Sonho
Mas o sonho é mais completo que a realidade
esta me afoga na inconsciência” C. Lispector
“Ai esses
sonhos que não terminam nunca, sempre me trazendo quem na realidade não pode
estar comigo”, pensava Maria ainda deitada entre coberta por lençóis 170 fios,
limpinhos, e cheirosos como as lavandas de Provence. Esticou os pés
alongando-se e permaneceu mais um pouco imóvel, querendo as sensações que
vinham de seu mais profundo.
“Encontravam-se
no meio da noite, isso lá era hora”, pensava em si, mas não perdia a
oportunidade sagrada de amá-lo.
Ele
chegava-lhe quase sempre esbaforido, trazendo uma pasta de projetos na mão
direita... Casaco de nylon na outra. Era um hiperativo sem tempo pra nada,
amante das artes visuais, o notebook a tiracolo. Feliz a procurava em busca de
algum aconchego, tempinho espiritual sem questionamento, quando deitavam-se
juntos.
Certa
noite, Maria estava em trânsito na mesma mega cidade, portanto próxima
fisicamente de João, nessa noite ele apareceu-lhe em espírito , apenas usando a
roupa de baixo.
“Que
surpresa”, Maria limpou os olhos, sentiu o coração pulsando-lhe forte entre os
seios... ele amável a empurrava afetivamente mais para perto da parede num
colchão de solteiro colocado ao lado da cama do sobrinho que generoso, emprestara-lhe
o quarto, e sem que ela sequer ou ainda mal tocasse o seu corpo denso,
quente... João desapareceu subitamente nos segundos que se seguiram. Maria
ficou sobressaltada e atônita. Ela o percebeu ansioso nessa aparição. Não viria
assim em cuecas visitar-lhe, se não fosse por tanto desejo, pensava consigo ao
relembrar, no dia seguinte, ao despertar, toda nítida sensação que tivera
durante esse encontro, até porque não havia intimidade para eles nas agruras do
cotidiano. Sentiu-o ali e isso era afinal o que importava e voltou a dormir.
Querendo-o inquestionavelmente.
Vez por
outra viam-se em astral , ele como era: alto, corpo delgado em musculatura
firme, sorriso largo , movimentos rápidos e afetuosos, barba por fazer cabelos
escorridos na testa, tez clara.
“Venha,
deitar-se ao meu lado”, chamando-a para mais uma noite de amor, relaxado numa
rede de fios rústicos.
Maria
deitou-se com gentileza, podia sentir- lhe o tempero o cheiro, algo quente
tomava conta daquele momento quase virtual. Sabiam que seria rápido e intenso.
Ele um poeta, um poeta icônico.
Maria
firmou a cabeça em seu ombro largo, e isso bastava, ele ainda em seu terno e
gravatas, não desnudo como apareceu a ela em encontros anteriores. Veio-lhe
para descrever-lhe poses homossexuais que tirariam o fôlego de Maria, incrédula
com demonstrações que seguiam aos gestos:
“Assim,
veja”, dizia ele, “é uma penetração gay: eu abro as pernas, encostado num apoio
e ele me penetra, eu sou o passivo”.
Ela
olhava e ouvia-o com a certeza de que a verdade vinha a tona, e sem medo ela o
sentia mais do que nunca em sua intimidade revelada com sublime coragem, eram
mais que namorados eram amigos confidentes. Maria o respeitou sem tocá-lo
naquela noite, numa das mais reveladoras onipresenças.
Parece
que essa verdade jamais se anunciaria no plano das densidades reais não com
tamanha exatidão. Algumas verdades só podem acontecer no instante da
inconsciência, nas sincronias da alma, assim seguiram firmes em seus
sentimentos.
Não se
viam muito no dia a dia, mas sentiam-se no plano do etéreo, contavam um com o
outro e revelavam-se a cada noite. Mais se viam, mais se declaravam.
“Eu te
amo”, e se beijavam como seres que tinham a certeza de que um era para o outro,
amantes perfeitos.
“Eu quero
me casar com você”, e continuavam a se beijar, inclinados naquela poltrona de
um voo que transitava entre as nuvens brancas de uma Ilha no Atlântico Sul, bem
conhecida de ambos...
“Olha
João, veja pela janelinha... ali, bem ali... ta vendo entre aquele campo de
futebol e a plantação de eucaliptos, era minha casa, casa onde morei por dez
anos.” Maria apontava tomando o assento de João, como que querendo vazar espaço
aéreo... João recebeu-a novamente em seus braços, beijando-a com paixão.
O tempo_
espaço desse romance era este mesmo, inconstante, ainda assim Maria seguia
todas as noites para seu quarto sempre com a mesma incógnita... Estaria ou não
com seu amor onírico? Não sabia. Nada era previsível no sentido do cronológico,
o último deles se dera em uma quadra de uma cidade colonial desconhecida, de
casas baixas e coloridas, ele vindo de viagem como sempre... Ela andando sem
objetivos definidos pela calçada desuniforme quanto mais caminhavam, mais
sintonia com os passos que despontavam a sua frente. Sabiam estar ali, viram-se
e aproximaram-se... João a tomou nos braços, ela quis resistir ele insistiu.
Aproximando-a mais de si enquanto aos poucos ela cedia... Saudade, era
saudade... Ela não tinha dúvida e também não saberia explicar o que pulsava em
seu pensamento, suspirava baixinho o abraço forte recebido naquela esquina de
um lugar qualquer nos interstícios de um plano vago, que volatilizava pelos
sentidos carregados e dormentes, aos poucos vivificados pela presença de sons,
aromas da manhã de primavera, brilhos solares que presentificavam-se para mais
um dia que insistia em despertá-la do evanescente, roubando-os para outra
dimensão.
in
Encontros - uma cartografia do tempo.
Silvia
Schmidt, 2017
mini-Biografia:
Silvia Schmidt
Sílvia
Schmidt nasceu em São Paulo mas morou no Nordeste e Sul do
Brasil.
Desde que deixou Florianópolis em 2000 transformou-se em uma verdadeira
nômade
digital, explorando novas cidades, países e culturas, sempre em busca de
liberdade,
independência e inspiração.
É
graduada em Letras- Português Inglês e respectivas Literaturas ,
Comunicação
e Semiótica na PUC/SP , Sociologia e Política/ USP, e
Ontopsicologia
em SC.
Ministrou
aulas de Literatura Brasileira por quase 20 anos mas precisou
ir além:
“Com mais
maturidade e intensa criatividade, hoje, busco na carreira de
escritora
e editora, o mesmo resultado obtido em sala de aula, e meu foco
principal
é trabalhar numa linguagem multimidiática e
contemporânea
(concretismo), uma psicologia revolucionária (ontológica).
Busco na
realidade vivida (auto ficção) e nas trocas culturais o público jovem e
feminino
em transcendência.” Comenta a autora ,Sílvia.
Abaixo
projetos em processo para lançamento que serão realizados através
do selo
Símbol@Digital , editora sob sua concepção e direção desde 2014.
Duty Free
: romance ( 2000)
Start:poesias
concretas (2000)
Papo
Intimo: diálogos( 2009)
Empadão
Goiano: romance ( 2011)
Cobalto:
poesias selecionadas( 2012)
EnCONTrOS:
contos ( 2012)
UNO:
romance em progresso (2014)
Des
voyageurs infatigables: ensaio ( 2016 )
A Carta
da Terra: poemas (2016) inédito
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