Agradecemos à autora SANDRA GODINHO a disponibilidade em responder ao nosso questionário
1 – Como
você vê o papel da mulher na literatura atual?
O papel da
mulher vem se sobressaindo na literatura de um modo geral. No Brasil, as
mulheres vêm conquistando seu espaço de direito e de fato e isso é
gratificante. Numa realidade cruel como a que estamos vivenciando atualmente,
principalmente nesse começo de ano, com tantos feminicídeos acontecendo aqui no
país, com abusos, violência e estupros pipocando a cada esquina, a cada lar, é
mais do que necessário que isso aconteça. Há um hiato de injustiças a ser
reparado, espero que com o tempo, vozes importantes sejam ouvidas e outras
sejam revisitadas para que as injustiças sejam reparadas.
2 – Em que
medida o universo feminino influencia na hora de escrever?
Eu já tinha
um romance e uma coletânea de contos publicados quando me deparei com a escrita
potente e visceral de Cínthia Kriemler em seu prestigiado livro, finalista do
Prêmio São Paulo de Literatura, “Todos os abismos convidam para um mergulho”.
Fascinante, utilizando uma linguagem esmerada e engajada na causa de abusos
contra a mulher e da violência infantil. Minha escrita nunca mais foi a mesma
depois disso. Ela forneceu um norte para as estórias que crio, um motivo que agora
subjaz na minha ficção. A ideologia está presente em cada sentença, a cada
linha escrita, disso não há como se livrar. Então nasceu “Orelha lavada,
infância roubada” que é uma coletânea de contos sobre as infâncias violadas do
país, não apenas das classes desfavorecidas, mas também das elites. A meu ver,
estamos errando na criação das nossas crianças, por carência de uns e excessos
de outros.
3 – Em que
corrente literária acha que a sua escrita se enquadra?
Eu diria
que pertenço ao neorrealismo ou pós-modernismo, onde há uma tomada de posição
na chamada luta de classes, denunciando as desigualdades sociais e os desmandos
das elites, utilizando certa liberdade linguística e estrutural com um intimismo
reflexivo do personagem. Não concebo a literatura sem engajamento, ela serve
para lançar novos olhares a velhas questões.
4 - Que
importância dá aos movimentos de integração da mulher?
A
importância é fundamental. E o autor/(a) dá voz às personagens ou temas que
investigam essa mudança, o papel da mulher numa sociedade historicamente pré-estabelecida,
evidenciando sua trajetória na família, no lazer e no trabalho, acusando as
transformações por que passam sob essa nova conjuntura e entendimento. Às
vezes, é mais fácil retratar essas mudanças ao nível ficcional do que do real,
então, a literatura pode funcionar como ferramenta para lançar novos
entendimentos de mundo.
5 – O que
acredita ser essencial para divulgar a literatura?
No Brasil,
duas das maiores cadeias de livrarias faliram por apostar num modelo de
divulgação/comércio já ultrapassado. A internet, com suas redes sociais, vieram
para ficar, apresentando um novo modelo de publicidade, mais democrático, menos
custoso, mais eficiente. Uma eleição foi ganha recentemente no Brasil,
utilizando esse modelo de exploração de redes sociais. O marketing virtual é
uma ferramenta eficiente e o mago que melhor fizer sua mágica ganhará o
espectador/leitor. Não dá para desprezar essa ferramenta.
6 - Quais
os pontos positivos e negativos do universo da escrita?
O ponto
negativo é o isolamento, sem dúvida. O ofício de escrever é solitário e pede um
mergulho pleno na alma do seu personagem, um entendimento profundo de sua
história: por que ele tomou a atitude que tomou em determinado ponto da
narrativa? A história e as personagens se encasulam em você, nas suas
entranhas, no seu útero, no tempo de gestar e nascer. Exige-se do escritor(a) uma
dedicação hercúlea até que sua obra crie asas e voe por si só. A parte positiva
é que o autor(a) tem a possibilidade de trocar opiniões e ideias com seus pares
mais facilmente que antes. Os escritores estão conectados, ao menos, uma boa
parte dos que conheço. Sem falar da agilidade na busca por informações à sua
disposição pela internet. Pode-se falar de um lugar apenas utilizando o Google
Maps, pode-se pesquisar sobre determinado assunto, investigando os livros que
foram escritos sobre o tema escolhido, etc. A facilidade da internet é
inquestionável.
7 – O que
pretende alcançar enquanto autora?
Sem dúvida,
formar uma ampla rede de leitores para seu tipo de escrita. O autor(a)
iniciante, aquele que está começando e tem pouca visibilidade, sofre
tremendamente. As editoras normalmente cobram pelos serviços prestados ou por
parte da publicação de sua obra, são poucas as que realmente assumem todos os
riscos e investem no novo autor(a), a não ser que ele já traga consigo uma
legião de leitores, o que é compreensível numa sociedade capitalista que
privilegia os lucros. Mas tem muita gente talentosa por aí sem chance de
brilhar, ou sem poder abrilhantar o mercado editorial com bom material, encontra-se
alijada desse mercado que no Brasil ainda é bastante fechado. Como saída,
muitos têm apostado na autopublicação e investido na divulgação por youtubers
consagrados.
8 – Cite um
projeto a curto prazo e um a longo prazo.
Um projeto
a curto prazo seria escrever uma distopia em coautoria com meu filho, também ele
um leitor voraz e sensível às mudanças dos novos tempos aqui no Brasil. Um
projeto a longo prazo seria poder ilustrar (também sou artista plástica) meu
próprio livro infantil, um desafio. Achar o traço certo é um paradigma a que me
propus e que deve ser alcançado algum dia.
9 - Sugira
uma autora e um livro (contemporâneos).
Eu já tinha
comentado sobre a Cínthia Kriemler, com seu romance “Todos os abismos convidam
para um mergulho”, revolucionário na minha escrita, mas posso citar também a
Paula Gianinni, contista, atriz, roteirista e dramaturga, com seu novo livro “Como
a vida”, a ser lançado dia 16/02/2019 pela Editora Patuá e do qual já li alguns
contos, todos fabulosos. Posso igualmente citar, sem um pingo de dúvida, que o
blog As Contistas, com quem divido a autoria e participação, têm um grupo de autoras
valorosas que muito têm acrescentado ao meu ofício de escrever.
10 - Qual a
pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?
A pergunta
que gostaria que me fizessem é: Como você escolhe suas histórias?
E como
seria a resposta para essa pergunta é: o escritor se alimenta de tudo e de
todos, é um ser faminto e egoísta nesse ponto. Tudo o que está à sua volta
serve de inspiração e temática, um cachorro apedrejado até a morte na porta de
um supermercado, uma travessia de imigrantes numa balsa sobre o oceano, uma
cusparada contra uma pessoa negra, tudo pode provocar, servir de força motriz
para as histórias que criamos, sejam elas ficcionais ou não. O que importa é o
encantamento que a palavra empregada vai causar. Todos os temas já foram
cantados e contados em verso e prosa, mas a forma inovadora, o laço para o
feitiço, isso é mágica que só um bom contador de histórias pode fazer. E encantar.
Sobre a
autora:
Sandra
Godinho é professora de Inglês e Mestre em Letras com foco em Estudos da
Linguagem. Já participou de várias coletâneas de contos. Recebeu o primeiro
lugar no prêmio VIP de literatura de 2018 de A. R. Publisher Editora com o
conto “Jogo de Damas”. “O massacre” ganhou o segundo lugar no Concurso
Literário Internacional Palavradeiros 2018. O Poder da Fé, publicado em 2016,
foi seu romance de estreia. A coletânea de contos O Olho da Medusa foi lançado
em 2017. E “Orelha lavada, infância roubada” foi o único livro de contos
finalista na Maratona Literária (2018) do Carreira Literária, publicado em
agosto de 2018.
Muito obrigada pela partilha.
ResponderEliminarPrazer em conhecê-la...
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