sábado, 4 de abril de 2020

Em tempos de quarentena - ALVARO GIESTA


 [o medo vive atulhado no medo]
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De olhos secos, onde as lágrimas se esgotaram
de tanto ter chorado, choro sobre os festivais
das matanças que ficaram impunes.
Corre a morte no medo da insegurança;
destrói fronteiras de sonho
este medo permanente que existe no ar.
Trancam-se as portas
que sempre estiveram abertas para os amigos
poderem entrar - cerram-se os peitos
aos incendiados olhares que espiam o medo
com medo do inimigo invisível
que se oculta em cada esquina à espera de matar.
Vultos sem rosto com medo de se tocarem
tropeçam no sítio onde vivem à espera da morte.
Este bairro vazio permanece apagado; vive-se
com medo de aqui viver - ontem, respirava-se
no meu bairro a noite como se fosse dia;
hoje, vive-se nele o dia em noite antecipada.
No meu bairro o medo vive atulhado no medo
- como a azeitona acamada em excesso na tulha
até ir a esmagar para a safra - aflige-me este medo
que espreita nas casas de janelas e portas trancadas
com medo das asas do anjo negro da morte:
- vampiro que a todo o momento nos vem abraçar.
O melro, que manhã cedo desgrenhava fio a fio
as ervas do jardim à procura da larva distraída,
fugiu a esconder-se em sítio escuro com medo
de morrer - só os incautos desafiadores da morte
se incendeiam na nudez de fúlgidos alvores
e intemeratas paixões diluvianas.  

autor: Alvaro Giesta (para "a noite dilacerada")


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