O Amor se Aprisionou
Até hoje, os escritos mais bonitos que
já li falavam de amor. Mas hoje não posso falar sobre ele. Hoje, sinto que ele
está distante, aprisionado, atarefado em descobrir novas tarefas a cada
momento: assim se mantém ocupado, fixo, longe de deprimir-se. Hoje não. O que
posso falar de mais belo é sobre ele, o tempo.
O amor precisa de dois, ou mesmo de um.
De pelo menos um para que exista. De um que possa senti-lo e nominá-lo amor. O
tempo não. O tempo corre com as voltas do planeta, com o crescimento das plantas,
com o desgaste das rochas, com o apodrecimento dos corpos e de tudo que um dia
teve vida. O tempo leva a vida e nutre outra. Cronos devorou vidas e deixou uma
lição: nada sobrevive ao tempo. Tempo é rei, tempo é lei. Hoje estou
aprisionada com o amor, com a esperança, com a melancolia e vejo o tempo livre
nas ruas, e essas vazias. O rei está percorrendo as calçadas e devorando os
filhos que encontra pela frente.
Tudo o que está além da compreensão
humana deve ser respeitado. Se não acredita no tempo, ao menos o respeita.
Deixe que passe pelas ruas. Deixe que leve os dias que precisar. Sua comitiva é
longa e não perdoa os humanos. Somos um sopro diante da imensidão do Tempo.
Como alguém que se respeita, digo que é democrático, leva embora
independentemente de religião, nacionalidade, raça ou cor. Como alguém que se
teme, carrega consigo os velhos, os anciãos, aqueles que julgar conveniente
colocar em sua sábia comitiva – o Tempo é tirano.
Os desavisados alertam: onde está a
ameaça invisível? Olho e nada vejo! Não há o que temer. Pois bem. Coloque-se
diante do artefato mais tenaz já construído pela humanidade: a ampulheta. Fique
diante dela e repare como a areia se esvai no orifício. Agora perceba que já
não é o mesmo desde que ela começou a despencar. Perceba como, se virar a
ampulheta, centenas, milhares de vezes a apreciar a dança das areias, não será
o mesmo. Será consumido pela voracidade dele, do Tempo. Será, sobretudo, tolo.
Nem tudo que podemos conhecer é visto. Talvez seja a maior vantagem do amor sobre
o tempo – o amor sentimos com mais facilidade e, se destrói o corpo, é com
nosso consentimento alegre.
O
amor se aprisionou.
O
tempo corre solto nas ruas. Deixe que passe.
Mariana
Virgínia Moretti Carvalho
Todos os textos publicados na rubrica EM TEMPOS DE QUARENTENA são da responsabilidade exclusiva dos autores e os direitos respectivos apenas a eles pertencem.
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