quarta-feira, 1 de abril de 2020

Em tempos de quarentena - MARIANA VIRGÍNIA MORETTI


O Amor se Aprisionou

Até hoje, os escritos mais bonitos que já li falavam de amor. Mas hoje não posso falar sobre ele. Hoje, sinto que ele está distante, aprisionado, atarefado em descobrir novas tarefas a cada momento: assim se mantém ocupado, fixo, longe de deprimir-se. Hoje não. O que posso falar de mais belo é sobre ele, o tempo.
O amor precisa de dois, ou mesmo de um. De pelo menos um para que exista. De um que possa senti-lo e nominá-lo amor. O tempo não. O tempo corre com as voltas do planeta, com o crescimento das plantas, com o desgaste das rochas, com o apodrecimento dos corpos e de tudo que um dia teve vida. O tempo leva a vida e nutre outra. Cronos devorou vidas e deixou uma lição: nada sobrevive ao tempo. Tempo é rei, tempo é lei. Hoje estou aprisionada com o amor, com a esperança, com a melancolia e vejo o tempo livre nas ruas, e essas vazias. O rei está percorrendo as calçadas e devorando os filhos que encontra pela frente.
Tudo o que está além da compreensão humana deve ser respeitado. Se não acredita no tempo, ao menos o respeita. Deixe que passe pelas ruas. Deixe que leve os dias que precisar. Sua comitiva é longa e não perdoa os humanos. Somos um sopro diante da imensidão do Tempo. Como alguém que se respeita, digo que é democrático, leva embora independentemente de religião, nacionalidade, raça ou cor. Como alguém que se teme, carrega consigo os velhos, os anciãos, aqueles que julgar conveniente colocar em sua sábia comitiva – o Tempo é tirano.
Os desavisados alertam: onde está a ameaça invisível? Olho e nada vejo! Não há o que temer. Pois bem. Coloque-se diante do artefato mais tenaz já construído pela humanidade: a ampulheta. Fique diante dela e repare como a areia se esvai no orifício. Agora perceba que já não é o mesmo desde que ela começou a despencar. Perceba como, se virar a ampulheta, centenas, milhares de vezes a apreciar a dança das areias, não será o mesmo. Será consumido pela voracidade dele, do Tempo. Será, sobretudo, tolo. Nem tudo que podemos conhecer é visto. Talvez seja a maior vantagem do amor sobre o tempo – o amor sentimos com mais facilidade e, se destrói o corpo, é com nosso consentimento alegre.
O amor se aprisionou.
O tempo corre solto nas ruas. Deixe que passe.

Mariana Virgínia Moretti Carvalho


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