domingo, 17 de fevereiro de 2019

DEZ PERGUNTAS MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL... VALÉRIA VICTORINO VALLE


Agradecemos à autora VALÉRIA VICTORINO VALLE a disponibilidade em responder ao nosso questionário

1 – Como você vê o papel da mulher na literatura atual?

A representatividade feminina no universo das Letras e das Artes adquiriu mais visibilidade e significação na contemporaneidade. Acredito que a escritora brasileira, com resistência e persistência, vem garantindo dentro das suas limitações financeiras e de investimento artístico governamental, muito destaque em todas as linguagens. Perceptivelmente, a poesia feminina invade territórios, outrora impenetráveis, pela eficácia e eficiência de seus textos. Há uma amalgamação do belo, do gosto e do engajamento literário nas obras divulgadas no mundo impresso e também na realidade virtual. Todavia, tenho consciência que ainda há muito o que conquistar e expandir na literatura regional e nacional, pois a arte da palavra ainda reverbera como algo superficial e descartável. Assim como afirmo em meus versos: Alguns dizem que a fantasia é o esconderijo dos fracos,/O calmante dos medrosos, mas/Falta-lhes experimentar o veneno da vida/ A solidão do mundo sem o Amor e/ O farfalhar do desejo irrealizável./poema Beijo da Fantasia.

2 – Em que medida o universo feminino influencia na hora de escrever?

Minha percepção do universo feminino é existencial e maravilhosamente imaginária. Há um processo de identificação com os meus pares femininos. Vejo, sinto e incorporo as dores e flores de cada sensação feminina a minha volta: avó (perfume da vida), mãe (orientadora), irmãs (simbiose), filha (pedaço do meu pedaço), amigas ( alegrias e enfrentamentos), colegas e parceiras de trabalho (determinação e coragem) e outras mulheres desconhecidas e incríveis, habitantes desse mundo de estrangulamentos pessoais e sociais, que fazem História e garantem as nossas memórias através do tempo e do espaço percorridos pelo ser humano. Inexplicavelmente essas inúmeras mulheres entranham nos meus escritos, elas invadem minhas narinas, correm no meu sangue, sacodem o meu pensar, agitam-se nos meus dedos e se  expressam no meu verbo. Impossível silenciá-las. Impossível não escrever o poderoso sussurro feminino. Nas minhas palavras: As palavras ecoam na minha cabeça/ Como uma mãe grita a procura de seu filho/Explode a voz confidente/Do sol de fênix ardente/Do nômade da linguagem/É a escrita que namora e desnamora o pensamento/Criando vocábulos grávidos de gente./poema Doido linguístico.

3 – Em que corrente literária acha que a sua escrita se enquadra?

Gostaria que a minha escrita não se fechasse em nenhuma estética literária. Eis aqui já, a minha ambição modernista de ser Augusto dos Anjos e Fernando Pessoa (risos). Penso que o enquadramento de qualquer escritor em determinada escola literária restringe o passeio poético, limita-o a um quadro espaço-temporal e dificulta uma visão mais liberta das amarras teóricas, históricas e sociais de cada época. Acredito que “beber nas fontes” dos cânones é irremediavelmente maravilhoso e imprescindível a todos os escritores. E já me deliciei em várias fontes como Machado de Assis, Graciliano Ramos, Cecília Meireles, Carlos Drummond, Clarice Lispector, Manoel de Barros e outros tantos escritores embebidos na poesia e na crítica social.  Retrato tal afirmativa nos meus versos: Quem se mete a poeta é louco, eu sei... /Mas que fazer quando não se tem rosto e nem memória?/Que fazer quando esse enorme tédio da vida/Invade a fábrica de suplício que tenho?/Como lidar com a angústia de ser o fingidor/E  ser aclamado de idiota?/Como deixar de ouvir essa voz interior/Presente em mim e ausente no outro eu?/poema Ardência de Barros e/ou ainda: As pedras do viver podem se mostrar invencíveis.../ Viver a pedra de cada dia torna-se oração obrigatória./ É preciso ser rocha para aguentar a pedra no meio da pedra./ poema No Meio da Pedra.

4 - Que importância dá aos movimentos de integração da mulher?

Os movimentos de integração feminina são indispensáveis e valiosos para o resgate dos nossos direitos, manutenção das conquistas já adquiridas e atitudes preciosas para garantir a nossa emancipação contínua. São, de fato, ações corajosas e desafiadoras para os passos femininos rumo à igualdade social. Com certeza, esses movimentos fomentam o tripé da ética: respeito, justiça e diálogo diante de um cenário ainda dificultoso para a mulher brasileira. Registrei esse pensar nos meus versos: No fôlego da alma feminina/Ainda usamos coleiras invisíveis (...)/ Carregada  pelas rédeas da colonização e/ pelas cadeias da história machista.// Maria da Penha e/ou Maria da Peia/Maria das Cores e/ou das Dores/Amélia e/ou Dandara/ Fantasmalogicamente presentes.../ Maravilhosamente paradoxais... /Transcendência: o masculino de/Mulher é a Mulher mesma./A maciez da rosa vale a dor dos espinhos./Mas ainda há gigantes a serem mortos.../Maria... Ave Maria!/ poema Maria Maria.

5 – O que acredita ser essencial para divulgar a literatura?

Pressuponho que a divulgação do valor significativo da literatura para a sociedade brasileira ainda está opaco, embaçado pelo desconhecimento da real importância que a arte da palavra reflete e refrata socialmente. Os textos literários não devem assumir apenas o caráter reducionista de entretenimento e diversão tão repercutido no cotidiano. Há de se evidenciar a função estética, catártica, de engajamento e de expressividade de si mesmo e do mundo que nos rodeia, capazes de gerar sensibilidade e criticidade. É oportuno para alguns, o ofuscamento do poder da palavra que “como serpente enrodilhada, está pronta para dar o bote”, pois os leitores, apossados do conhecimento dos seres e das coisas e do discernimento da realidade, podem produzir inquietações e revoluções indesejadas pelas invisíveis catracas sociais.  Enquanto, os leitores não compreenderem essa dimensão crítica da literatura, não atingiremos reconhecimento e sucesso nos projetos e outro investimentos literários. Penso que: A carne da poesia carrega na escrita/Histórias que registram as manipulações do poder./ E nessa gigantesca crise moral e política,/ emergem oportunistas, caçadores de vantagens,/políticos das falácias vazias e descabidas./ Poema Carne da Poesia

6 - Quais os pontos positivos e negativos do universo da escrita?

O universo da escrita está recheado de vicissitudes e encantamentos. Já citei alguns dos enfrentamentos literários no questionamento anterior, ou seja, consciência e o discernimento do leitor e até do próprio autor sobre o real poder da palavra, mas há outros fatores a serem repensados. Tais como: investimento de verbas públicas para instituições credenciadas, promoção de concursos literários, publicações de livros nas suas diversas categorias, maior integração entre as academias e instituições literárias regionais e nacionais, divulgação de escritores e obras na projeção nacional e internacional, maior adoção de livros paradidáticos e literários nas escolas, mais livros nas feiras e praças das comunidades, melhores  oportunidades de exposição dos livros em bienais e encontros literários do país e também do exterior e outros tantos desafios que perambulam aqui pelo meu cérebro. Está claro que muitos desses itens mencionados já são articulados no Brasil, mas não de maneira satisfatória, integradora e democrática. Necessita-se de muito empenho dos escritores, academias, instituições literárias e artísticas e simpatizantes das Letras a fim de ampliar verbas, investimentos e compromissos legais com as diversas instâncias governamentais e também com os demais interessados no meio cultural.

7 – O que pretende alcançar enquanto autora?

Sempre fui e sou uma escritora entusiasta e sobrevivo da minha profissão de professora de Língua Portuguesa. Infelizmente, não é possível sobreviver no dia a dia só dos escritos publicados, apesar do viver literário me sustentar emocionalmente. Não há muito reconhecimento dos textos produzidos ou valorização dos livros publicados. O consumismo literário não parece ser hábito cultural do brasileiro que, na maioria, não possui dinheiro extra para diversão e/ou prefere gastar com apetrechos ligados ao mundo dos cosméticos, da moda, do turismo, das imposições midiáticas, do consumismo exacerbado do supérfluo e se esquecem que também podem viajar pela imaginação. Apesar disso, insisto em intercambiar textos com meus confrades de academias presenciais e pessoas do mundo virtual, dividir espaços na participação de concursos, frequentar feiras e eventos culturais, compartilhar meus ideais com meus alunos, saborear os livros que compro ou recebo de presente, discorrer sobre literatura no ambiente universitário e na rádio/TV, visitar escolas e abraçar as crianças e os livros... Esse alcance literário tem me alimentado durante minha trajetória literária, mas gostaria de gozar de mais ócio para me dedicar a arte literária e usufruir do privilégio de ser uma escritora produtiva e engajada com os meus contemporâneos. Sempre afirmei: No começo escreve-se por necessidade, depois por vaidade e agora, mais do nunca, por um ato de contribuição à (re)humanidade. Valéria Valle.

8 – Cite um projeto a curto prazo e um a longo prazo.

A vida de um poeta sonhador/fingidor/denunciador quase sempre está permeada de projeções utópicas e realistas. Como qualquer poeta assumo: Nenhum traço a definir/Poeta ou rabiscador, quem sabe?/Cavuco os pensamentos/na rocha incandescente da palavra./Gotas de estética,/ Respingos de cética,/Pitacos de poética./poema Pedra do Poeta. Viu? Não sou diferente. Gosto de devorar as palavras alheias, reverberar as palavras dos outros e iluminar as minhas palavras, por isso meu projeto de curto prazo é a publicação de mais dois livros: O beijo feminino na poesia e  Poesia Encomiástica: Por que não? Vol.III. Afirmo que escrever é tudo: É o eco: o verso não é meu, nem seu, nem de ninguém/É o gestar e o parir dos textos/Ponto indefinível entre semelhança e diferença/Busca do signo para encontrar ou nunca mais esquecer/E na escrita incorporar o humano e realizar o desejo:/Ser arquivada em forma de letra, imagem e papel.//poema Doido Linguistico. Quanto ao projeto de longo prazo, já foi mencionado na exposição anterior: obter mais tempo e segurança para me dedicar a produção literária e me deliciar na companhia dos meus eternos parceiros: os livros. Nos meus próprios versos afirmo: Minhas vísceras reviraram/Assumo agora a certeza da dúvida.../Enxuguei as lágrimas que haviam caído/ e segurei as que estavam por cair./Uma surpresa sem estranheza, afinal/Os livros foram os únicos que me aceitaram. Poema Abraço Amigo.

9 - Sugira uma autora e um livro (contemporâneos).

Clarice Lispector com o romance A hora da Estrela.

10 - Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?

Todas as perguntas serão bem-vindas e respondidas com sinceridade e alegria.


Biografia
Profª e escritora Valéria Victorino Valle - IWA – USA.Embaixadora da Paz - Comitê Internacional dos Boinas Azuis / ONU-RJ. Senadora Cultural da Federação Brasileira dos Acadêmicos em Ciências, Letras e Artes-RJ. Delegada da Academia de Letras e Artes de Valparaiso - ALAV – CHILE. Comendadora da Academia da Universidade de Santiago no Chile e de Letras de Goiás-ALG-GO . Membro Internacional da Confederação Internacional dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes - CONINTER – RJ. Membro Academias: ANALE, ALBA, ALG, ULA, APLAM (GO); corresp. ANBA, ARTPOP, AAL(SP), ALTO (MG) e Nucleo Letras y Artes BUENOS AIRES.

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