Agradecemos ao autor TCHELLO D'BARROS pela disponibilidade em responder ao nosso questionário
1 - Como
se define enquanto autor e pessoa?
Acredito
que exista sempre uma lacuna entre nossa auto imagem e como de fato as pessoas
nos percebem. Parece que somos um pouco esse misto entre a pessoa que emerge no
espelho com aquela que propalamos nas redes sociais, enquanto que nosso
semelhantes vão em paralelo tecendo um silente perfil de nossa persona pública
a partir do que pensamos, dizemos e principalmente do que fazemos. Então,
incapacitado em aqui definir-me, no máximo posso confidenciar como me sinto, e
neste caso sinto-me como alguém comprometido com o fazer cultural, um modesto missionário
envolvido com as linguagens artísticas, um trabalhador das artes ou um operário
da cultura. Como autor, já é diferente, pois o mais sensato talvez seja
considerar que nossos textos digam - nas entrelinhas das entrelinhas – quem de
fato somos. Minha produção textual caminha ao longo da carreira nos trilhos da
Prosa e da Poesia, mas a viagem é a mesma. São contos, crônicas, o segundo
romance a caminho, e um caudal de poemas que se multifaceta em trovas, sonetos,
haicais, cordeis, versos livres e até poesia visual. Penso que o importante não
é tanto a forma, mas de que forma podemos repassar ao leitor, através de um texto,
a replicação da experiência que sentimos com o fenômeno poético.
2 - O
que o inspira?
O
conceito de inspiração é bastante amplo – ainda mais no terreno literário –
considerando-se o quanto são diferentes os processo criativos e o quanto variam
de escritor para escritor. No meu caso, as coisas não acontecem tanto pela via
mais convencional da chamada inspiração. Normalmente algum assunto começa a me
inquietar, começa a se repetir por algum tempo e vou percebendo sinais aqui e
ali no cotidiano que acabam convergindo para aquele assunto e assim vão
surgindo fragmentos de pensamentos, esboços de frases, imagens, e isso tudo vai
formando uma abordagem pessoal sobre aquele tema. Chega uma hora que isso vai
para o papel, para a etapa dos rascunhos, da elaboração do texto, a criação dos
versos, caso seja um poema. Escrevo inicialmente sempre no papel, pois há uma
organicidade no gesto da manuscritura, que facilita a e até estimula a escrita.
E assim vão surgindo meus textos que falam sobre nossa experiência nesse mundo,
sobre as relações afetivas, situações inusitadas do cotidiano, pessoas
singulares que vamos conhecendo ao longo da vida, fé, arte, tempo e a vida em
sociedade e até a vida sexual dos nudibrânqueos... Esses são alguns assuntos que,
se não me inspiram, ao menos me estimulam a seguir tecendo as mais de mil
páginas que tenho produzido, numa sina em que pretendo seguir em direção a esse
horizonte que sempre se prolonga, prolonga, prolonga...
3 - Existem
tabus na sua escrita? Porquê?
Prefiro
dizer que existe uma assertividade tanto na escolha das formas quanto na
abordagem dos temas que são destilados em verso e prosa. Os chamados tabus são
assim considerados de forma muito desigual, dependendo muito do arcabouço do
leitor, esse personagem sempre indefinido. É tabu para quem? Quando José
Saramago escreveu “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” algumas correntes
retrógradas e conservadoras consideraram tabu, heresia e mesmo outros adjetivos
menos elegantes, mas a comunidade acadêmica, os ateus, o leitorado erudito e o
júri do Nobel consideraram a obra prima do autor. Então, independente das opiniões heterogêneas
que possam surgir, parece que o coerente é o autor seguir tecendo seu texto,
com sinceridade e com a profundidade que lhe for possível. Os eventuais
julgamentos posteriores são algo que não pertencem ao autor, pois a própria
obra ao ser publicada, num certo sentido, também já não lhe pertence mais.
4 - Que
importância dá às antologias e colectâneas?
Embora
esse tipo de publicação tenha perdido o charme e a relevância de outrora, de
antes da era digital, ainda é uma forma de se fazer a produção literária de
muitos autores chegar aos leitores. No Brasil, grassa o equívoco de titular
coletâneas como antologias, são coisas diferentes, sobejamente em publicações
alternativas, cooperativadas e principalmente aquelas que não têm um conselho
editorial para a seleção das obras. Não são raros os casos em que os autores
pagam para participar e os que possuem maior poder aquisitivo podem comprar
mais páginas para veicular suas veleidades literárias. O resultado quase sempre
são publicações belíssimas em termos de produção editorial – o objeto livro – e
muito pobres em termos de qualidade literária. Um editor me contou que via de
regra são textos de poetas de fim-de-semana e pessoas de meia idade que já
plantaram uma árvore e fizeram um filho, agora só faltaria publicar um livro,
então começam publicando suas escrevinhações em blogs e coletâneas impressas.
Dificilmente se verá um desses recebendo um prêmio Jabuti ou o Camões. Ainda
assim, quando o projeto é realizado por pessoas idôneas, quando há preocupação
com a qualidade da escrita, digo que vale a pena participar.
5 - Que
impacto têm as redes sociais no seu percurso?
Sinto-me
um peixe na rede, enredado até o pescoço nas malhas virtuais de um oceano
digital onde vida e obra se fundem, onde realidade e virtualidade se confundem
e as relações se ampliam para outras águas e novos cardumes de leitores. Lembro
agora que quando surgiu o Twitter, a primeira coisa que fiz lá foi fazer uma
versão virtual de minha exposição de Poesia Visual “Convergências”. Cada
imagem, uma postagem. Desde que surgiu a comunicação via códigos simbólicos, os
autores têm usado as mídias de seu tempo, fossem as tabuinhas com letras
prensadas na argila, fossem os rolos de pergaminhos ou a prensa medieval. Se em
nosso tempo e lugar temos as mídias digitais e as redes sociais virtuais, não
há motivos para o autor hodierno não usá-las. E, a profusão de novas
tecnologias e equipamentos está aí para potencializar a veiculação da produção
autoral contemporânea, aproximando criadores e consumidores, fazendo girar mais
rápida a grande roda da literatura.
6 - Quais
os pontos positivos e negativos do universo da escrita?
O
ponto positivo é o sinal de dois-pontos, pois nos deixa atentos para algo
surpreendente que está por vir. E o ponto negativo é o ponto final, pois é
sinal de que acaba de acabar aquele prazer estético que aquele texto estava nos
proporcionando... Brincadeirinhas a parte, talvez seja válido lembrar que,
nesse universo, estamos num tempo em que nunca se escreveu tanto, nunca se
publicou tanto e por isto mesmo, ampliou-se a oferta e a diversidade de
estilos, propostas, gêneros, hibridismos e experimentações textuais. E, quem
ganha com isso são os leitores, que tem muito mais opções para seu deleite e
fruição. Um ponto que, se não é negativo ao menos deve se tornar um debate em
aberto, são as políticas públicas para a publicação autoral, que são sempre
reduzidas, deficitárias e sem alcançar a demanda existente.
7 - O
que acredita ser essencial na divulgação de um autor?
A
própria pergunta já apresenta uma resposta, ou ao menos um problema de nosso
tempo atual. As pessoas se tornaram produtos de si mesmas, as pessoas são
consumidas, seguidas nas redes, onde o personalismo se tornou uma marca de
nossos dias, um aspecto de nossa recente pós-modernidade. Se em algum momento
anterior a esta era, a força na divulgação concentrava-se mais na obra, hoje o
foco é a pessoa. Não importa mais tanto o autógrafo no lançamento, importa mais
a selfie, uma foto com quem está
lançando o livro. Isto implica dizer que do ponto de vista do autor, sempre haverá
em termos essenciais, uma preocupação com a qualidade da escrita, enquanto que
as editoras se preocuparão com a qualidade do produto, o marketing editorial e
sua distribuição. E ao leitor caberá em essência, ser afetado por tais
divulgações e fazer a aposta em escolher este ou aquele autor para seu prazer
literário.
8 - Quais
os projectos para o futuro?
Já
é. Meu projeto para o futuro já está acontecendo no presente e tem sido
resgatar o passado. É que venho aos
poucos resgatando minhas publicações – sete livros publicados e esgotados e
também textos diversos em dezenas de antologias, coletâneas e livros didáticos
– produzindo edições revistas e ampliadas no formato de e-books. Esta tem sido
minha estratégia em providenciar para que meus textos permaneçam e cheguem até
novos públicos. Para além disto, debato-me no desafio de concluir um novo
romance que venho escrevendo a parir das experiências do período em que vivi na
Amazônia. O futuro é incerto sempre, mas devo voltar aos poucos a ministrar
oficinas literárias em diversas instituições no intuito de capacitar pessoas
interessadas em desenvolver sua escrita. Quanto à produção cotidiana de poemas,
crônicas e contos, bem isso vai continuar se espalhando por aí, nas mais
diversas mídias.
9 - Sugira
um autor e um livro!
Sugiro
“A Epopeia de Gilgamesh”, considerado por muitos como o mais antigo texto
literário. Não se sabe a autoria mas a obra foi constituída de fragmentos de
tradições orais da cultura suméria na antiga Mesopotâmia, ali para os lados do
que hoje se conhece como Iraque.
10 - Qual
a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?
Nunca me perguntaram: quem
é você? E se perguntassem, não sei se eu responderia o seguinte: sou o demiurgo de um sonho metafísico numa
sanha idiossincrática, sincrética, em sinas de acasos e insanos ocasos de
êxtases. Meu signo, uma esfinge estática, estética, cujos olhos desatam a linha
do horizonte entre mantras e tantras. Viajor fugaz em trânsito entre o
inusitado e o insólito, riscando a abóbada celeste nas asas do sublime. Na mão
direita, os nomes das potestades, e na esquerda a chave das comportas do tempo. No lado escuro da lua, um
quasar pulsante ilumina a passagem dos meus cometas feéricos, enquanto minhas
musas celebram núpcias no palco de um teatro diáfano, ora sacro, ora profano.
Nos olhos, mandalas quânticas que se fecham para poder ver as auroras edênicas.
Na voz, jaz uma espada flamígera, um grito em lume de neon, raio de aura púrpura,
hálito de tântalo e saliva de cicuta. Nas veias, uma torrente violácea, âmago
de magma rubro, caudal de labareda ígnea em ascese de volúpias e olores de
âmbar. Meu ofício, esse cotidiano jardim onírico, sem jade ou alabastros, erige
um labirinto de epifanias com pétalas das letras com as quais construo templos
de enlevos, pontes de estesias e umbrais de alumbramentos. Tenho convidado bem
poucos para essa festa, mas os que sabem com quantos abraços se escreve a
palavra arte, bem, esses tem acesso garantido nesse sarau tão inefável quanto
infinito.
Gente querida,
ResponderEliminaragradeço aos coordenadores da Editora In-Finita, do projeto lusófono Conexões Atlânticas e do site Toca a Falar Disso, pela entrevista e pelas nossas conexões literárias, editoriais e principalmente afetivas.
Aos leitores da entrevista, com muito respeito, minha mais sincera gratidão.
Mais que as ondas do oceano que nos separam, estas são ondas online que nos mantém em diálogo e rumando no mesmo barco da arte e da cultura.
Gratos ficamos nós pela disponibilidade e apoio participativo.
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