terça-feira, 22 de julho de 2025

Contos que nada contam 42 (O religioso) - Emanuel Lomelino

O religioso

Romualdo nasceu no seio de uma abastada família extremamente conservadora, devota aos preceitos religiosos mais rígidos e sob influência de crendices e obstinações que moldaram o seu carácter introvertido, preconceituoso e, sobretudo, supersticioso.

Mais do que demonstração de fé, as benzeduras que fazia, em criança, eram provocadas pelo temor que sentia quando presenciava, ou ouvia algo, que lhe haviam incutido como pecado capital e merecedor de castigo divino, por julgar que testemunhar semelhantes afrontas ao divino fazia dele um cúmplice de prevaricação.

Quando alguém vociferava, ele benzia-se e murmurava um “pai nosso”; quando via um casal beijar-se, benzia-se e rezava uma “ave maria”; quando se cruzava na rua com uma adolescente de calções curtos e top minúsculo, benzia-se e evocava o espírito santo.

O seu fanatismo religioso chegou a níveis tão extremos que, ao atingir a idade adulta e com a inclusão que a maioridade lhe outorgou nos eventos sociais familiares, passou a acreditar que apenas ele era digno de bênçãos e favores divinos porque até a sua família infringia os sagrados mandamentos, pela prática da poliginia; por ter acumulado fortuna; pela ostentação revelada nos inúmeros banquetes que organizavam, pela quantidade de objectos de adoração existentes em casa; pela falta de rigor eclesiástico e abundância blasfémia.

Foi por conta dessa revelação que Romualdo fundou a Igreja da Submissão ao Cânone da Palavra, que chefia, gere e é o único membro admitido.

EMANUEL LOMELINO

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