Discurso a propósito do lançamento da Descrição das Sombras
ODE AO TRABALHO
Quero agradecer em primeiro lugar a Fundação Fernando
Leite Couto (FFLC) por ter decido, em boa hora, criar um prémio literário em
parceira com a Trassus mobiliário. Agradeço também a minha família pelo
suporte, ao Djive pela capa do livro, ao Andes por aceitar esse desafio, aos
meus amigos e aos escritores que deram parte de si para dar prestígio a esta
primeira edição.
Quando nos chega este momento, em que somos obrigados a
destapar o véu, ficamos indefesos sem saber onde esconder a ansiedade. Venho a
esta casa falar da poesia e do seu valor para mim. Assim, regresso à carta, com
mais de uma década, que o meu amigo Adolfo Sapala, vencedor do prémio TDM de
2006 na categoria de poesia, escreveu sobre a nossa visão poética.
“O caos, meu caro, o caos é tudo. Passou a hora da lógica
e do sonho. Chegamos finalmente à hora do tédio desregrado. […] Continuemos,
pois, a acender o facho da nossa poesia. A nossa literatura precisa do nosso
aguilhão. Se nós adormecermos, quem irá sacudir as almas deste tempo? É a nossa
Hora. Aquele que entre nós não fizer a sua parte talvez nunca se possa perdoar
a si próprio nos tempos futuros.”
Meus confrades, este prémio que me foi concedido legitima
um trabalho desenvolvido pelo colectivo Arrabenta Xithokozelo. O mesmo reflecte
um percurso de angústias, sofrimento e sonhos, sendo o Modaskavalu o leitmotiv
para seguir uma ideia, ainda que de forma inconsciente, no início, iluminou a
nossa presença.
A actividade da escrita implica paciência, domínio da
linguagem, ritmo, musicalidade e, sobretudo, humildade para ouvir e compreender
as dinâmicas da vida. É um acto solitário, que exige corpo e alma. Estou aqui
porque acreditei naquela odisseia. Tive paciência, soube esperar enquanto os
meus dedos erectos na escrivaninha, horas a fio desnudavam o poema no céu
nocturno das acácias rubras.
Talvez hoje tenha mais sentido ter meus livros nas
prateleiras. Creio ter um melhor entendimento do processo criativo. Mais do que
escrever, é ter noção do que escrevo e sobreviver ao questionamento da voz
interna nas horas silenciosas.
Como disse Rimbaud “só com uma ardente paciência
conquistaremos a esplêndida cidade que dará luz, justiça e dignidade a todos os
homens.” Para mim, a poesia deve ser o lugar onde encontramos a paz. Viver
poeticamente é ter o olhar aberto para os pequenos gestos, imagens e sabores. O
meu amigo Djive tem dito “nada acontece por acaso”. Eu sou fruto de muitos
acasos. Tenho de admitir que foi duro ver novos livros e autores nas
prateleiras e continuar a viver o anonimato: a viver sempre um sonho adiado.
Entretanto, é preciso vincar que vai uma distância da
finalização do trabalho à sua publicação. Ou seja, a escrita e a publicação não
são sinónimos. Devo salientar que somos um país com uma tradição poética
invejável, que nos possibilita ter o chão com o qual tecemos os nossos versos.
Do lirismo ao hermetismo, a poesia moçambicana tem o seu lugar de eleição.
Daí eu acreditar na poesia como redentora do espírito
humano. Para Höderlin “a poesia é portadora da esperança”. Foi por essa
esperança que Craveirinha apresentou-se como port-parole de uma nação que ainda
não existe, para mostrar o seu posicionamento em relação a uma determinada
realidade. Eu acredito que a poesia continua a representar a esperança numa
sociedade marcada por inúmeros eventos trágicos: a incerteza, o medo, a solidão
e a inversão de valores.
No dizer de Juan Ramón Jiménez “é a
qualidade da eternidade que um poema poderá deixar em quem o lê sem a ideia de
tempo”. É essa qualidade de eternidade que procuro deixar na minha poesia,
porque a poesia tem o papel de construir um outro imaginário, a produção de uma
visão sobre o mundo ou a reconfiguração de imagens.
Sim, vivo e vivemos para tal,
ResponderEliminarabraço comovido joão ayres brasil