sábado, 13 de abril de 2019

TRAVESSIA QUÂNTICA DE VÉNUS - BEATRIZ H. RAMOS AMARAL

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Suíte
A madrugada lhe traz a amplidão do tempo, o vapor das sílabas em estado de precariedade e a permissão para transitar entre miragens e probabilidades de ser. A probabilidade de encontrar, novamente, o olhar de Ronaldo em direção a ela, e, desta vez, diferentemente do que fez há vinte anos, seguir com ele para Paris, transferir seu rotineiro cotidiano para a grandeza dos gestos de abertura a que somente com ele se propunha a fazer. Desenhar esta probabilidade antes do nascer da aurora era o mínimo que Gláucia devia a si mesma. Para a frente, para a frente, trazer a estrada para o mar. Fazer mar. Fazer águas. Oceano.
Simultâneas
Na simultaneidade que as palavras e o pensamento de Albert Einstein lhe trazia, sua aurora era nova e antiga. E era também uma tarde e todos os instantes conjugados pela tarde, no vaso de cristal sobre a mesa e na suíte de vontades simultâneas. Por isso, Gláucia se chamava Regina, Isabel ou Ana Stella e transitava de país em país, de compasso em compasso, ela-meteoro, ela-luz, balão metafórico de ensaios, vislumbrando frestas e janelas entreabertas. Nem era preciso concluir o curso de teatro iniciado na Gávea, no Rio de Janeiro. Ela seria Clara, Beatriz, Leila, Irene e faria amanhecer róseas formas numa desconexão de sentidos tão intensa e onírica quanto a beleza serena que uma aurora boreal desenha no céu.
Adágio, fuga e ritornello
Ela já sabe que o castelo de cartas está no outro quarto. E sabe também que foi deste outro quarto que saiu, um dia, perplexa, perdendo a chave, num regato, numa corredeira, no curso fluvial de uma água também outra. Por isso é que naquele outro tempo somente os pássaros (que um dia foram peixes e escreveram com os olhos uma história verde e azul) alimentaram as horas, entre bandos e cardumes. E povoaram a ancestral paisagem das nascentes. Esses pássaros, esses peixes, seu plural de acasos, as danças, a vontade de ser tão livre. A metamorfose. Com ela, Homero, Thomaz, Hermes, Eulálio e Raul deram efeitos às histórias, deram sentido aos passeios na praia, no mapa de seu único retorno.
Gláucia faria o que não fizera ou mais do que é possível fazer no seu abraço, um verde veleiro em águas igualmente esverdeadas, ela no Brasil, em Angra dos Reis, e três décadas antes de ouvir o chamado. Ouvindo bossa-nova, mas fazendo coro com cigarras e se despindo de pudores, em avisos e desatinos. Talvez tomasse a iniciativa. Na tela, com pincéis nas mãos e dialogando com Henrique, Pedro Paulo, Carlos Augusto e Rafael, que escolas e estilos poderiam se conjugar, compondo a intersecção de miragens? Se existe uma aurora nova, se é real, traz o ponto, a luz, o alinhavar do tempo que só os pântanos ocultam.
Lago
Na paisagem lacustre, ela é o que o azul-espelho mostra. Escapa a essência que transita pelas vozes do coro. Pelos naipes. Pela abadia. Pelo centro da história em que nada jamais se conta, pois o canto arrebata o enredo e a quimera permanece no meio do universo, à espera de sua primeira incerteza, de sua pesca, sua mirada, suas entrelinhas douradas de sol, brasa e sentido.

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - ANTOLOGIA - IN-FINITA

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