PIZZA E SOLIDÃO
Despertou com um traço de luz sobre o braço. Esquecera de fechar toda a cortina antes de deitar. O corpo mole pedia um pouco mais de tempo. Aliás, tempo agora era o que não lhe faltava.
Do lado de fora a
neblina coroava as montanhas. Desviou os olhos daquele paraíso que, de tão
constante já não impressionava.
Olhava agora para os
braços, franzindo a testa para pequenos sinais pretos que nunca percebera.
Quando teriam surgido? A luz sobre os pelos loiros, queimados do sol e a pele
flácida demonstrava o quanto o tempo havia passado desde que comprara a casa.
Sim, a casa dos seus sonhos.
E agora todos se foram,
apenas ele resistira às imposições da vida. Não arredaria o pé do seu chão,
fruto de um sonho realizado. Já não havia paixão, muito menos visitas, que
ficaram escassas quando filhos e depois os netos tomaram seus rumos. Um
telefonema de vez em quando para eles já bastava.
Olhou a pizza sobre a
mesa e a taça de vinho. Fazer uma boa pizza tinha se tornado um hobby, além de
um grande prazer. Gostava de preparar a massa, os recheios, escolher um bom
vinho. Variava nos molhos, ervas, experimentava misturas. Não era modesto ao
ter ciência de que estava se tornando um grande pizzaiolo.
Foi até o terraço,
acendeu um cigarro. Jogou no chão e pisou, esboçando um leve sorriso. Não tinha
mais graça, afinal, não havia mais ninguém para repreendê-lo por tal vício.
Com o frio intenso, entrou e foi à biblioteca. Acabara mais um livro, não poderia haver melhor companhia. Na dúvida entre tantos, escolheu reler mais um, Cem Anos de Solidão. Sim, por que não?
Mini-Biografia:
Taciana Valença Administradora (Universidade Federal de
Pernambuco), escritora, produtora cultural, editora da Revista Perto de Casa
(Recife/PE/Brasil) e Diretora Social da União Brasileira de Escritores.
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