quinta-feira, 18 de junho de 2020

A casa e o tempo - PAULA VALÉRIA ANDRADE

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO POR IN-FINITA
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A desconservação de uma casa arrasa.
Traz traças, baratas, paredes descascadas, mofadas, restos, ratos, rastros de areia, furadas peneiras, ralos fedendo, teias, mofos, ninhos, esgotos e cobras. Aranhas. Sobras, cacos quebrados, velhos retratos, tijolos partidos, papéis sumidos, molhados, rasgados, sonhos afogados, telhados quebrados, goteiras, sujeiras, poeiras.
Esgota o acúmulo de pó de uma vida inteira.
Livros estragados, empilhados, mofados, vidros estilhaçados, cacos, cadeados sem chaves, grades trancadas, emperradas, mais graves ferrugens em desuso, portas rangendo todo tipo de abandono e abuso.
Lascas e pedaços de cimento rachado, entupimento, tudo quebrado. Arrebentado. Ruínas sem retorno. Capim alto. Tudo alagado. Cupim nas madeiras. Erva daninha, muro acima. Sem eira nem beira. Entulho de sucatas. Acúmulos do nada.
Foi o fim do refúgio. Acabou, o que era doce. Fosse o que fosse.
A cada pôr do sol vinham flores!
Agora ao pó, retornam as ruínas.
Inventário de sabores.
Memorial de amores.

[P.S. O jardim virou estacionamento feito de cimento]

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - COLECTÂNEA - IN-FINITA

2 comentários:

Toca a falar disso