quarta-feira, 21 de março de 2018

ADRIANA FALA DE... OLHA-ME COMO QUEM CHOVE


Ler Alice Vieira é transportar-se para perto de uma lareira, onde o crepitar das chamas aquece e ao mesmo tempo, se ultrapassarmos um limite, nos queima. É o sentimento à flor da pele, a poesia despida e transparente. O sentir latente e real, quase que transportado para o concreto. É sentir-se confortável no aconchego de uma leitura sempre bem elaborada, bem escrita, onde as palavras mesmo com lirismo ou metáforas, são palpáveis e simples, que acarinham e despertam, envolvem ou simplesmente contam uma história, em cenas cotidianas, tão comuns a todos nós. Mas com a licença dos deuses concedida a  poucos e Alice Viera tem, de preencher todos os espaços das entrelinhas com a sua alma, que carrega a arte, o belo, o sentir em sua total plenitude e intensidade, apesar da racionalidade e observação prática evidente na suas obras.

Mesmo que a atemporalidade esteja bem presente, as perdas ou ausências, emocionam e somos tocados pelo vazio como se aquele instante também fizesse parte da nossa história, mas logo em seguida, mergulhamos nas profundezas de um estado quase letárgico, tão íntimo e profundo, que sua poesia sempre nos conduz, como se a plenitude fosse o lugar de chegada, o abrigo que buscamos toda a nossa existência, como bálsamos para aliviar as jornadas entre as pedras e abismos de nós. E mesmo que a intenção seja sacudir nossos alicerces, retirar o mofo da mesmice e direcionar os sentidos para o que realmente importa no ser, sentir, vivenciar, aquela sensação de bem estar, após a sua leitura, permanece.

É esse estar à beira mar, com gaivotas deslizando na brisa, em total liberdade e sentidos apurados, na calmaria, do ir e vir das ondas em sinfonia permanente que o ler Alice Vieira, conduz, que nos faz transbordar de contentamento ao apreciar a arte das palavras sempre tão bem-vindas. É como aquele colo que nos envolve, o sorriso que afaga, como a mão amiga que conduz, aquele instante que não volta mais e permanece ecoando na lembrança. Ler Alice Vieira é como o entardecer, seja no verão ou no inverno, com suas cores, cheiros e sabores que ficam bailando no ar.

Foi assim que me descobri em seus poemas e os sigo, há mais de dez anos, quase que guardados em um relicário de sensações e emoções identificadas a cada leitura.

E reencontro-os a cada livro lançado. E não podia ser diferente em OLHA-ME COMO QUEM CHOVE. Talvez um livro de memórias, de instantes e vivências, de distâncias e proximidades, de observações e intensidades, de afetos e partidas, de lembranças , de ecos do passado na celebração da vida presente, do pensar no além daqui, como parte do inevitável, mas vivido tão intensamente que permanece nas marcas do lado de dentro, ou simplesmente um livro de amor, com o que não se pode reter em vida. Mas pode se guardar e levar, na alma.

DRIKKA INQUIT

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