Paramos. E
depois?
Paramos.
De agredir o
meio ambiente. Com as nossas poluições pessoais, industriais e sonoras.
Controlamos os nossos impulsos consumistas e percebemos que não precisamos
estar todos os dias em centros comerciais ou todas as semanas no cabeleireiro.
Percebemos que aquela dieta para manter a forma, já não é mais tão importante,
enquanto tantos lutam pela vida.
E que ir
àquele restaurante ou passeio e depois partilhar no facebook, perdeu o
significado, enquanto tantos perdem o emprego ou passam dificuldades.
(Mas o
desemprego, a fome, as dificuldades, as doenças não estiveram sempre perto de
nós?)
Paramos.
Para perceber
o quanto somos covardes e egoístas.
Enquanto
profissionais de saúde definham, ultrapassam seus limites, isolam-se de suas
famílias para salvar-nos, estamos ainda resistentes em permanecer no sofá.
Incomoda-nos
passar todas as nossas horas ao lado dos nossos filhos, maridos ou esposas,
pais idosos, ou mesmo sozinhos em casa, repensando o nosso mundo. Incomoda-nos
a responsabilidade de nos percebermos como parte de um todo, que se chama
humanidade.
Paramos.
Assistimos a
tudo com distanciamento, como expectadores de um filme que não nos atingirá. E
ainda, muitos de nós não conseguem perceber a gravidade dessa situação. O maior
sentido disso tudo, o recado da vida. A necessidade de uma mudança de atitudes,
de pensamentos, de vivências.
Percebermos
que nada é mais importante do que a nossa saúde e a de quem nos cerca. O resto
torna-se insignificante, diante da dor, da perda, da doença, da imobilidade.
Paramos.
Não é tempo
para festas ou férias. É tempo para repensar o mundo. Repensar quem somos, o
que fazemos e como podemos contribuir para que nossos netos tenham um lugar
digno para viver. Repensar nosso cotidiano, nossa forma de estar, enquanto
indivíduos, família, profissionais, seres humanos. Não é tempo para
irresponsabilidades, inconsequências ou indiferenças. Precisamos amadurecer,
crescer, e somos postos à prova diariamente, com as notícias que nos chegam, de
todas as formas.
Paramos.
Será que
paramos para olhar para dentro de nós, para os lados? Para além da nossa janela
ou dos muros? Será que paramos para lembrar daquele vizinho solitário, daquela
família necessitada, daquela criança doente, tão perto de nós?
Será que estamos
mesmo, no nosso dia a dia, conseguindo mudar a nossa forma de estar? De
perceber?
Paramos.
Mas... e
depois?
Vamos
esquecer os mortos, o desgaste dos governantes, os profissionais de todas as
áreas que estão segurando toda essa crise colocando-se em risco para o caos e o
desespero não ser instaurado? Vamos esquecer a solidariedade desses dias? Vamos
esquecer o Humanismo e sentido de sobrevivência que tomou conta de nós? Vamos
esquecer a união fraterna entre países que se ajudam? Vamos esquecer toda essa
dor espalhada pelo mundo? Vamos esquecer os pedidos de ajuda? Essa tristeza de
ver a vida ameaçada? As ruas desertas?
Vamos voltar
a caminhar olhando para o telemóvel, correndo pelas ruas, consumindo o que não
pudemos consumir nesses dias de confinamento, fazendo filas nos restaurantes,
correndo para as praias, cinemas, concertos, museus, outras cidades,
atropelando a vida, porque nos obrigou a parar?
Parei.
Parei para
lembrar que estou há 18 dias em casa, e ainda não consegui fazer nada significativo
para dizer: contribui, dediquei-me, salvei vidas, ajudei. Apenas fico aqui,
assistindo a tudo como se não fosse parte de mim, rezando pela nossa salvação,
comovida com as estórias que ouço e vejo, organizando o meu trabalho e olhando
para a janela, pensando na praia onde não posso ir, ou no chocolate que tenho
que deixar de comer.
Parei para
lutar contra o vírus do meu egoísmo, da minha inércia, do meu materialismo, da
minha cegueira. Hoje parei para refletir, e fui contagiada por esse sentimento
de revolta pela minha insignificância e falta de fraternidade. Acho que dentro
de casa presto homenagem aos agentes de saúde, pois sou menos uma, em uma cama
do hospital. Que sou patriota ao seguir rigorosamente as determinações do
governo. Que ao fazer uma doação online, contribui imensamente para aquele que
precisa. Que ao estar otimista mantenho a energia positiva do planeta. Que ao
manter o nosso trabalho, somos menos três a pedir ajuda.
E fico
lutando para não pensar, nas contas a pagar, nos eventos cancelados, nos livros
que se acumulam, enquanto o lutar pela vida é o assunto do dia. E todo o resto
parece sem sentido.
Parei para
ver o meu cotidiano, me olhar no espelho, no avesso de mim. Enquanto o estar em
casa parece sinônimo de abandono e solidão, e todos procuram convívio virtual,
tenho necessidade de olhar mais para os meus: O marido ao lado, a filha no
quarto, os sogros na sala. Conversar mais com a família ao longe e alguns
amigos mais próximos e pedir desculpas aos outros por não estar conectada todo
o tempo nas redes sociais. Há uma necessidade de me afastar, mergulhar nos
livros, nos filmes, e fugir dessa avalanche de mensagens, correntes, vídeos que
são repassados. Cansada de repetir o que todos já sabem. Parei para pensar nas
atitudes que critico e faço igual, contaminada por esse vírus dos nossos tempos
modernos. E da minha vaidade feminina. Da minha pequenez como ser integrante
desse novo mundo em que vivemos.
Paramos.
Entre o ontem
e o amanhã, o que está acontecendo nesse intervalo? E quanto tudo isso passar?
O que vamos fazer com essa parte da nossa história?
Parei.
Aguardando o
verão para estar mais magra, mais bronzeada, mais alegre? Abraçar os amigos?
Trabalhar mais para recuperar o tempo perdido?
O que tenho
feito além de olhar para mim?
Adriana
Mayrinck
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