sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Contos que nada contam 49 (Um dia de Verão) - Emanuel Lomelino

Um dia de Verão

O dia está soalheiro. Apenas alguns flocos de nuvens esbranquiçadas pontilham o céu azul. Num dos bancos do jardim, alguém folheia o jornal como quem não se surpreende com notícia alguma. Ao seu lado, uma senhora tricota, pachorrentamente, talvez um cachecol para o Outono que aí vem, ou uma manta para o rigor do distante Inverno. Mais adiante, na esplanada, fronteira ao quiosque, onde uma miscelânea de transeuntes se reveza num interesse fingido pelas parangonas, vários casais – com e sem crias – degustam lanches rápidos antes de voltarem aos seus afazeres diários. Junto ao lago, onde são inúmeros os jovens que se banham, há uma miríade de sujeitos (homens e mulheres) em trajes formais, com os olhares vidrados em tudo quanto lhes surge nos ecrãs pixelizados, que mantém presos nas mãos, como se a vida dependesse desses apetrechos, enquanto, de uma coluna portátil, em alto e bom som, saem notas distorcidas e vozes estridentes. Adultos, crianças e várias raças de canídeos, em diferentes ritmos e passadas, partilham um espaço relvado mais amplo e sem árvores, ladeados por uma faixa rubra asfaltada onde se mesclam distintos amantes do exercício físico.

No meio desta azáfama, de um dia de Verão, Fulgêncio, vestido com o seu fato de bombeiro, uma mochila de primeiros socorros suspensa nas costas e a transportar, com a ajuda do seu colega, a maca onde colocaram mais um desafortunado morador de rua, que retiraram do edifício devoluto que estava a ser consumido pelas chamas há, pelo menos, duas horas, perante o desinteresse generalizado, questiona-se se tem o poder da invisibilidade ou é apenas mais uma vítima da indiferença reinante.

EMANUEL LOMELINO

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