Agradecemos à autora INÊZ OLUDÉ a disponibilidade em responder ao nosso questionário
1
- Como se define enquanto autora e
pessoa?
Eu procuro não me definir, quem se
define definha! Prefiro me surpreender com minhas facetas que
aparecem à medida que vou deixando as peles, feito as cobras. Ser ou não ser
para mim não é a questão, como poeta, estudo muita filosofia, porque nunca
entendi direito a busca de si mesmo, salvo alienação, cada um é o que é, não
pode ser outro, ao meu ver, não ser é que é impossível.
Quem sou eu? O resultado de muitos que vieram antes de mim, de onde vim para
onde vou? Da terra e à terra voltarei, não creio em vida após a
morte, acho que a vida é antes dela e há que vivê-la com intensidade.
No entanto, reconheço que nossa cultura associa o ser com o fazer, e
isso tem se intensificado nas últimas décadas, talvez seja uma
maneira a aumentar as vendas de livros de auto ajuda e garantir o salário dos
psicólogos? O que sei é que mudo a cada instante e mudei de profissão a cada
dez anos. Isso aconteceu por questão de adaptação num pais estrangeiro, onde
o racismo estrutural era e ainda é forte, e sobrevivência. Mudei
até de pais. Gosto de fazer o que gosto, construí minha vida em função disso,
tenho perebas azuis no corpo e na alma como todo mundo, mas delas
cuido eu. E assim vou levando a vida como posso. O que eu sei com
justeza é que não quero ser o que não sou, o resto é mistério.
Através das Artes expresso o conteúdo da vida…
2
- Quais as influências do Nordeste na
sua escrita?
São tantas, que é quase impossível a
todas enumerar. Nasci no Sertão de Pernambuco. Tinha um tio que era vendedor de
folhetos de cordel nas feiras de Sertânia, todos os sábados estávamos em
família, onde nos acocoravam nos pés de parede para escutar suas piadas e
versos. Foi em Sertânia que ouvi os primeiros cantadores repentistas e poetas e
a cartilha do abc. Quando a gente ia à escola, não sabia ler e já conhecia
um mundo de histórias. Fui alfabetizada pela minha mãe, acho que todos
os meus irmãos aprenderam a ler assim também, minha mãe nos recitava
e fazia repetir a cartilha do Abc e a tabuada. Todos na família contavam “causos”
e fui embebida de poesia sempre, isso não é dado a todo mundo, mas às
crianças do Nordeste, sim. Falo do Nordeste de antigamente, hoje a meninada tem
celular, internet e são outros modos! Minha mãe contava muitas histórias, meu
pai cantava e fazia repentes, mas nunca publicou nada. Tenho vários irmãos
poetas e eu mesma, tenho muitos poemas na gaveta e vários contos publicados. De
criança, já ouvia desafios, pelejas de viola e cordelistas declamando Pavão
Misterioso, as safadezas de João Grilo, Pedro Malas-artes, Juvenal e o Dragão e
contos que minha mãe inventava. O cordel também estava presente no dia-a-dia da
vida da gente, nas feiras, vendinhas, escolas, festas de boi e nas reuniões.
Tudo isso faz parte da vida cotidiana do povo do Nordeste. Na adolescência,
ouvi e li de tudo que pude, Zé Limeira, Leandro Gomes de Barros, Patativa do
Assaré, Laurentino, Caju e Castanha. Nos anos 80, frequentei a casa de Lourival
Batista (o famoso Louro do Pajeú), em São José do Egito. Em janeiro era o
aniversário de Louro, em sua casa se encontravam, nesta ocasião, todos os
violeiros e cantadores do Nordeste. Era maravilhoso. Hoje sua casa virou a
Casa do Poeta. Assisti a muitas pelejas entre João Furiba e Pinto do Monteiro,
o Língua de Cobra, esse poeta, posso dizer que foi meu mestre, sou também uma
língua de cobra das letras, faço poesia sem concessão. Pinto morava em Sertânia
e Furiba em Monteiro, cidade vizinha, situada na fronteira entre Pernambuco e a
Paraíba. Meu Irmão, conhecido como Zé Mago, mora até hoje em Sertânia e é
dono da Casa do Poeta, onde se encontram os vates da região. A filha dele,
Marta Luciana, criou uma filial em Olinda recentemente.
3
- O que lhe motiva a escrever? E porquê
a poesia?
Eu escrevo sobre experiências
profundas da minha vida, sobre as observação das dores do mundo, dos traumas
pessoais ou coletivos, a paz, a guerra, a vida
a morte e tudo o que me interpela. Escrevo quase de maneira automática,
tudo chega pronto, não critico, deixo fluir, coloco na gaveta, depois, aos
poucos vou vendo o que escrevi. Mas não escrevo só poesia, é ou que eu prefiro,
mas também escrevo contos e textos políticos. Sou artista plástica e
poeta, mas também fiz teatro, dança, canto e arranho um violão clássico. Não
virei tudo isso por desejo consciente, fui virada pelo mundo, como diz Gil,
devido a certas circunstâncias de minha vida. O que expresso são os passos e os
percalços, estes últimos, contarei no momento oportuno, se
necessário for, porque não alimento miséria nem tristeza, nem dor, se
acontecem, deixo que se expressem e depois que passem. O meu eu poeta
se impôs, o meu eu pintora se impôs, foi tudo por necessidade, em
momentos - chaves da minha vida, onde a memoria das ditaduras que vivi voltaram
a incomodar e tinham que se expressar para serem sanadas. «Alguém»
em mim, achou a arte e a poesia como solução para alegrar a minha
existência. Agora é o meu Eu filosófico que esta me cutucando. Estou atenta
porque gosto de prestar atenção em mim. Minha mensagem poética tem muito de
irreverência, de ironia, de humor negro, até de sarcasmo, mas junto a isso, tem
um bom fundo de filosofia.
4 - Que
barreiras existem no seu percurso como autora?
Eu penso que cada escritor tem um
percurso de vida próprio, seus empecilhos, suas soluções. Eu sou de saltar
barreiras, de usar as pedras no caminho e de transformar as vicissitudes em
adubo fertilizador para fazer crescer meus frutos. Na vida tive mais não que
sim, mas isso fez de mim uma guerreira perseverante e tenaz. Não sou muito de
ir em busca de glória, para mim é como correr atrás do horizonte, mais você
avança mais ele se distancia. sucesso ou reconhecimento tem um preço
que pode ser muito alto. As publicações das quais participei foram a convites,
com as exposições se da o mesmo jeito: eu organizo meus eventos,
porque percebi que o mundo da arte contemporânea é muito difícil, árduo e muita
coisa funcionam através de amizades, de jeitinhos, de muito se abaixar. Com a
poesia não deve ser muito diferente. Quando os amigos me chamam, eu vou,
se me convém, é claro. Eu não faço muita publicidades meus trabalhos,
não procuro galerias, respondo muito raramente a concursos, não envio nada
às editoras, pelo menos até agora. Com a poesia vai ser diferente, estou
na fase de corpo e alma na poesia, quero que seja lida, publicada, conhecida,
por ser minha arma contra as injustiças e contra a opressão, ela deve ser um
testemunha de uma época da história de chumbo da ditaduras militares que
assolaram em toda a América Latina, para que outras sejam evitadas. Pelos
atuais acontecimentos no Brasil e no mundo estamos correndo sérios riscos de
voltar barbárie nazifascista. Por isso me inscrevi para participar da coletânea
Ecos do Nordeste. O Brasil passa por um momento difícil, que pode ser o
laboratório da s próximas ditaduras e quem silenciar, não tomar
posição, deixar acontecer, ficar em cima do muro, será cobrado pela história.
Então, decidi que agora é hora de me mostrar de novo como artista engajada
agitadora, com o pincel e o teclado. Também organizo eventos, manifestações de
rua e saraus.
5 - Que impacto
têm as redes sociais no seu percurso?
Eu utilizo muito as redes sociais
para atividade politicas, eu sou uma agitadora profissional, sou
rebelde, anti fascista e isso se sabe, pois faço grande alarde, mas
pouco mostro minhas criações. Tenho blogs, sites, mas não renovo
muito, são como museus virtuais, no entanto, quero mudar isso,
com a poesia.
6 - Quais os pontos positivos e negativos do universo da escrita?
Não sei se estou apta a responder a esta pergunta, por não estar ativamente no “mercado”, no então, penso que se houver pressa para fica famoso, ideias de ser rico ou a ilusão de querer ser um escritor popular e agradar a todo mundo, cai na armadilha da vaidade e se perde. Quando se tem meios financeiros e bons amigos na praça, as coisas ficam mais fáceis, mas pode também fazer aparecer um monte de mediocridade passarem por genialidade, sobretudo se a mídia está por trás na fabricação de artistas e literatos. O positivo é que você pode ter o objetivo de alegrar a vida do vivente, levar outros a pensarem fora da caixa, a repensar suas memórias com sua magia.
7
- O que acredita ser essencial na
divulgação de um autor?
O primeiro passo é publicar, depois
ter uma editora que divulgue seu trabalho na web, em livrarias, em feiras
literárias, nacionais e internacionais, participar de saraus… Eu adoro
dizer poesia e fazer conferências, faço muitas, acho que é uma forma muito
inteligente de ter contato com as pessoas. Hoje
a vida esta muito virtual. Segundamente, conhecer gente do
meio literário, criar sinergias, participar de coletâneas, se editar
se for preciso. Quanto às redes sociais, fazer blogs, sites,
participar de redes, etc., No entanto, uma ressalva: isso pode ser uma ilusão.
E necessário ter estratégias, antes de jogar-se às feras, é mister aprender a
navegar nas redes sociais e não naufragar, como disse o filósofo
Sérgio Cortela. Se não tiver uma bussola para nortear a navegação, pode se
perder nas brumas do mar da mundialização.
8 - O que tem
feito, enquanto autora, para o enriquecimento da literatura nordestina?
Essa pergunta necessita reflexão. Estou
fora do Brasil há 46 anos e não posso pretender que nada mudou em mim. Mudou
sim, mas tenho uma memória tenaz, lembranças vivas. Volto sempre para beber na
fonte que me amamentou, tudo volta em mim com força e me nordestina, me
sertaneja, me abrasileira. Mas não sei se contribuo muito, não sei nem se faço
falta, com tantos poetas maravilhosos que tem o Nordeste. Aquilo ali é um
viveiro de gente boa de poesia. Uma coisa é certa, eu tenho muito
orgulho do que fui, e do que sou. O distanciamento é uma realidade, não posso
negar, adquiri outras experiências de vida, outras identidades, outras
realidades, outras subjetividades. Isso faz com que esteja meio à margem do que
chamam de poesia nordestina, às vezes faço poemas no estilo repente, embolada,
uso ritmos e rimas típicas, mas evito cair em clichês. Eu sou
múltipla e pretendo ser universal pela temática, mas sobretudo porque conheço e
reconheço bem minha aldeia.
9 - Sugira um autor e um livro do Nordeste!
Nossa são muitos os escritores que eu adoro, é difícil escolher, ficarei com Ariano Suassuna e o Auto da Compadecida, pelo humor, pela inteligência com a qual mostrou a exploração que as elites conservadoras impõem no Nordeste há séculos. Nesta obra está resumido tudo o que me inspira na literatura nordestina em toda sua grandeza. Ariano é mágico, consegue me arrepiar e fazer vir à superfície o sentimento de assombro necessário para ser poeta. Ele me fez visitar os limites dos territórios de Deus e do Diabo, estas entidades tão populares no Nordeste. Ariano me desperta o desejo de escrever assim, digamos que me dá uma ponta de inveja positiva e criativa. Ao meu ver, ele é quem mais soube mostrar a sutileza, o humor, a malicia, as facécias e as capacidades que desenvolve o nordestino para sobreviver. João Grilo e Chicó não só enganaram os poderosos, mas driblaram o diabo e lograram até a confundir a morte na suas irreverências. Mas como eu falei acima, são muitos os escritores que admiro e que me alimentam espiritualmente.
10 - Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?
Perguntem porque saí do Brasil.
Lhes responderei: não saí, me saíram.
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