Um dia de Verão
O
dia está soalheiro. Apenas alguns flocos de nuvens esbranquiçadas pontilham o
céu azul. Num dos bancos do jardim, alguém folheia o jornal como quem não se
surpreende com notícia alguma. Ao seu lado, uma senhora tricota, pachorrentamente,
talvez um cachecol para o Outono que aí vem, ou uma manta para o rigor do
distante Inverno. Mais adiante, na esplanada, fronteira ao quiosque, onde uma
miscelânea de transeuntes se reveza num interesse fingido pelas parangonas,
vários casais – com e sem crias – degustam lanches rápidos antes de voltarem
aos seus afazeres diários. Junto ao lago, onde são inúmeros os jovens que se
banham, há uma miríade de sujeitos (homens e mulheres) em trajes formais, com
os olhares vidrados em tudo quanto lhes surge nos ecrãs pixelizados, que mantém
presos nas mãos, como se a vida dependesse desses apetrechos, enquanto, de uma
coluna portátil, em alto e bom som, saem notas distorcidas e vozes estridentes.
Adultos, crianças e várias raças de canídeos, em diferentes ritmos e passadas,
partilham um espaço relvado mais amplo e sem árvores, ladeados por uma faixa
rubra asfaltada onde se mesclam distintos amantes do exercício físico.
No meio desta azáfama, de um dia de Verão, Fulgêncio, vestido com o seu fato de bombeiro, uma mochila de primeiros socorros suspensa nas costas e a transportar, com a ajuda do seu colega, a maca onde colocaram mais um desafortunado morador de rua, que retiraram do edifício devoluto que estava a ser consumido pelas chamas há, pelo menos, duas horas, perante o desinteresse generalizado, questiona-se se tem o poder da invisibilidade ou é apenas mais uma vítima da indiferença reinante.
EMANUEL LOMELINO
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