquecer com seu próprio calor o estraçalhado corpo do irmãozinho. Quem sabe se benzerem ele, o menino volta? Não voltaria. E Geraldinho seria o portador da notícia ruim. Pois foi. Coberto de sangue e sem chorar. Tinha 10 anos.
Acordou. Reuniu os filhos e foi teimar mais uma vez com o destino.
O destino que dizia que preto não podia estudar.
O destino que dizia que preto não era gente e que filho de quilombo era escravo.
Naquela manhã contou aos filhos o ocorrido na Chacrinha de sua infância e foi trabalhar.
À noite voltou com pacotes de livros e os entregou aos filhos. Meu pai em especial lembra-se claramente das palavras de meu avô:
– Filho, isso é tudo o que eu posso te dar.
Vovô Geraldo, o senhor selou o destino dos seus filhos e dos filhos de seus filhos. Quando em infância-dor, levantou aquela enorme pedra, vô menino tornou-se rocha. Seguimos aqui da Terra, teimando com a vida e com a morte graças ao seu exemplo de herói. Amor definia seus olhos de açúcar e cabelos de algodão. Eu te amo para além do sempre, meu Preto Velho.

Anamaria Alves, sobre o patriarca dos amores da minha vida, família!

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - COLECTÂNEA - IN-FINITA

1 comentário:

  1. Esse foi meu avô heroi e guerreiro. Não poderia ter alguém melhor para contar essa história do que vc mana, salve nosso guerreiro, laroiê nosso vovô Geraldo.

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