Tempo de
Travessia – Fernando Pessoa
“Há um tempo em que é preciso
abandonar as roupas usadas
Que já tem a forma do nosso corpo
E esquecer os nossos caminhos que
nos levam sempre aos mesmos lugares
É o tempo da travessia
E se não ousarmos fazê-la
Teremos ficado para sempre
À margem de nós mesmos”
abandonar as roupas usadas
Que já tem a forma do nosso corpo
E esquecer os nossos caminhos que
nos levam sempre aos mesmos lugares
É o tempo da travessia
E se não ousarmos fazê-la
Teremos ficado para sempre
À margem de nós mesmos”
18 de setembro de 2017. Faz dez meses que abandonei amarras, despi–me de tudo o que havia
vivido e sentido, acumulado em 46 anos
de vida. Deixei família, minha casa, meus livros, amigos, meu país, e a minha
história. Respirei fundo e dei um passo, depois outro e outro, e quando
percebi, voei e aterrei do outro lado do oceano, com o coração a sobressaltos,
um frio na barriga e a única certeza que eu tinha, era aqui, que eu tinha de chegar.
Cheguei no dia 18, com passagem trocada sem a minha vontade, uma semana depois da data prevista. E no dia 18 de um dezembro de 1970, nasci. Coincidências ou não, cheguei novamente em um 18, após anos de buscas, esperas, lutas para realizar não só um desejo, mas um sonho. Cheguei com a alma nua e o corpo entregue, com uma mala, e um relicário, onde trouxe todos os meus sentimentos e lembranças mais preciosos, o resto, deixei para trás, na névoa que separa os limites do que foi e do que será. Enfrentei por quase um ano, diariamente, a cada segundo, todo o tipo de questionamentos, dificuldades e inseguranças. E pensava: coragem! Eu queria chegar como se fosse a única razão pelo qual a minha vida toda faria sentido.
E eu cheguei, com medo e
com paixão do (des)conhecido.
Foram doze horas de
viagem, corri pelos corredores do aeroporto de Madrid, quase perdi o voo, mas
cheguei. Cheguei em terras lusas, na hora e no dia que deveria chegar, como se
fosse um regresso, mesmo sem ter vivido
por cá. Cheguei a casa, ao abrigo prometido pela vida, em sonhos, em palavras.
Cheguei com sede do
novo, entusiasmo, esperança, alegria e uma certeza, era preciso chegar.
O nó na garganta, e
aquela sensação de saudade, deixei guardado em um cantinho da alma, naquele
momento não cabiam lágrimas do que havia ficado para trás. Apenas sentia e
celebrava a conquista, a vitória de ter conseguido chegar.
E guardei aquele momento
para sempre, revivido a cada mês, nesse mesmo dia e acho que será para sempre.
Cheguei com olhar de festa, com euforia, com o meu corpo todo vibrando,
pulsando por um amor incomensurável que despertava a maior das emoções que já
pude sentir. De mãos dadas com a minha filha, sorri e consegui encontrar o ar
que me faltava.
No meio da multidão, a
voz, o olhar, o abraço que me esperavam.
E quando bate a saudade
das pessoas e daquele tempo que vivi, antes de partir, refugio-me nesse dia e
em lembrança, desperto tudo o que senti... pois ali, naquele instante, em que
cheguei, ficou guardado o meu coração.
Cheguei para ficar. Com
tudo o que sou e com toda a minha vontade de realizar. Comigo vieram todas as
minhas certezas e a plenitude, garra e a determinação, adquiridos pelos
caminhos percorridos até essa viagem. Trouxe também as minhas cicatrizes e
ousadia. Todas as minhas certezas e tudo o que me move. Cheguei com a convicção
do porto, do abrigo, de que não há outro lugar, embora hajam tantos pelo mundo que
desconheço e permito-me não desbravar. Finquei meus pés no chão, aqui, às
margens do Tejo, e o meu coração neste lugar. Deixo as minhas marcas pelo chão.
Apesar das minhas raízes estarem em terras tropicais, caminho no vento e faço
eco, porque apesar e além de tudo, eu cheguei, com a alma exposta e o coração aberto,
porque sou In-Finita.
DRIKKA INQUIT
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