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Somente pressentiu o perigo de ser mulher quando começou a eclodir do seu tronco magrinho o prenúncio de seus seios: eram dois caroços. Primeiro o esquerdo, depois, o direito. Foi o primeiro sinal.
Não que sofresse por ser menina. Gostava de ser menina. Gostava de ser uma menina que sonhava em ser mulher. Já havia até ensaiado ser mãe quando aproximou os lábios inertes de sua boneca na manchinha que agora se tornara o centro dos caroços.
Sentia o conflito, sentia o desespero de saber desde sempre perdida a luta contra o tempo. Queria ter um abrigo para se esconder, para paralisar. Ser uma ostra ou coisa parecida.
Não queria crescer. Parecia-lhe monstruosa a metamorfose do seu corpo. O peso da vida está em ter um corpo. Até então, a sua imaginação fora o limite de tudo. E a sua imaginação não conhecia limites. Agora era diferente. O surgimento daqueles volumes, ainda muito pequenos, trouxe a nova realidade: o corpo é o limite.
Passou a observar um casulo que se instalara na varanda de sua casa. Todos os dias se sentava ao seu lado e meditava. Aquele estranho e silencioso pacotinho, será que doía? Ao menos havia uma espera. Ao menos havia uma mudança completa. Com ela não. Todos veriam que era ela; ela e seus novos seios. Não haveria como disfarçar.
Olhava o casulo. Passou a vestir sempre uma blusa por baixo de qualquer outra vestimenta. Nela doía. Eram tão feios e esquisitos. Olhava o casulo. Todos passaram a referir-se a ela através deles: ‘está ficando uma mocinha!’, ‘já dá para vestir sutiã’...Odiava isso. Odiava como nunca havia odiado nada antes. Teve vontade de espremer o casulo, destruí-lo, olhar o que havia ali dentro.
Olhava o casulo. Voaria. Era quase inacreditável, mas ele voaria! E ela? Como voar se ficava cada vez mais pesada? O corpo... O universo da vida e da morte. O corpo...
Feio. Tranquilizou-se quando definiu como sendo feio o casulo. Ela tinha poderes para isto. É sempre bom sentir-se superior.
EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - ANTOLOGIA - IN-FINITA
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