Agradecemos à autora VALÉRIA VICTORINO VALLE a disponibilidade em responder ao nosso questionário
1
– Como você vê o papel da mulher na literatura atual?
A
representatividade feminina no universo das Letras e das Artes adquiriu mais
visibilidade e significação na contemporaneidade. Acredito que a escritora
brasileira, com resistência e persistência, vem garantindo dentro das suas
limitações financeiras e de investimento artístico governamental, muito
destaque em todas as linguagens. Perceptivelmente, a poesia feminina invade
territórios, outrora impenetráveis, pela eficácia e eficiência de seus textos.
Há uma amalgamação do belo, do gosto e do engajamento literário nas obras
divulgadas no mundo impresso e também na realidade virtual. Todavia, tenho
consciência que ainda há muito o que conquistar e expandir na literatura
regional e nacional, pois a arte da palavra ainda reverbera como algo superficial
e descartável. Assim como afirmo em meus versos: Alguns dizem que a fantasia é
o esconderijo dos fracos,/O calmante dos medrosos, mas/Falta-lhes experimentar
o veneno da vida/ A solidão do mundo sem o Amor e/ O farfalhar do desejo
irrealizável./poema Beijo da Fantasia.
2
– Em que medida o universo feminino influencia na hora de escrever?
Minha
percepção do universo feminino é existencial e maravilhosamente imaginária. Há
um processo de identificação com os meus pares femininos. Vejo, sinto e
incorporo as dores e flores de cada sensação feminina a minha volta: avó
(perfume da vida), mãe (orientadora), irmãs (simbiose), filha (pedaço do meu
pedaço), amigas ( alegrias e enfrentamentos), colegas e parceiras de trabalho (determinação
e coragem) e outras mulheres desconhecidas e incríveis, habitantes desse mundo
de estrangulamentos pessoais e sociais, que fazem História e garantem as nossas
memórias através do tempo e do espaço percorridos pelo ser humano.
Inexplicavelmente essas inúmeras mulheres entranham nos meus escritos, elas
invadem minhas narinas, correm no meu sangue, sacodem o meu pensar, agitam-se
nos meus dedos e se expressam no meu
verbo. Impossível silenciá-las. Impossível não escrever o poderoso sussurro
feminino. Nas minhas palavras: As palavras ecoam na minha cabeça/ Como uma mãe
grita a procura de seu filho/Explode a voz confidente/Do sol de fênix
ardente/Do nômade da linguagem/É a escrita que namora e desnamora o
pensamento/Criando vocábulos grávidos de gente./poema Doido linguístico.
3
– Em que corrente literária acha que a sua escrita se enquadra?
Gostaria
que a minha escrita não se fechasse em nenhuma estética literária. Eis aqui já,
a minha ambição modernista de ser Augusto dos Anjos e Fernando Pessoa (risos).
Penso que o enquadramento de qualquer escritor em determinada escola literária
restringe o passeio poético, limita-o a um quadro espaço-temporal e dificulta
uma visão mais liberta das amarras teóricas, históricas e sociais de cada
época. Acredito que “beber nas fontes” dos cânones é irremediavelmente
maravilhoso e imprescindível a todos os escritores. E já me deliciei em várias
fontes como Machado de Assis, Graciliano Ramos, Cecília Meireles, Carlos
Drummond, Clarice Lispector, Manoel de Barros e outros tantos escritores
embebidos na poesia e na crítica social.
Retrato tal afirmativa nos meus versos: Quem se mete a poeta é louco, eu
sei... /Mas que fazer quando não se tem rosto e nem memória?/Que fazer quando
esse enorme tédio da vida/Invade a fábrica de suplício que tenho?/Como lidar
com a angústia de ser o fingidor/E ser
aclamado de idiota?/Como deixar de ouvir essa voz interior/Presente em mim e
ausente no outro eu?/poema Ardência de
Barros e/ou ainda: As pedras do viver podem se mostrar invencíveis.../
Viver a pedra de cada dia torna-se oração obrigatória./ É preciso ser rocha
para aguentar a pedra no meio da pedra./ poema No Meio da Pedra.
4
- Que importância dá aos movimentos de integração da mulher?
Os
movimentos de integração feminina são indispensáveis e valiosos para o resgate
dos nossos direitos, manutenção das conquistas já adquiridas e atitudes
preciosas para garantir a nossa emancipação contínua. São, de fato, ações
corajosas e desafiadoras para os passos femininos rumo à igualdade social. Com
certeza, esses movimentos fomentam o tripé da ética: respeito, justiça e
diálogo diante de um cenário ainda dificultoso para a mulher brasileira.
Registrei esse pensar nos meus versos: No fôlego da alma feminina/Ainda usamos
coleiras invisíveis (...)/ Carregada
pelas rédeas da colonização e/ pelas cadeias da história machista.// Maria
da Penha e/ou Maria da Peia/Maria das Cores e/ou das Dores/Amélia e/ou Dandara/
Fantasmalogicamente presentes.../ Maravilhosamente paradoxais... /Transcendência:
o masculino de/Mulher é a Mulher mesma./A maciez da rosa vale a dor dos
espinhos./Mas ainda há gigantes a serem mortos.../Maria... Ave Maria!/ poema Maria Maria.
5
– O que acredita ser essencial para divulgar a literatura?
Pressuponho
que a divulgação do valor significativo da literatura para a sociedade brasileira
ainda está opaco, embaçado pelo desconhecimento da real importância que a arte
da palavra reflete e refrata socialmente. Os textos literários não devem
assumir apenas o caráter reducionista de entretenimento e diversão tão
repercutido no cotidiano. Há de se evidenciar a função estética, catártica, de
engajamento e de expressividade de si mesmo e do mundo que nos rodeia, capazes
de gerar sensibilidade e criticidade. É oportuno para alguns, o ofuscamento do
poder da palavra que “como serpente enrodilhada, está pronta para dar o bote”,
pois os leitores, apossados do conhecimento dos seres e das coisas e do
discernimento da realidade, podem produzir inquietações e revoluções
indesejadas pelas invisíveis catracas sociais. Enquanto, os leitores não compreenderem essa dimensão
crítica da literatura, não atingiremos reconhecimento e sucesso nos projetos e
outro investimentos literários. Penso que: A carne da poesia carrega na
escrita/Histórias que registram as manipulações do poder./ E nessa gigantesca
crise moral e política,/ emergem oportunistas, caçadores de
vantagens,/políticos das falácias vazias e descabidas./ Poema Carne da Poesia
6
- Quais os pontos positivos e negativos do universo da escrita?
O
universo da escrita está recheado de vicissitudes e encantamentos. Já citei
alguns dos enfrentamentos literários no questionamento anterior, ou seja, consciência
e o discernimento do leitor e até do próprio autor sobre o real poder da
palavra, mas há outros fatores a serem repensados. Tais como: investimento de
verbas públicas para instituições credenciadas, promoção de concursos
literários, publicações de livros nas suas diversas categorias, maior
integração entre as academias e instituições literárias regionais e nacionais,
divulgação de escritores e obras na projeção nacional e internacional, maior
adoção de livros paradidáticos e literários nas escolas, mais livros nas feiras
e praças das comunidades, melhores oportunidades de exposição dos livros em
bienais e encontros literários do país e também do exterior e outros tantos
desafios que perambulam aqui pelo meu cérebro. Está claro que muitos desses
itens mencionados já são articulados no Brasil, mas não de maneira
satisfatória, integradora e democrática. Necessita-se de muito empenho dos
escritores, academias, instituições literárias e artísticas e simpatizantes das
Letras a fim de ampliar verbas, investimentos e compromissos legais com as
diversas instâncias governamentais e também com os demais interessados no meio
cultural.
7
– O que pretende alcançar enquanto autora?
Sempre
fui e sou uma escritora entusiasta e sobrevivo da minha profissão de professora
de Língua Portuguesa. Infelizmente, não é possível sobreviver no dia a dia só
dos escritos publicados, apesar do viver literário me sustentar emocionalmente.
Não há muito reconhecimento dos textos produzidos ou valorização dos livros
publicados. O consumismo literário não parece ser hábito cultural do brasileiro
que, na maioria, não possui dinheiro extra para diversão e/ou prefere gastar
com apetrechos ligados ao mundo dos cosméticos, da moda, do turismo, das
imposições midiáticas, do consumismo exacerbado do supérfluo e se esquecem que também
podem viajar pela imaginação. Apesar disso, insisto em intercambiar textos com
meus confrades de academias presenciais e pessoas do mundo virtual, dividir
espaços na participação de concursos, frequentar feiras e eventos culturais,
compartilhar meus ideais com meus alunos, saborear os livros que compro ou
recebo de presente, discorrer sobre literatura no ambiente universitário e na
rádio/TV, visitar escolas e abraçar as crianças e os livros... Esse alcance
literário tem me alimentado durante minha trajetória literária, mas gostaria de
gozar de mais ócio para me dedicar a arte literária e usufruir do privilégio de
ser uma escritora produtiva e engajada com os meus contemporâneos. Sempre
afirmei: No começo escreve-se por necessidade, depois por vaidade e agora, mais
do nunca, por um ato de contribuição à (re)humanidade. Valéria Valle.
8
– Cite um projeto a curto prazo e um a longo prazo.
A
vida de um poeta sonhador/fingidor/denunciador quase sempre está permeada de
projeções utópicas e realistas. Como qualquer poeta assumo: Nenhum traço a
definir/Poeta ou rabiscador, quem sabe?/Cavuco os pensamentos/na rocha
incandescente da palavra./Gotas de estética,/ Respingos de cética,/Pitacos de
poética./poema Pedra do Poeta. Viu?
Não sou diferente. Gosto de devorar as palavras alheias, reverberar as palavras
dos outros e iluminar as minhas palavras, por isso meu projeto de curto prazo é
a publicação de mais dois livros: O beijo feminino na poesia e Poesia Encomiástica: Por que não? Vol.III. Afirmo
que escrever é tudo: É o eco: o verso não é meu, nem seu, nem de ninguém/É o
gestar e o parir dos textos/Ponto indefinível entre semelhança e diferença/Busca
do signo para encontrar ou nunca mais esquecer/E na escrita incorporar o humano
e realizar o desejo:/Ser arquivada em forma de letra, imagem e papel.//poema Doido Linguistico. Quanto ao projeto de
longo prazo, já foi mencionado na exposição anterior: obter mais tempo e
segurança para me dedicar a produção literária e me deliciar na companhia dos
meus eternos parceiros: os livros. Nos meus próprios versos afirmo: Minhas
vísceras reviraram/Assumo agora a certeza da dúvida.../Enxuguei as lágrimas que
haviam caído/ e segurei as que estavam por cair./Uma surpresa sem estranheza,
afinal/Os livros foram os únicos que me aceitaram. Poema Abraço Amigo.
9
- Sugira uma autora e um livro (contemporâneos).
Clarice
Lispector com o romance A hora da Estrela.
10
- Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?
Todas
as perguntas serão bem-vindas e respondidas com sinceridade e alegria.
Biografia
Profª
e escritora Valéria Victorino Valle - IWA – USA.Embaixadora da Paz - Comitê
Internacional dos Boinas Azuis / ONU-RJ. Senadora Cultural da
Federação Brasileira dos Acadêmicos em Ciências, Letras e Artes-RJ. Delegada
da Academia de Letras e Artes de Valparaiso - ALAV – CHILE. Comendadora da
Academia da Universidade de Santiago no Chile e de Letras de
Goiás-ALG-GO . Membro Internacional da Confederação Internacional dos
Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes - CONINTER – RJ. Membro Academias:
ANALE, ALBA, ALG, ULA, APLAM (GO); corresp. ANBA, ARTPOP, AAL(SP), ALTO
(MG) e Nucleo Letras y Artes BUENOS AIRES.
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