quarta-feira, 24 de abril de 2019

MULHERES DE LUTAS - ELIETE MARRY

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Era primavera de 1979, nos arredores do Sítio do meio, numa casinha azul celestes, telhado baixinho, chão batido da cozinha. Entre a escuridão da noite gelada, por volta das vinte e duas horas da noite, nascia uma linda menina, de pele branca como a neve, olhos semelhantes a cor da amora em tempos de inverno e cabelos pretinhos como a escuridão na noite dos dias chuvosos. Era uma gracinha seus lábios vermelhos escarlate. Sexta filha do casal Maria e Cícero, dois protetores e sobreviventes da mãe natureza. O nascimento da pequena trouxe alegria ao lar, renovando a felicidade entre aquele casal. A menina crescia forte e saudável, batizaram-na de Maria, mesmo nome da mãe e por devoção a Nossa Senhora. Como todo ser vivo, nem tudo na vida é bênção e alegria. A família foi atingida pelos tempos de seca, logo não dava mais para alimentar os seis filhos, e era chegada a notícia de que Maria, a mãe estava a espera do sétimo filho. Que em breve se chamaria José Francisco. O chefe da família já não tinha mais como alimenta as nove bocas somente com o que colhia da terra e dos serviços de agricultor de aluguel. Com o agravamento da seca, o governo da época abriu um alistamento trabalhista chamado Serviços de Emergência. Era para trabalhar cavando açude e desmatando floresta, abrindo estrada, “melhorando o acesso a outros municípios”. Nisto, ocorria que os homens se deslocavam de seus lares, deixando mulher e filhos para trás por vários meses. Eles seguiam para trabalhar e mandar ajuda financeira para suas famílias. Era muito doloroso aquela partida que se repetia por longos períodos em muitas famílias e principalmente a do Cícero e Maria. Enquanto os esposos estavam fora trabalhando no tal serviço de emergência, as esposas ficavam cuidando da educação dos filhos e do serviço na roça. A Maria era mulher para homem nem um encontrar defeito. Brocava mata, limpava roçado, plantava milho, feijão, batata doce, macaxeira, colhia algodão e mamonas. Além das tarefas do lar, e incentivo aos filhos na educação escolar. Maria dizia a seus pequenos: Quero que vocês estudem para ter um futuro melhor que o meu e de seu pai.
E assim nessa labuta intensa e de áspera solidão do companheiro por força dos tempos cruéis, passavam-se dias e aparentemente infindáveis meses. Maria cuidara dos seus filhos, da casa e dos estudos dos moleques. Quando era dia de sábado dava gosto de olhar, lá ia Maria e seus seis seus filhos. Limpinhos cheirando a algodão florido no campo, cabelos lisos e sedosos feito a pele de vaga-lume em noite de lua cheia. Suas vestes eram surradas pelo batedor de roupa, mas todas bem alvas e engomadinhas. Era admirável vê aquelas gracinhas de meninos e meninas formando uma escadinha, atrás da mãe que tão bem os disciplinavam. A mais velha já havia casado com um moço lá da capital. Diminuíra assim uma boca, mas não a preocupação. Dizem que o marido dela era chegado a umas cachaças e quando bebia ficava metido a valente. Maria pegava o pequenino José escanchava nas costelas, duas galinhas magrelas para vender e com o apurado comprar fardas para os meninos estudarem. Depois de tantas idas e vindas, e com o trabalho pesado de sol a sol, viajando no lombo do jumento, Cicero se cansou com muito esforço e ajuda do presidente da República à época, recebeu uma carroça de tração animal e passou a trabalhar nos arredores de casa sem precisa mais se ausentar de sua família. Eu, Lily a sexta filha desses heróis segui o conselho de mamãe, estudei, sou pedagoga, alguns até me chamam de poeta, mas sou mesmo é professora. Hoje moro na fartura de águas do litoral da capital, ensino crianças a conquistar seu futuro. Mesmo com toda a modernidade e facilidade que a vida oferece, comparando aos tempos de minha infância, ainda ensino a mesma lição de 30 anos atrás: Estudem que vocês terão um futuro melhor que seus pais!

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - ANTOLOGIA - IN-FINITA

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