Um Prefácio
Tudo
que escrevo é autobiográfico e é autorretrato de uma artista nua,
Nua
em carne, pele, sexo, origem,
latência...
A
escrita são os meus ossos do ofício, os meus pulmões para os berros,
Minha
linguagem secreta com a Arte, meus artifícios e queixumes,
Até
porque sempre busco desabitar as coisas que me habitam,
As
tralhas da minha casa interna. Trago
isso primeiro do inconsciente,
E
trato de entornar tudo até poder tomar o que foi escrito como as consciências
do dito, mas
nas consciências já sou a outra, a que corrige, corta, aponta a coesão e faz
coação com requintes de carrasca... Já não gosto tanto desta e prefiro sempre a
primeira, a que se joga no abismo por desequilíbrio, a bamba da corda ou a
tonta.
Penso
que não há qualquer segurança para quem escreve. A escrita é muito mais ruidosa e arriscada
que os temas da vaidade. Eu,
particularmente, gosto do defeituoso e quanto mais defeituoso for o trajeto
melhor será o meu encontro com o que eu leio do escrito. O sublime está neste fraturar do tecido, no
rude dos pontos, assim como o seu grotesco pode ser o belo do versar. Um grito
é um defeito? Um choro, um defeito? As fragilidades do humano? As fraquezas são
defeitos. E que sejam, porque nos tornam menos fantasmas do que já foi vivido. As memórias do imperfeito dão convicção ao
movimento.
Eu
habito essa casa-escrita, mas sempre de malas prontas para partir para outra
habitação, e assim vou construindo novas arquiteturas e me desvencilhando dos
casulos, sempre tão confortáveis. Não me ofereço para ser o fantasma dos meus
próprios poemas; dos quais me despeço com certa parcimônia, com uma boa dose de
constrangimento, a necessária do Advir. A mobilidade é que sempre me chama para
o salto seguinte e se a reminiscência me provoca, eu a levo junto para um novo
experimento de salto.
Não
me preocupo em ser uma pessoa que escreve com reconhecimento em círculos
literários, porque os círculos que me fascinam são outros: bacias, mandalas,
todas as formas redondas e a circularidade das palavras, essa tarefa de ser mãe
das próprias ideias. E parir indiscriminadamente sem permitir que me rotulem em
algum ponto periférico-circular entre os que muito falam.
A
escrita, se me defino nela, é Maior que o cálculo de viver. Os planos? Os
projetos? A escrita é o antes do plano ou do projeto, porque antecede o pronto da tipografia com seus consertos
finais, é antes o porém, o entre, mais conectiva que substantiva a princípio. É
o nada que nos liga, como o cordão que nos liga ao primeiro mundo. Depois vem o
outro novo mundo e a certidão de nascimento. O substantivo. O verbo. O sujeito.
O verbo.
Escrevo
para que os outros leiam. Se a Vida nos bastasse, lembrando Fernando Pessoa,
por que faríamos Arte? Fazemos Arte porque somos crianças ávidas pelo Amor. E
nossa expressão requer a mesma paciência que as crianças exigem para as suas
garatujas. Tenham paciência com a
leitura de toda escrita. Todas merecem respeito e afago. Aos que trabalham com
margem de lucro, sim, a esses podem pedir explicações.
Escrevo
enfim para não morrer de inanição ou não enlouquecer o outro que me vê ainda
alguma qualidade. Não herdei nada, talvez nem genes; mas deixarei esses
escritos como um legado de alguém que amou fazer parte desse mundo através da
escrita.
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