segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

FALA AÍ BRASIL... PATRÍCIA PORTO (XX)

Que se come frio


Eu sempre achei que seria recompensada por todas as minhas perdas. Eu teria compensações por merecimento de dor absurda. A vida levou meu pai e mãe naturais, depois levou meus pais adotivos e meu irmão adotivo, depois levou minha casa, minha Ilha, a casa de Tambor de seu Bernardo, levou também meu sotaque, minha saúde, minha gente virando poeira na estrada da janela do Ita. Acordei no deserto de uma multidão desalmada. Achei que fosse o tempo de enfrentar o Demo. Não foi. Lá do alto de meu ego eu esperava os prêmios, as conquistas e o reconhecimento. Tudo vaidade. Eu era vaidosa de minhas perdas. Quando fui ser professora na periferia da periferia descobri o tamanhão do meu ego. Meninas e meninos que sequer conseguiam pensar sobre suas faltas. Eu tinha os livros e a literatura. Não era pouco, porque dava pra sustentar meus ombros de pé. Os meninos me ensinaram que a história não compensa ninguém se você fica esperando reparação. Era preciso fatiar o ego e comer aos pedacinhos, feito miúdos de porco. Chouriço de ego. A vida não te compensa, rapaz. É preciso ir lá e fazer a revolução sem rastro algum de piedade. É faca nos dentes e sangue nos olhos. Quando a carne esfria é que ela ganha sabor.  

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