quarta-feira, 6 de março de 2019

DEZ PERGUNTAS MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL... SANDRA GODINHO


Agradecemos à autora SANDRA GODINHO a disponibilidade em responder ao nosso questionário

1 – Como você vê o papel da mulher na literatura atual?

O papel da mulher vem se sobressaindo na literatura de um modo geral. No Brasil, as mulheres vêm conquistando seu espaço de direito e de fato e isso é gratificante. Numa realidade cruel como a que estamos vivenciando atualmente, principalmente nesse começo de ano, com tantos feminicídeos acontecendo aqui no país, com abusos, violência e estupros pipocando a cada esquina, a cada lar, é mais do que necessário que isso aconteça. Há um hiato de injustiças a ser reparado, espero que com o tempo, vozes importantes sejam ouvidas e outras sejam revisitadas para que as injustiças sejam reparadas.

2 – Em que medida o universo feminino influencia na hora de escrever?

Eu já tinha um romance e uma coletânea de contos publicados quando me deparei com a escrita potente e visceral de Cínthia Kriemler em seu prestigiado livro, finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, “Todos os abismos convidam para um mergulho”. Fascinante, utilizando uma linguagem esmerada e engajada na causa de abusos contra a mulher e da violência infantil. Minha escrita nunca mais foi a mesma depois disso. Ela forneceu um norte para as estórias que crio, um motivo que agora subjaz na minha ficção. A ideologia está presente em cada sentença, a cada linha escrita, disso não há como se livrar. Então nasceu “Orelha lavada, infância roubada” que é uma coletânea de contos sobre as infâncias violadas do país, não apenas das classes desfavorecidas, mas também das elites. A meu ver, estamos errando na criação das nossas crianças, por carência de uns e excessos de outros.

3 – Em que corrente literária acha que a sua escrita se enquadra?

Eu diria que pertenço ao neorrealismo ou pós-modernismo, onde há uma tomada de posição na chamada luta de classes, denunciando as desigualdades sociais e os desmandos das elites, utilizando certa liberdade linguística e estrutural com um intimismo reflexivo do personagem. Não concebo a literatura sem engajamento, ela serve para lançar novos olhares a velhas questões.

4 - Que importância dá aos movimentos de integração da mulher?

A importância é fundamental. E o autor/(a) dá voz às personagens ou temas que investigam essa mudança, o papel da mulher numa sociedade historicamente pré-estabelecida, evidenciando sua trajetória na família, no lazer e no trabalho, acusando as transformações por que passam sob essa nova conjuntura e entendimento. Às vezes, é mais fácil retratar essas mudanças ao nível ficcional do que do real, então, a literatura pode funcionar como ferramenta para lançar novos entendimentos de mundo.

5 – O que acredita ser essencial para divulgar a literatura?

No Brasil, duas das maiores cadeias de livrarias faliram por apostar num modelo de divulgação/comércio já ultrapassado. A internet, com suas redes sociais, vieram para ficar, apresentando um novo modelo de publicidade, mais democrático, menos custoso, mais eficiente. Uma eleição foi ganha recentemente no Brasil, utilizando esse modelo de exploração de redes sociais. O marketing virtual é uma ferramenta eficiente e o mago que melhor fizer sua mágica ganhará o espectador/leitor. Não dá para desprezar essa ferramenta.

6 - Quais os pontos positivos e negativos do universo da escrita?

O ponto negativo é o isolamento, sem dúvida. O ofício de escrever é solitário e pede um mergulho pleno na alma do seu personagem, um entendimento profundo de sua história: por que ele tomou a atitude que tomou em determinado ponto da narrativa? A história e as personagens se encasulam em você, nas suas entranhas, no seu útero, no tempo de gestar e nascer. Exige-se do escritor(a) uma dedicação hercúlea até que sua obra crie asas e voe por si só. A parte positiva é que o autor(a) tem a possibilidade de trocar opiniões e ideias com seus pares mais facilmente que antes. Os escritores estão conectados, ao menos, uma boa parte dos que conheço. Sem falar da agilidade na busca por informações à sua disposição pela internet. Pode-se falar de um lugar apenas utilizando o Google Maps, pode-se pesquisar sobre determinado assunto, investigando os livros que foram escritos sobre o tema escolhido, etc. A facilidade da internet é inquestionável.

7 – O que pretende alcançar enquanto autora?

Sem dúvida, formar uma ampla rede de leitores para seu tipo de escrita. O autor(a) iniciante, aquele que está começando e tem pouca visibilidade, sofre tremendamente. As editoras normalmente cobram pelos serviços prestados ou por parte da publicação de sua obra, são poucas as que realmente assumem todos os riscos e investem no novo autor(a), a não ser que ele já traga consigo uma legião de leitores, o que é compreensível numa sociedade capitalista que privilegia os lucros. Mas tem muita gente talentosa por aí sem chance de brilhar, ou sem poder abrilhantar o mercado editorial com bom material, encontra-se alijada desse mercado que no Brasil ainda é bastante fechado. Como saída, muitos têm apostado na autopublicação e investido na divulgação por youtubers consagrados.

8 – Cite um projeto a curto prazo e um a longo prazo.

Um projeto a curto prazo seria escrever uma distopia em coautoria com meu filho, também ele um leitor voraz e sensível às mudanças dos novos tempos aqui no Brasil. Um projeto a longo prazo seria poder ilustrar (também sou artista plástica) meu próprio livro infantil, um desafio. Achar o traço certo é um paradigma a que me propus e que deve ser alcançado algum dia.

9 - Sugira uma autora e um livro (contemporâneos).

Eu já tinha comentado sobre a Cínthia Kriemler, com seu romance “Todos os abismos convidam para um mergulho”, revolucionário na minha escrita, mas posso citar também a Paula Gianinni, contista, atriz, roteirista e dramaturga, com seu novo livro “Como a vida”, a ser lançado dia 16/02/2019 pela Editora Patuá e do qual já li alguns contos, todos fabulosos. Posso igualmente citar, sem um pingo de dúvida, que o blog As Contistas, com quem divido a autoria e participação, têm um grupo de autoras valorosas que muito têm acrescentado ao meu ofício de escrever.

10 - Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?

A pergunta que gostaria que me fizessem é: Como você escolhe suas histórias?
E como seria a resposta para essa pergunta é: o escritor se alimenta de tudo e de todos, é um ser faminto e egoísta nesse ponto. Tudo o que está à sua volta serve de inspiração e temática, um cachorro apedrejado até a morte na porta de um supermercado, uma travessia de imigrantes numa balsa sobre o oceano, uma cusparada contra uma pessoa negra, tudo pode provocar, servir de força motriz para as histórias que criamos, sejam elas ficcionais ou não. O que importa é o encantamento que a palavra empregada vai causar. Todos os temas já foram cantados e contados em verso e prosa, mas a forma inovadora, o laço para o feitiço, isso é mágica que só um bom contador de histórias pode fazer. E encantar.


Sobre a autora:
Sandra Godinho é professora de Inglês e Mestre em Letras com foco em Estudos da Linguagem. Já participou de várias coletâneas de contos. Recebeu o primeiro lugar no prêmio VIP de literatura de 2018 de A. R. Publisher Editora com o conto “Jogo de Damas”. “O massacre” ganhou o segundo lugar no Concurso Literário Internacional Palavradeiros 2018. O Poder da Fé, publicado em 2016, foi seu romance de estreia. A coletânea de contos O Olho da Medusa foi lançado em 2017. E “Orelha lavada, infância roubada” foi o único livro de contos finalista na Maratona Literária (2018) do Carreira Literária, publicado em agosto de 2018.

2 comentários:

Toca a falar disso