quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

PATRÍCIA PORTO FALA DE ... ALÊ MOTTA



“Ouvi todas as coisas no céu e na terra. Ouvi muitas coisas no inferno. 
Como então posso estar louco?” […]
Edgar Allan Poe  


Ainda na contemporaneidade, Edgard Allan Poe, Piglia, Borges, Cortazar... são alguns nomes que influenciaram o que podemos entender como crítica do conto. Guardando cada qual sua peculiaridade teórica, convergiam na ideia do poder da síntese associado à qualidade literária. No mais, a teoria do conto é um caldo repleto de considerações teóricas completamente opostas e até díspares. Uma das significativas definições de conto foi defendida por Cortazar e diz perto ao apelo à síntese dessa narrativa:

Mas se não tivermos uma ideia viva do que é o conto, teremos perdido tempo, porque um conto, em última análise, se move nesse plano do homem onde a vida e a expressão escrita dessa vida travam uma batalha fraternal, se me for permitido o termo; e o resultado dessa batalha é o próprio conto, uma síntese viva ao mesmo que uma vida sintetizada, algo assim como um tremor de água dentro de um cristal, uma fugacidade numa permanência.


Ora, para escrever menos seria preciso escrever mais. Pois cortar na carne, encontrar soluções complexas e intensidade como enfatizava Poe, ou trabalhar com a “unidade de efeito”, o caráter de sugestão, não guiar o leitor a um desfecho único, todos esses são elementos imprescindíveis à escrita do conto.

Estreitando esse universo de “fugacidade na permanência”, chegamos aos contos curtos, narrativas breves, inquietantes, argutas e com alto domínio de síntese,  podendo até mesmo não chegar ao final de uma página. Um trabalho delicado de artificie das palavras - aquele que mantém a lâmina de corte sempre afiada. E esta qualidade peculiar da lâmina, assim como o uso de um dinamismo narrativo tão apropriado ao nosso atual contexto – paradoxal e caótico nas relações - são princípios instigantes que poderemos encontrar no livro de contos “Interrompidos”, de Alê Motta, lançado, neste ano de 2017, pela Editora Reformatório.

Na sua narrativa, a autora traz elementos essenciais ao conto, do qual se ocupa a teoria literária mais ampla, e também ao microconto, novo gênero que exige a dinâmica do próprio movimento da narrativa como pré-texto, uma câmera em suspenso constante, pendular, nervosa que segue de muito perto os personagens. Nos textos curtos da autora, há o conciso e o corte, a intensidade e a sugestão, o efeito de unidade e a permanência. A autora maneja com maestria seus instrumentos cirúrgicos, numa precisão necessária. São contos que mesclam o prosaico com o urbano, histórias urgentes e agudas sobre situações cotidianas e familiares.

Alê Motta imprime impacto, força, constrangimento, humor e até mesmo boa dose de sadismo como mecanismos da narrativa. As cenas, incidentes, tragédias vão se sucedendo numa tensão crescente.  Lido de uma sentada, o livro lembra por vezes um afogamento – cada conto é uma submersão, cada intervalo entre os contos, uma subida para respirar. Há um sentimento de agonia, de luta, de necessidade e mergulho. E uma obra que consegue causar tais sentimentos é uma obra a ser lida e merecidamente notada.

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