Um último esforço!
Durante toda a vida, Afonso dedicou-se ao trabalho como fosse um atleta de alta competição. Estava sempre disponível para umas horas extra, colocando de lado o cansaço, ignorando as mazelas, superando a complexidade das tarefas e a pressão exercida pelas chefias, imaculadas e bem dormidas, que lhe exigiam máxima aplicação e o empenho que não entregavam.
Por mais dedicado, assíduo e competente que Afonso demonstrasse ser, pediam-lhe sempre mais um esforço, mais uma diligência, mais uma cedência, mais um sacrifício, como tivesse nascido para ser apenas um operário sem vida própria.
Durante toda a vida, dedicou-se ao trabalho com esmero e profissionalismo e agora, deitado sobre o solo gelado, sob os olhares estarrecidos dos chefes, que o observavam à distância e em silêncio, Afonso concluiu que, toda a entrega e dedicação, todas as cedências e sacrifícios, nada mais eram do que sinais do quão negligente havia sido com a sua própria vida, e apenas tinham beneficiado aqueles que, mal todos os pedaços do seu corpo quebrado fossem colocados na ambulância, seguiriam para o conforto dos seus lares e aconchego das suas famílias.
Antes de falecer, a caminho do hospital, Afonso ainda teve discernimento para um derradeiro pensamento filosófico: “por mais colectivo que seja o último esforço, ninguém verte o sangue alheio”.
EMANUEL LOMELINO
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