terça-feira, 26 de novembro de 2019

O CONTRATO DO PASTOR - ERNESTO FERREIRA

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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“Era uma vez um pastor que tinha esse ofício desde que se conhecia.
Os pais tinham morrido, era ele ainda criança, e houve uns vizinhos que tomaram conta dele. Na aldeia não havia escola e as crianças começavam a trabalhar logo que tinham um pouco de tino.
Este pastor foi então para casa desses vizinhos, lá no alto da montanha. Fazia todos os trabalhos, que eram a fonte de rendimento dos seus tutores. Mas principalmente fazia o ofício de pastor.
Todos os dias, logo pela “manhão”, quer fizesse frio ou calor, lá ia ele serra acima para as melhores pastagens.
Escola e Igreja nem sabia o que isso era. O mundo para ele era a família com quem vivia, ou melhor, pernoitava, as ovelhas e cabras, o cachorro que o ajudava na guarda e condução das ovelhas e a serra com todo o seu esplendor. Duma cana tinha feito uma flauta com a qual aquecia a alma e também servia para dar ordens ao rebanho. Ordens tão firmes como as dadas pelo estridente assobio com o qual também interpretava os sons do vira e da gota - danças e cantares tradicionais.
E a vida ia correndo sem novidades. Mas um dia em que resolveu levar o rebanho para um local mais distante, viu ao longe um grupo de pessoas que desciam a serra. Intrigado resolveu perguntar- lhes de onde vinham e para onde iam. Então uma das pessoas explicou: Nós vivemos no alto da serra e vamos para a aldeia ao Confesso da Páscoa. O nosso pastor perguntou: O que é o Confesso da Páscoa? Ao que a pessoa respondeu: Nós vamos ajoelhar em frente ao Senhor Padre, contamos as coisas que não devíamos fazer e os pensamentos maus que nos vieram à cabeça. O Senhor Padre então dá-nos uma penitência que, depois de cumprida, nos limpa dos pecados. Quem não se confessar é como um animal, concluiu o passante ao mesmo tempo que o animava a ir confessar- se. O pastor lembrou-se que costumava, às vezes, roubar uma ou outra “chouricita” aos seus tutores e que um dia tinha pensado fugir para correr mundo e entendeu que talvez fosse bom ser perdoado.
Juntou-se ao grupo e lá vai ele para a Igreja. Chegado aí viu as mulheres a colocar as saias pela cabeça, encostarem-se a um armário com rede e aí falarem com o Sr Padre. Ele fez o mesmo. Como não tinha saia colocou a manta pela cabeça e disse ao Senhor Padre o que entendia como seus pecados.
O confessor então, e pela gravidade dos “pensamentos e obras”, aplicou-lhe a penitência a cumprir: durante um ano tinha que viver apenas com pão e água. Ele aceitou, mas começou a pensar: pão ainda vá que não vá, mas água é que não pode ser; este contrato não me serve. Esperou que o Padre saísse do confessionário e perante a admiração dos penitentes que estavam na Igreja disse: Oh senhor de saia preta que estava naquele “curtelinho”. E repetiu: Oh senhor da cabeça rapada!
Logo que o Senhor Padre ficou atento, disse-lhe: Olhe, se quiser o contrato a pão e leite, muito bem; senão “ca..e” no contrato.

EM - MIGUEL, NO EXTREMO DA ESTREMA - ERNESTO FERREIRA - IN-FINITA

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