quinta-feira, 31 de julho de 2025

Crónicas de escárnio e Manu-dizer 39 - Emanuel Lomelino

22-07-2023

O mundo desembaraçou-se de absolutismos geográficos, ditaduras físicas e embargos cerebrais em nome da evolução da espécie, no entanto, agora erguem-se muros de intolerância, fronteiras de radicalismo, extremismos de carácter.

Saímos de dois milénios de dogmas e estigmas para mergulharmos numa era de paradigmas irracionais e verdades forjadas apenas porque tudo deve ser desmoronado, mesmo o que deveria estar solidificado.

Mudou-se o cimento autoritário pelo despotismo cimentado. Substituiu-se a imposição da força pela força da imposição. Trocou-se a luta por liberdade pela liberdade de lutar. Alterou-se a defesa de valores pelos valores de ataque.

O mundo transformou-se num gigantesco paradoxo em tão ínfimo espaço de tempo que temo estarmos a caminhar para a loucura coletiva.

Tudo isto faz-me lembrar a história verídica daquele que foi diagnosticado com obsessão compulsiva por, a toda a hora, desinfetar-se da cabeça aos pés. Todos o recriminaram e chamaram de louco, e no momento em que saiu do sanatório, terminado o tratamento forçado e dado como recuperado, o mundo passou a esfregar-se com álcool-gel.

EMANUEL LOMELINO

quarta-feira, 30 de julho de 2025

Prosas de tédio e fastio 84 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

84

Odeio que façam algo em meu lugar, tampouco gosto de adjudicar trabalhos a terceiros, porque os “voluntários” e “solícitos” julgam que qualquer uma das situações faz de nós eternos devedores de um favor que nunca foi pedido, e por vezes até já foi pago.

Odeio as frases feitas porque são sinais de alerta para a presença de alguém que nada de novo tem para acrescentar, por preguiça de formular uma opinião própria.

Odeio as conversas de circunstância que só existem para expressar o quão insonsa é a comunicação entre os envolvidos e servem apenas para matar o tempo até que algo interessante aconteça a um dos intervenientes.

Odeio as perguntas que exigem uma resposta monossilábica, porque demonstram o completo desinteresse do questionador sobre o questionado.

Odeio os exaustivos e enfadonhos discursos, multitemáticos, proferidos na sequência de uma pergunta concreta e objectiva, como se a questão fosse abstrata e abrangente.

Odeio a falsa exacerbação dramática e a exaltação excessiva de regozijo, porque ambas padecem de exagero tão desmedido quanto desnecessário.

Odeio os elogios fáceis porque são os mesmos que fazem a outros. O elogio devia ser como um cartão de cidadão ou bilhete de identidade: pessoal e intransmissível.

Odeio tantos outros comportamentos de incoerência, mas não tenho tempo para detalhá-los como estivesse a compilar uma tetralogia sobre gente de múltiplas máscaras.

EMANUEL LOMELINO

O juramento (excerto 6) - Rose Pereira

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Preferi não falar a ninguém sobre as coisas que minha mãe fazia quando eu ficava assim. Também, se eu falasse, nem me dariam importância. Me consideravam por algum favor, ou, quem sabe, pudesse servir melhor depois de crescida, naqueles afazeres dos quais ainda não dava conta.
Ouvi quando comentaram sobre minha magreza. Diziam que eu era fraquinha demais para cuidar até de bebês.

EM - ESTAVA ESCRITO - ROSE PEREIRA - IN-FINITA

terça-feira, 29 de julho de 2025

Prosas de tédio e fastio 83 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

83

Há um contragosto fatigado e dorido que fere a vontade de mudança rumo ao júbilo.

Existe uma feroz tristeza, que é real e inibe o ambicioso desejo de subir, degrau após degrau, até patamares mais ousados.

Permanece a inoportuna febre que restringe as passadas necessárias para que o arrojo triunfe.

Há um fúnebre cansaço que pesa no corpo como quem proíbe uma progressão legítima e impede o regozijo da glória.

Permanece uma indolente escravidão, sem grilhões, mas bem mais carcerária que as celas de Alcatraz, que dificulta a mais insignificante conquista.

Há uma fragilidade prenhe de restrições que prende os movimentos suaves e singelos, como quem maniata os avanços mais naturais e precisos.

Existe um melancólico acanhamento do ânimo que, pouco a pouco, desfalece por inércia imposta pelas punitivas circunstâncias de todos os dias.

Permanece o insucesso do querer por imposição de um dever odiado, mas crucial para que as metas sejam cruzadas.

Há, existe e permanece um temor ofegante de que todo o esforço despendido seja inócuo e em vão.

EMANUEL LOMELINO

Uma vida fora da mala (excerto) - Daniele Rangel

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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A mala estava lá, fechada. A quantidade de roupas parecia para uma vida inteira, mas ainda assim não pareciam tão suficientes diante da agenda. Fechada, mas não no cadeado ainda. E, se tirasse a agenda? Tiraria a expectativa? Bagunçaria a ordem dos planos? Não... é preciso afastar essa ideia desesperada por mais tempo.
Fechada, mas ainda era possível colocar só mais um casaco. Pelo menos mais um. Afinal, melhor ser precavida, não há como prever todas as necessidades.

EM - TUDO SOB CONTROLE - DANIELE RANGEL - IN-FINITA

segunda-feira, 28 de julho de 2025

Pensamentos literários 39 - Emanuel Lomelino

Pensamentos literários 

39

Na dúvida do que está por vir e enquanto não surge a certeza do futuro, embrenho-me na escrita, tal qual a penso e sinto, mas sempre na esperança de que cada mote se justifique por si mesmo, sem me explicar.

Não falo de mim nem me denuncio, porque sou abstrato, livre e obcecado pela minha privacidade. Antes crio meadas que teço com os fios velhos que reaproveito. Antes burilo gemas sem brilho que encontro nos troços que percorro. Antes cultivo as sementes do raciocínio, que é comum ao mais comum dos mortais. Antes cinzelo ideias universais com a perícia de quem desconhece tudo, mas suspeita. Antes refino o carvão dos sentidos e dou corpo de diamante às palavras que uso. Antes lavro pensamentos vulgares com fitas coloridas e enfeitadas de verdades.

Depois sou engolido pela noção errada das interpretações que me fazem por ser avaliado pelo que escrevo, como se isso, de alguma forma imperativa, pudesse definir o meu mais recôndito, misterioso e oculto interior.

O homem existe, somente, na intimidade de mim e para conhecimento de quem está próximo. O que está além disso é apenas sombra e o instrumento que dá corpo ao autor.

Esse sim, encontra-se, em toda a plenitude e substância, regido pelo devaneio de dar a conhecer a sua capacidade instintiva de criar a partir do zero. Esse sim, tal qual um heterónimo, merece interpretação, nunca pelo que é, mas pelo que constrói com o estro vulgar que detém e trabalha.

EMANUEL LOMELINO

O branco e a preta (excerto 6) - Pedro Sequeira de Carvalho

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Ele tinha sensivelmente quatro anos e eu não tinha outra alternativa em relação ao número do calçado. Fiz a relação entre a data da chegada do Governador e o tempo em que o povo ainda morria de amores por ele e decidi arriscar-me com o par do calçado de menor número que havia na loja.

EM - A BRANCO E A PRETA - PEDRO SEQUEIRA DE CARVALHO - IN-FINITA

domingo, 27 de julho de 2025

Prosas de tédio e fastio 82 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

82

Nasce-se para se morrer, independentemente daquilo que se fizer no intervalo.

Já nasci e morri tantas vezes que a cronologia natural desses feitos deixou de fazer sentido.

Todas as mortes foram diferentes, enquanto os nascimentos foram tremendamente dolorosos para mim, com excepção do primeiro, cujas dores nem recordo.

Nasci e morri de tantas formas distintas que, em algumas delas, senti-me um personagem de Lovecraft.

Foram tantos os partos que nem deu tempo para fazer certidões de nascimento, porque as mortes estavam ao virar da esquina.

Foram tantos os óbitos que nem a necrologia conseguiu acompanhar e ninguém foi notificado.

Morri e renasci tantas vezes que já nem gato sou.

Com tantas parições e falecimentos foi-me permitido confirmar que, por mais que se faça tudo certinho em cada vida, de múltiplas e diferentes formas possíveis, nunca seremos capazes de impedir o desfecho final. E essa circunstância implica que no final das contas, o número de nascimentos será sempre igual ao de mortes.

EMANUEL LOMELINO

sábado, 26 de julho de 2025

Prosas de tédio e fastio 81 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

81

Não existe falácia na ânsia causada por um silêncio violado pela maliciosa verve, intencionalmente impostora, que fere de garras afiadas os órgãos mais frágeis, como lâmina aquecida a perfurar matéria inflamável.

Não há remorso nas labaredas que beijam os sentidos na esperança de postular uma cauterização lenta até ao cessar dos dias, como a queda num precipício infindo.

Ninguém percebe a vontade intrínseca do sal líquido derramado como consequência do fétido ardor que um verbo pode causar quando penetra o interior imaculado – como floresta virgem - isento de mágoas e nódoas.

Ninguém entende a extensão dos danos perpetrados pela radioatividade das palavras ácidas, propositadamente regurgitadas como cuspidela traiçoeira de um réptil mal-intencionado.

Ninguém compreende o desgosto de um tímpano ferido de inverdades. Há um mórbido desejo de surdez permanente, que é herético, mas apetecido como água fresca em dia desértico.

EMANUEL LOMELINO

sexta-feira, 25 de julho de 2025

Prosas de tédio e fastio 80 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

80

Quando os vidros e espelhos se transformam em estilhaços espalhados de modo arbitral no solo roído pelos passos de outrora, não estão sós e isolados. Ficam na companhia da caliça que já foi reboco; de alguns tufos de pelos com proveniência incerta; de heras que se atreveram a romper o betão para despontar entre as frestas de um chão que já foi imaculado; de pedaços de mosaicos quebradiços que a passagem do tempo libertou; de fragmentos de papel retalhado e amarelado pelo mofo; de poeira bafienta originária de múltiplas fontes; de lascas de madeira caídas de armários descoloridos e empenados, cujas portas estão seguras por uma única dobradiça enferrujada; de uma poça de água choca que, volta e meia, é alimentada pela goteira que o telhado esburacado deixou formar, e por onde entram aves para o descanso nocturno ou para se protegerem.

Todo este entulho de ruína e caos é cúmulo de memórias descartáveis que alguém – que pode ser plural – deixou para trás como estivesse a abandonar o mais irrelevante de si.

EMANUEL LOMELINO

O juramentos (excerto 5) - Rose Pereira

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Mamãe não media esforços. E eu tinha noção de que dava mais trabalho que outras crianças, não sei por que, e precisava voltar ao hospital periodicamente, passar por aqueles exames novamente, por toda aquela gente me fazendo perguntas estranhas, me induzindo a lembrar de um passado desconhecido, e eu já sabia que, na volta para casa, outro tanto de soldadinhos seriam levados na bolsa dela.

EM - ESTAVA ESCRITO - ROSE PEREIRA - IN-FINITA

quinta-feira, 24 de julho de 2025

Prosas de tédio e fastio 79 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

79

O ritmo, a cadência, a duração dos fragmentos de tempo é igual para todos, sem excepção. Ninguém vive segundos, minutos, horas, dias, semanas com maior duração do que os outros. A diferença está na forma como cada um usa o tempo; no modo como o gasta; na utilidade que lhe dá; no desaproveitamento que lhe faz.

O tempo é um só. Tão regular e contínuo, quanto obstinado e persistente na constância. O tempo é obsessivo, dono do seu nariz, pouco lhe importando a forma, o modo ou o jeito como o preenchem.

A génese das queixas sobre o tempo está no grau de prioridade que cada um, em toda a sua vitimização, dá ao tempo que lhe cabe. Por isso existem os desleixados e os organizados; os irrequietos e os cómodos; os espalhafatosos e os discretos; os inteligentes e os chico-espertos; enfim, aqueles para quem falta tempo e os outros que têm tempo de sobra. Apesar do tempo ser sempre o mesmo.

EMANUEL LOMELINO

Ah, eu vou tomar meu café (excerto) - Daniele Rangel

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Acontece, caro leitor, que aquela velha frase sobre ensinar sendo exemplo é uma verdade. Então, para este texto, vou calar minha voz de narradora intrometida — vocês já sabem que dou pitaco mesmo — e vou ceder a vez à mãe desta história. Vou deixar que ela mesma fale de sua aflição em incentivar a leitura da filha recém-adolescente e como foi essa iniciação.

EM - TUDO SOB CONTROLE - DANIELE RANGEL - IN-FINITA

quarta-feira, 23 de julho de 2025

Prosas de tédio e fastio 78 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

78

Erradamente, supôs-se que a vida seria uma simples equação matemática. Mas alguém, fraco no domínio da álgebra e apenas conhecedor dos números inteiros, enganou-se nos cálculos por não contemplar décimas, fracções, ou raízes quadradas.

Supostamente, a vida deveria ser um segmento de recta. Todos a partirem de um ponto A para chegarem, linearmente, a um ponto B. Mas alguém, fraco em geometria, olvidou a existência de círculos, triângulos, quadrados, etc. Tampouco conhecia ângulos, senos, cossenos, tangentes, catetos e hipotenusas.

Na verdade, de nada nos serve sabermos fazer cálculos avançados ou trigonométricos porque a complexidade da vida ultrapassa todas as ciências.

Para facilitar as coisas, pensemos na vida como uma enorme espiral irregular que contradiz todas as teorias conhecidas.

As contas nunca batem certas, os ângulos estão sempre errados, e as figuras geométricas têm formas difíceis de entender ou identificar.

Bem vistas as coisas, só o ponto de partida A e o ponto de chegada B são os elementos reais da equação da vida, tudo o resto são incógnitas disformes.

EMANUEL LOMELINO

O branco e a preta (excerto 5) - Pedro Sequeira de Carvalho

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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No dia seguinte, era feriado, não se abriam as lojas. Mesmo assim, fui ao interior da mesma para pegar alguns brindes. Eu não me podia dar ao luxo de chegar ao quintal da Arlete somente com cara e barriga, de mãos a abanar.

EM - A BRANCO E A PRETA - PEDRO SEQUEIRA DE CARVALHO - IN-FINITA

terça-feira, 22 de julho de 2025

Contos que nada contam 42 (O religioso) - Emanuel Lomelino

O religioso

Romualdo nasceu no seio de uma abastada família extremamente conservadora, devota aos preceitos religiosos mais rígidos e sob influência de crendices e obstinações que moldaram o seu carácter introvertido, preconceituoso e, sobretudo, supersticioso.

Mais do que demonstração de fé, as benzeduras que fazia, em criança, eram provocadas pelo temor que sentia quando presenciava, ou ouvia algo, que lhe haviam incutido como pecado capital e merecedor de castigo divino, por julgar que testemunhar semelhantes afrontas ao divino fazia dele um cúmplice de prevaricação.

Quando alguém vociferava, ele benzia-se e murmurava um “pai nosso”; quando via um casal beijar-se, benzia-se e rezava uma “ave maria”; quando se cruzava na rua com uma adolescente de calções curtos e top minúsculo, benzia-se e evocava o espírito santo.

O seu fanatismo religioso chegou a níveis tão extremos que, ao atingir a idade adulta e com a inclusão que a maioridade lhe outorgou nos eventos sociais familiares, passou a acreditar que apenas ele era digno de bênçãos e favores divinos porque até a sua família infringia os sagrados mandamentos, pela prática da poliginia; por ter acumulado fortuna; pela ostentação revelada nos inúmeros banquetes que organizavam, pela quantidade de objectos de adoração existentes em casa; pela falta de rigor eclesiástico e abundância blasfémia.

Foi por conta dessa revelação que Romualdo fundou a Igreja da Submissão ao Cânone da Palavra, que chefia, gere e é o único membro admitido.

EMANUEL LOMELINO

segunda-feira, 21 de julho de 2025

Crónicas de escárnio e Manu-dizer 38 - Emanuel Lomelino

16-07-2023

É preciso abrir os olhos, para lá dos limites da fisionomia, para avistarmos tudo aquilo que, pintado com as cores da nossa inocência, nada mais é do que engodo e simulação.

É preciso ver além do alcance da vista para entendermos como estes espectros furtivos, que nos iludem na invisibilidade das intensões, são seres de carácter pérfido, dissimulado, vil.

É preciso atenção microscópica e redobrada para entendermos quão elásticas (como interesseiras) são as aproximações que nos fazem, dependendo da utilidade, ou falta dela, que nos outorgam.

É preciso dar uso a toda a prudência, que a natureza nos emprestou, para sabermos quando sugam o ar que nos mantém ou sopram o veneno que nos intoxica, como insecticida.

É preciso reparar que, quase sempre, os benefícios de um ombro, que vislumbramos como gesto puro e sincero, são maçãs armadilhadas de gentileza encantatória e enganadora.

É preciso enxergar para lá do horizonte mais próximo e observar a distância mais remota para vermos com clareza o quão camufladas são as pretensões daqueles que, com vozes sussurradas, nos entoam aos ouvidos cantos de sereia.

EMANUEL LOMELINO

domingo, 20 de julho de 2025

Pensamentos literários 38 - Emanuel Lomelino

Pensamentos literários 

38

Quando os pensamentos querem ser vistos transfiro-os para um suporte e visto-os de palavras. Essas dão os braços, umas às outras, como numa roda de dança, e fluem a seu belo prazer sem a minha intervenção.

No início, na inocência do meu desconhecimento, mal se expunham, tentava dar-lhes um sentido mais legível, mas esse processo acabava, inevitavelmente, por lhes cortar o fluxo e, o que era uma ideia sólida, diluía-se no tempo com a busca da alternativa de discurso e perdia a força da mensagem base.

Com o tempo, e a experiência, aprendi a ser paciente e comecei a esperar o fim da transição para depois, então, fazer as alterações necessárias.

É por isso que, mais do que escrever, gosto da transpiração de limar verbos, raspar pontuação, desbastar complementos, cinzelar advérbios, polir sentenças.

E se me perguntarem a razão deste trabalho eu respondo que o meu cérebro é disléxico e tem sempre muita dificuldade em estar sincronizado com os pensamentos que lê.

EMANUEL LOMELINO

O juramento (excerto 4) - Rose Pereira

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Não sei como explicar, mas, mesmo sem entender naquela pouca idade, me correspondia com ela no olhar, e não estou falando de linguagem especial ou outra coisa extraordinária que se possa mencionar, como aquelas rotineiras dos filhos com as mães, em que se sabe o que vai dizer, sem precisar de palavras, basta interpretar os atos presentes ou pretéritos, não, não é isso.

EM - ESTAVA ESCRITO - ROSE PEREIRA - IN-FINITA

sábado, 19 de julho de 2025

Prosas de tédio e fastio 77 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

77

O dia voou-se-me pelos dedos com a fúria premeditada de lâminas rombas. As mãos choraram desconforto enquanto a alma – essa eterna chaga tresmalhada – regozijou-se por não ser corpórea e celebrou a sua indiferença ao beliscar do físico.

Os segundos latejaram-me na pele; os minutos picaram o ponto; as horas cauterizaram os sulcos, infamemente, enfaixados com gaze inexistente. E ela – a alma arredada de empatia – manteve-se fiel ao seu umbigo narcisista.

A tarde sucedeu à manhã, como é habitual nestas coisas do tempo, e a cada tique-taque da ampulheta moderna mais rugas decidiram enfeitar-me a derme irritada de poeira e sedenta de tréguas. Da outra – a alma desgarrada de afinidades – nem um sopro refrescante de interesse ou sinal de afectação.

Foi apenas mais um dia que passou. O corpo ganhou umas quantas medalhas por continuar a superar etapas, enquanto a alma – vilã de si mesma – permanece na ignorância de que nada, nem ninguém, é imune à passagem do tempo e que este também se lhe aplica.

EMANUEL LOMELINO

Onde está a mamãe? (excerto) - Daniele Rangel

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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O pai, finalmente, levantou-se. E, leitor, preciso lhe confidenciar algo: o pai estava desesperado, mas não quis que as crianças percebessem. “Como assim, a mulher não estava em casa? Para onde tinha ido? E tão logo cedo?”, pensava preocupado. Andou pela casa junto das crias, procurando a mãe. Vistoriou os quartos, olhou no banheiro, na área de serviço, na cozinha, na varanda, no jardim da casa… e nada. O mais novo procurou até debaixo das almofadas do sofá.
Onde está a mamãe?

EM - TUDO SOB CONTROLE - DANIELE RANGEL - IN-FINITA