quinta-feira, 5 de setembro de 2019

DEZ PERGUNTAS CONEXÕES ATLÂNTICAS A... - TCHELLO D'BARROS

Agradecemos ao autor TCHELLO D'BARROS pela disponibilidade em responder ao nosso questionário


1 - Como se define enquanto autor e pessoa?

Acredito que exista sempre uma lacuna entre nossa auto imagem e como de fato as pessoas nos percebem. Parece que somos um pouco esse misto entre a pessoa que emerge no espelho com aquela que propalamos nas redes sociais, enquanto que nosso semelhantes vão em paralelo tecendo um silente perfil de nossa persona pública a partir do que pensamos, dizemos e principalmente do que fazemos. Então, incapacitado em aqui definir-me, no máximo posso confidenciar como me sinto, e neste caso sinto-me como alguém comprometido com o fazer cultural, um modesto missionário envolvido com as linguagens artísticas, um trabalhador das artes ou um operário da cultura. Como autor, já é diferente, pois o mais sensato talvez seja considerar que nossos textos digam - nas entrelinhas das entrelinhas – quem de fato somos. Minha produção textual caminha ao longo da carreira nos trilhos da Prosa e da Poesia, mas a viagem é a mesma. São contos, crônicas, o segundo romance a caminho, e um caudal de poemas que se multifaceta em trovas, sonetos, haicais, cordeis, versos livres e até poesia visual. Penso que o importante não é tanto a forma, mas de que forma podemos repassar ao leitor, através de um texto, a replicação da experiência que sentimos com o fenômeno poético.


2 - O que o inspira?

O conceito de inspiração é bastante amplo – ainda mais no terreno literário – considerando-se o quanto são diferentes os processo criativos e o quanto variam de escritor para escritor. No meu caso, as coisas não acontecem tanto pela via mais convencional da chamada inspiração. Normalmente algum assunto começa a me inquietar, começa a se repetir por algum tempo e vou percebendo sinais aqui e ali no cotidiano que acabam convergindo para aquele assunto e assim vão surgindo fragmentos de pensamentos, esboços de frases, imagens, e isso tudo vai formando uma abordagem pessoal sobre aquele tema. Chega uma hora que isso vai para o papel, para a etapa dos rascunhos, da elaboração do texto, a criação dos versos, caso seja um poema. Escrevo inicialmente sempre no papel, pois há uma organicidade no gesto da manuscritura, que facilita a e até estimula a escrita. E assim vão surgindo meus textos que falam sobre nossa experiência nesse mundo, sobre as relações afetivas, situações inusitadas do cotidiano, pessoas singulares que vamos conhecendo ao longo da vida, fé, arte, tempo e a vida em sociedade e até a vida sexual dos nudibrânqueos... Esses são alguns assuntos que, se não me inspiram, ao menos me estimulam a seguir tecendo as mais de mil páginas que tenho produzido, numa sina em que pretendo seguir em direção a esse horizonte que sempre se prolonga, prolonga, prolonga...   


3 - Existem tabus na sua escrita? Porquê?

Prefiro dizer que existe uma assertividade tanto na escolha das formas quanto na abordagem dos temas que são destilados em verso e prosa. Os chamados tabus são assim considerados de forma muito desigual, dependendo muito do arcabouço do leitor, esse personagem sempre indefinido. É tabu para quem? Quando José Saramago escreveu “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” algumas correntes retrógradas e conservadoras consideraram tabu, heresia e mesmo outros adjetivos menos elegantes, mas a comunidade acadêmica, os ateus, o leitorado erudito e o júri do Nobel consideraram a obra prima do autor.  Então, independente das opiniões heterogêneas que possam surgir, parece que o coerente é o autor seguir tecendo seu texto, com sinceridade e com a profundidade que lhe for possível. Os eventuais julgamentos posteriores são algo que não pertencem ao autor, pois a própria obra ao ser publicada, num certo sentido, também já não lhe pertence mais.


4 - Que importância dá às antologias e colectâneas?

Embora esse tipo de publicação tenha perdido o charme e a relevância de outrora, de antes da era digital, ainda é uma forma de se fazer a produção literária de muitos autores chegar aos leitores. No Brasil, grassa o equívoco de titular coletâneas como antologias, são coisas diferentes, sobejamente em publicações alternativas, cooperativadas e principalmente aquelas que não têm um conselho editorial para a seleção das obras. Não são raros os casos em que os autores pagam para participar e os que possuem maior poder aquisitivo podem comprar mais páginas para veicular suas veleidades literárias. O resultado quase sempre são publicações belíssimas em termos de produção editorial – o objeto livro – e muito pobres em termos de qualidade literária. Um editor me contou que via de regra são textos de poetas de fim-de-semana e pessoas de meia idade que já plantaram uma árvore e fizeram um filho, agora só faltaria publicar um livro, então começam publicando suas escrevinhações em blogs e coletâneas impressas. Dificilmente se verá um desses recebendo um prêmio Jabuti ou o Camões. Ainda assim, quando o projeto é realizado por pessoas idôneas, quando há preocupação com a qualidade da escrita, digo que vale a pena participar.


5 - Que impacto têm as redes sociais no seu percurso?

Sinto-me um peixe na rede, enredado até o pescoço nas malhas virtuais de um oceano digital onde vida e obra se fundem, onde realidade e virtualidade se confundem e as relações se ampliam para outras águas e novos cardumes de leitores. Lembro agora que quando surgiu o Twitter, a primeira coisa que fiz lá foi fazer uma versão virtual de minha exposição de Poesia Visual “Convergências”. Cada imagem, uma postagem. Desde que surgiu a comunicação via códigos simbólicos, os autores têm usado as mídias de seu tempo, fossem as tabuinhas com letras prensadas na argila, fossem os rolos de pergaminhos ou a prensa medieval. Se em nosso tempo e lugar temos as mídias digitais e as redes sociais virtuais, não há motivos para o autor hodierno não usá-las. E, a profusão de novas tecnologias e equipamentos está aí para potencializar a veiculação da produção autoral contemporânea, aproximando criadores e consumidores, fazendo girar mais rápida a grande roda da literatura.


6 - Quais os pontos positivos e negativos do universo da escrita?

O ponto positivo é o sinal de dois-pontos, pois nos deixa atentos para algo surpreendente que está por vir. E o ponto negativo é o ponto final, pois é sinal de que acaba de acabar aquele prazer estético que aquele texto estava nos proporcionando... Brincadeirinhas a parte, talvez seja válido lembrar que, nesse universo, estamos num tempo em que nunca se escreveu tanto, nunca se publicou tanto e por isto mesmo, ampliou-se a oferta e a diversidade de estilos, propostas, gêneros, hibridismos e experimentações textuais. E, quem ganha com isso são os leitores, que tem muito mais opções para seu deleite e fruição. Um ponto que, se não é negativo ao menos deve se tornar um debate em aberto, são as políticas públicas para a publicação autoral, que são sempre reduzidas, deficitárias e sem alcançar a demanda existente.

7 - O que acredita ser essencial na divulgação de um autor?

A própria pergunta já apresenta uma resposta, ou ao menos um problema de nosso tempo atual. As pessoas se tornaram produtos de si mesmas, as pessoas são consumidas, seguidas nas redes, onde o personalismo se tornou uma marca de nossos dias, um aspecto de nossa recente pós-modernidade. Se em algum momento anterior a esta era, a força na divulgação concentrava-se mais na obra, hoje o foco é a pessoa. Não importa mais tanto o autógrafo no lançamento, importa mais a selfie, uma foto com quem está lançando o livro. Isto implica dizer que do ponto de vista do autor, sempre haverá em termos essenciais, uma preocupação com a qualidade da escrita, enquanto que as editoras se preocuparão com a qualidade do produto, o marketing editorial e sua distribuição. E ao leitor caberá em essência, ser afetado por tais divulgações e fazer a aposta em escolher este ou aquele autor para seu prazer literário.


8 - Quais os projectos para o futuro?

Já é. Meu projeto para o futuro já está acontecendo no presente e tem sido resgatar o passado.  É que venho aos poucos resgatando minhas publicações – sete livros publicados e esgotados e também textos diversos em dezenas de antologias, coletâneas e livros didáticos – produzindo edições revistas e ampliadas no formato de e-books. Esta tem sido minha estratégia em providenciar para que meus textos permaneçam e cheguem até novos públicos. Para além disto, debato-me no desafio de concluir um novo romance que venho escrevendo a parir das experiências do período em que vivi na Amazônia. O futuro é incerto sempre, mas devo voltar aos poucos a ministrar oficinas literárias em diversas instituições no intuito de capacitar pessoas interessadas em desenvolver sua escrita. Quanto à produção cotidiana de poemas, crônicas e contos, bem isso vai continuar se espalhando por aí, nas mais diversas mídias.


9 - Sugira um autor e um livro!

Sugiro “A Epopeia de Gilgamesh”, considerado por muitos como o mais antigo texto literário. Não se sabe a autoria mas a obra foi constituída de fragmentos de tradições orais da cultura suméria na antiga Mesopotâmia, ali para os lados do que hoje se conhece como Iraque.   


10 - Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?

Nunca me perguntaram: quem é você? E se perguntassem, não sei se eu responderia o seguinte: sou o demiurgo de um sonho metafísico numa sanha idiossincrática, sincrética, em sinas de acasos e insanos ocasos de êxtases. Meu signo, uma esfinge estática, estética, cujos olhos desatam a linha do horizonte entre mantras e tantras. Viajor fugaz em trânsito entre o inusitado e o insólito, riscando a abóbada celeste nas asas do sublime. Na mão direita, os nomes das potestades, e na esquerda a chave das comportas do tempo. No lado escuro da lua, um quasar pulsante ilumina a passagem dos meus cometas feéricos, enquanto minhas musas celebram núpcias no palco de um teatro diáfano, ora sacro, ora profano. Nos olhos, mandalas quânticas que se fecham para poder ver as auroras edênicas. Na voz, jaz uma espada flamígera, um grito em lume de neon, raio de aura púrpura, hálito de tântalo e saliva de cicuta. Nas veias, uma torrente violácea, âmago de magma rubro, caudal de labareda ígnea em ascese de volúpias e olores de âmbar. Meu ofício, esse cotidiano jardim onírico, sem jade ou alabastros, erige um labirinto de epifanias com pétalas das letras com as quais construo templos de enlevos, pontes de estesias e umbrais de alumbramentos. Tenho convidado bem poucos para essa festa, mas os que sabem com quantos abraços se escreve a palavra arte, bem, esses tem acesso garantido nesse sarau tão inefável quanto infinito.

2 comentários:

  1. Gente querida,
    agradeço aos coordenadores da Editora In-Finita, do projeto lusófono Conexões Atlânticas e do site Toca a Falar Disso, pela entrevista e pelas nossas conexões literárias, editoriais e principalmente afetivas.

    Aos leitores da entrevista, com muito respeito, minha mais sincera gratidão.
    Mais que as ondas do oceano que nos separam, estas são ondas online que nos mantém em diálogo e rumando no mesmo barco da arte e da cultura.

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    1. Gratos ficamos nós pela disponibilidade e apoio participativo.

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