Lomelinices
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Não preciso molhar-me na fúria desta chuva madrugadora para conseguir dissertar sobre a impermeabilidade que me escasseia.
Cada gota que desliza da nebulosidade do céu negro para abater-se sobre mim, com a ferocidade tropical de todas as tempestades, apenas cumpre o seu destino - e o meu.
Gotícula a gotícula, de mãos dadas com a liquidez desconfortável, transformo-me num leito de rio cujas correntezas percorrem de nascente à foz, sem resistência de dique ou barragem.
Inundo-me desde as margens até ao âmago em cascatas incessantes de rebeldia, qual desfiladeiro íngreme com protuberâncias escorregadias.
No centro do dilúvio, sou como um navio sem leme nem rumo, e o vento – irregular como só ele – não me permite mais do que andar, trémulo, à deriva.
Depois, como uma criança inocente, mas travessa, o céu afasta as nuvens e sorri um arco-íris, sem remorso por ter lançado toneladas de água sobre este pobre coitado que apenas saiu à rua para ir trabalhar, num sábado, e agora vai gastar os ganhos de um dia em paracetamol.
EMANUEL LOMELINO
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